Desde que estreou na bolsa no último pregão de 2019, o fundo imobiliário Luggo, ligado à construtora MRV, teve valorização de quase 30%. Comparando-se à alta de 35,98% que o Ifix — índice que representa a média dos portfólios listados na B3 — teve no acumulado de 2019 foi um salto e tanto em apenas três dias.
A oferta, de R$ 90 milhões, atraiu quase 1,7 mil investidores pessoas físicas e o desempenho no secundário, já na largada, demonstra disposição do investidor para experimentar novas estruturas, já que se trata de um segmento que só agora começa a ser testado no mercado brasileiro, o de fundos imobiliários que asseguram renda com locação residencial. Como chamariz, o desenho veio casado com uma renda mínima garantida por dois anos, equivalente a 5,5% ao ano.
Num momento de migração do investidor de alternativas conservadoras para opções de maior risco, com o magro retorno da Selic em 4,5% ao ano, a performance na bolsa nos primeiros dias levantou questionamentos se começa a haver exageros no segmento de fundos imobiliários que possam ser um prenúncio de bolha à frente.
Por ora não é o que os especialistas em investimentos enxergam, mas eles recomendam cautela e avaliação dos ativos caso a caso, evitando olhar toda a classe como se representasse o mesmo tipo de risco. Um exemplo de que o mercado segue saudável, cita um experiente profissional do setor, é que a oferta da Housi, “startup” do grupo Vitacon, não foi adiante nas condições originais e a emissora e coordenadores tiveram que readequar o preço e o tamanho da operação. No fim de dezembro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) suspendeu o IPO por 30 dias.
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O caso Luggo chamou atenção ainda pela estrutura de partes relacionadas, já que a MRV constrói as moradias e a subsidiária Luggo compra os imóveis e os coloca para alugar. Os recebíveis dos contratos de locação servem de lastro para o fundo imobiliário e é daí que parte a remuneração do investidor na forma de dividendos. A Inter DTVM (também ligada ao grupo MRV) participou da estruturação e da distribuição ao lado de outros intermediários como o banco Plural e a Genial Investimentos. Uma oferta subsequente já está prevista para este ano retroalimentando toda a cadeia.
“A MRV constrói o prédio, vende para o fundo imobiliário e garante os dois primeiros anos de aluguel. O fundo imobiliário sobe bastante no IPO dada a demanda atual de novos investidores, o fundo faz nova emissão, a MRV constrói outro prédio, e vende novamente para fundo e garante o aluguel. Em algum momento isso está fadado ao fracasso quando terminar a renda mínima garantida ou o ciclo imobiliário virar”, alerta Jonathan Camargo, sócio e assessor de investimentos da New York Capital. Para ele, a valorização na estreia sugere uma procura frenética por ativos com retorno real relevante.
Para ele, a busca no secundário foi maior por investidores novatos, “mas os mais experientes sabem que ao fim deste prazo os retornos mensais diminuem e o resultado é ter fuga em massa do ativo, gerando distorções e prejuízos para quem pagou caro demais”.
Do processo de venda na oferta primária não houve demanda reprimida, segundo o diretor executivo de finanças e relações com investidores da MRV, Ricardo Paixão. Para ele, o investidor que não teve acesso ao ativo durante o IPO acabou indo para a bolsa. Das 900 mil cotas ofertadas, um lote de mais de 380 mil ficou com a própria Inter DTVM, volume acima do absorvido pela pessoa física que ficou com quase 205 mil cotas.
Indicações para a compra de fundos imobiliários, influenciadores digitais e relatórios de analistas acabaram promovendo o ativo no secundário, diz Paixão. “Faz sentido econômico que tenha esse fundo acima de R$ 100 [o preço da oferta], se considerar que uma valorização de até 40% empataria com a Selic e ainda tem a possibilidade de aumento no valor das cotas.” Como ao receber os dividendos de um fundo imobiliário o investidor não paga o imposto que incide na renda fixa, o retorno é comparativamente maior.
