Quando alguém adquire um imóvel através de um financiamento, sem oferecer uma garantia para o pagamento da dívida, é comum que a instituição financeira institua sobre o próprio bem financiado uma medida para resguardar o recebimento do valor emprestado, em caso de inadimplência. Essa garantia é denominada de alienação fiduciária.
Existem outros meios de garantias como: a hipoteca, a cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis e a caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis, todas previstas no art. 17, da Lei nº 9.514/97.
A alienação fiduciária possibilitará que a instituição financeira realize a alienação do próprio bem, quando o comprador não cumprir com a sua obrigação de pagamento do financiamento, de forma extrajudicial, isto é, sem intervenção do Poder Judiciário (ação judicial), através de leilão, buscando minorar o seu prejuízo e recuperar, ao máximo, o valor emprestado.
Quando ocorre o registro do contrato da propriedade fiduciária do bem, no competente Registro de Imóveis, ocorrerá o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto do imóvel.
Havendo o pagamento integral da dívida e de seus encargos, a propriedade fiduciária do imóvel se resolverá, cabendo à instituição financeira fornecer o termo de quitação ao fiduciante, que poderá requerer ao oficial do Registro de Imóveis o cancelamento do registro da propriedade fiduciária.
Até esse momento tudo bem, a execução do contrato se deu de modo esperado e regular pelas partes. O problema surge quando não ocorre o pagamento, por parte do fiduciante, o que levará o imóvel a leilão.
Ocorre que, para a realização da alienação do bem, em leilão, é necessário que alguns requisitos sejam cumpridos, sem os quais poderá resultar em sua anulação/nulidade, através de ação judicial intentada para este fim, impedindo a venda do imóvel, resguardando os direitos e interesses do comprador.
Constituição em mora – requisito indispensável para a realização do leilão
Antes de realizar o citado leilão, cabe à instituição financeira fazer a constituição em mora do devedor, que ocorre mediante a sua intimação para realizar o pagamento dos valores que não foram pagos, o que é denominado de purgação da mora.
É como se fosse uma segunda chance para quem está devendo regularizar a sua situação perante o banco, evitando um prejuízo maior que o leilão proporcionará.
O prazo para realizar esse pagamento é de 15 (quinze) dias, conforme art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/97, e deverá envolver a (s) prestação (ões) vencida (s) e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.
Caso ocorra o pagamento de todos esses débitos, o contrato terá seguimento normal e o imóvel não sofrerá o leilão. Entretanto, se não houver o adimplemento dos débitos no prazo mencionado, haverá a consolidação da propriedade fiduciária em nome da instituição financeira, permitindo a venda do bem.
Esse procedimento é indispensável para que seja permitida a alienação do bem, posteriormente. Havendo vícios nessa fase, isso poderá resultar na anulação ou nulidade do procedimento.
Problemas verificados na intimação para a constituição em mora
É comum, entretanto, que esse procedimento de constituição em mora e consolidação da propriedade fiduciária não ocorra de modo regular, conforme a legislação pertinente exige.
A intimação para que o devedor seja cientificado da existência do débito e que realize o pagamento, sob pena de consolidação da propriedade, deve ser realizada de modo pessoal, ou seja, na sua pessoa, não admitindo que terceiros recebam esse tipo de documento, exceto o funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, consoante a previsão do art. 26, § 3º-B, Lei nº 9.514/97.
E é extremamente comum que o devedor não seja encontrado. Geralmente, quem está passando por alguma dificuldade financeira a ponto de impedir o pagamento das parcelas do seu imóvel não será encontrado facilmente para receber essa intimação.
Intimação por edital e possíveis nulidades
Nesse momento, demonstrada a inviabilidade de localização do devedor, a lei previu uma alternativa ao credor, possibilitando que haja a intimação ficta e desdobramento do procedimento de consolidação da propriedade que permitirá a realização do leilão.
Trata-se da intimação por edital, mas existem vários requisitos para que essa forma de intimação seja considerada como válida e eles se encontram no art. 26, § 4º, da Lei nº 9.514/97, a saber:
§ 4º Quando o fiduciante, ou seu cessionário, ou seu representante legal ou procurador encontrar-se em local ignorado, incerto ou inacessível, o fato será certificado pelo serventuário encarregado da diligência e informado ao oficial de Registro de Imóveis, que, à vista da certidão, promoverá a intimação por edital publicado durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária, contado o prazo para purgação da mora da data da última publicação do edital.
É necessário, primeiramente, que haja certeza da impossibilidade de se encontrar o devedor, o que deve ser feito através do esgotamento das tentativas de intimação por outras formas, como certidão expedida pelo oficial do Cartório de que houve diligências naquela localidade sem possibilidade de encontrar o devedor; cartas com aviso de recebimento frustradas etc.
Não basta que tenha havido apenas uma tentativa de encontrar o devedor ou que existam informações que ele se encontra em outro lugar, sem buscar encontra-lo naquela outra localidade. Isso frustra a exigência de “local ignorado, incerto ou inacessível” e poderá resultar na nulidade/anulação do leilão.
Existindo, no processo de consolidação, certidão de que o devedor tenta se ocultar para não receber a intimação, haverá a necessidade de se proceder com a intimação por hora certa, prevista no art. 26, § 3-A, da Lei nº 9.514/97. Adotar a intimação por edital, nessa situação, é um vício insanável que comprometerá a realização do leilão.
Também é exigível que tenha havido a publicação da intimação durante 3 (três) dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso. Isso deve ficar documentado no processo de consolidação.
Não existindo essa publicação no jornal ou havendo-a, mas em prazo inferior a três dias, comprometerá o procedimento previsto em lei, redundando na invalidade da consolidação da propriedade e, consequentemente, no leilão do imóvel.
Por fim, o prazo para que o devedor faça o pagamento dos débitos, purgando a mora, se iniciará da data da última publicação da intimação do edital no jornal.
Negando o Cartório a receber os valores, antes do transcurso desse prazo, ou fixando um período menor para pagamento nas publicações, isto gerará, certamente, na anulação/nulidade do procedimento.
Necessidade da análise do processo de consolidação da propriedade fiduciária
Para verificar se houve algum defeito na realização do processo de consolidação da propriedade fiduciária, algo que poderá resultar na anulação do procedimento, com a retirada do imóvel de leilão marcado, é imprescindível a análise do processo de consolidação de modo integral, por profissional qualificado.
Esse processo pode ser obtido por qualquer pessoa, perante o Cartório de Registro de Imóveis onde aquele bem fora registrado, mediante o pagamento de uma taxa. Os Cartórios, em até 4 dias (os mais demorados), irão fornecer o processo completo.
Havendo alguma nulidade constatada, o caso poderá ser judicializado com grandes chances de sucesso.
Rafael Rocha Filho - Advogado, Especialista em Direito Civil e Processual Civil
Fonte: Artigos JusBrasil
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