O executivo acredita que a tradição do brasileiro de investir em imóveis para obter renda com aluguel foi o grande apelo do fundo da Luggo. A renda garantida, por sua vez, assegura um dividendo mínimo por 24 meses ou até que 95% das unidades estejam alugadas. A expectativa de Paixão é que o retorno em dividendos ao longo do tempo seja até maior, mas ele diz que a escolha foi ser conservador.
O fundo conta com quatro empreendimentos. Em Belo Horizonte (MG), o Luggo Cipestre tem 100% das suas 116 unidades alugadas e uma fila de espera equivalente a 50%, conta Paixão. Já o Luggo Ecoville, em Curitiba (PR), atingiu 80% de locação em pouco mais de dois meses após o lançamento. Dois outros condomínios, um em Campinas (SP) e outro em Curitiba (PR), ainda não estão prontos.
Se no passado, fundos imobiliários com renda garantida tiveram um mau desfecho, Paixão diz que agora se trata de um ativo completamente diferenciado, porque tem serviços embutidos como lavanderia e bicicletas compartilhadas, academia e até a possibilidade de acesso a unidades mobiliadas. Os condomínios da Luggo são 100% para locação e a contratação é on-line sem a necessidade de um fiador, com a análise de crédito feita pela seguradora que faz a fiança locatícia.
Para um executivo do setor, um fundo imobiliário com renda de aluguéis residenciais pode embutir até um risco menor do que as carteiras com renda atrelada a locações corporativas, pelo fato de ser mais pulverizado. Mas para um produto novo era de se esperar um prêmio maior para o investidor já que no secundário há oportunidades melhores, cita. Do lado da incorporadora é uma forma de obter funding barato já que apenas um dos condomínios está 100% alugado. A combinação MRV/Inter, se para alguns suscita questionamentos pela estrutura verticalizada, para outros pode ter representado um selo de qualidade, completa.
Paixão diz que para mitigar potenciais conflitos, mais de uma assembleia de cotistas foi realizada para aprovar a aquisição dos imóveis dentro da Luggo. “É um serviço tão melhor que o resto do mercado que não houve nenhum tipo de questionamento de parte relacionada.” A diluição do investidor que não acompanhar a operação nas próximas ofertas tende a ser compensada por um fundo proporcionalmente maior, afirma.
O céu (ou o teto) é o limite
Mesmo depois de ter movimentado R$ 22,8 bilhões em ofertas públicas no ano passado, em 70 operações, o mercado de fundos imobiliários ainda tem muito para crescer e não há que se falar em bolha, diz Glenda Ferreira, especialista em investimentos da Levante.
Ela aguarda, contudo, o reajuste patrimonial que é feito anualmente pelos fundos para avaliar se os preços no mercado estão muito deslocados. “Para o investidor é importante olhar cada ativo de forma diferente, evitar o efeito manada dos nomes mais populares”, diz. “É preciso avaliar quais são os ativos dos fundos, a vacância, quem faz a gestão, se é passiva ou ativa, nunca é uma pergunta só. O risco é entrar num fundo com estratégia ruim.”
Glenda prossegue que fundos com lastro em certificados de recebíveis imobiliários (CRI) devem ser encarados como risco de crédito e não colocados no mesmo pacote dos portfólios de “tijolo”, que de fato detêm o bem. Ela afirma que, no cenário de juros atuais, o investidor deve exigir um retorno em dividendos de pelo menos 5%.
Quando vai para o varejo, o fundo imobiliário tem uma característica muito peculiar porque o investidor costuma olhar apenas o retorno em dividendos em comparação a outros fundos, sem se preocupar com o que tem lá dentro, diz um profissional do setor. Muita gente acha que é renda fixa, e não é, alerta Glenda, da Levante. “É um ativo de risco e tem coisas caras.”
Camargo, da New York Capital, não acha que esteja se formando uma bolha no setor, porque isso se configuraria se todos os ativos estivessem esticados. “Tem uma grande euforia no mercado, muitos investidores novos que por desconhecimento acabam pagando mais caro do que deveriam.” Em termos financeiros, ele prefere as ações das empresas do setor.
Fonte: VALOR ECONôMICO
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