O novo Coronavírus impôs a toda a sociedade global um período extremamente atípico, além de atingir a saúde de milhares de pessoas em todo o planeta, também exigiu que os governos tomassem diversas medidas para proteger a economia, diante da sistemática imposição de quarentenas e isolamentos sociais.
Nesse momento, os impactos do coronavírus afetaram não só o comércio, mas também a prestação do serviço, que no Brasil representa 60% do Produto Interno Bruto (PIB). Assim como na maioria dos setores econômicos, no direito e especificamente no ramo imobiliário os efeitos não foram diferentes.
O novo coronavírus repentinamente fez emergir situações mais complexas, fugindo dos casos e práticas rotineiras do direito e mercado imobiliário.
Porém, mesmo nesse cenário de atípico de crise, alegações de impossibilidade ou dificuldade de cumprimento do contrato por conta do novo coronavírus, pura e simplesmente, não são suficientes para justificar o inadimplemento e afastar encargos como juros e multas.
Por outro lado, a aplicação seca da lei não basta para solucionar os diversos problemas provenientes das relações negociais em tempos de pandemia, de modo que é preciso analisar com cuidado cada situação para encontrar a melhor solução. Assim, é importante que você saiba o que pode ser feito para minimizar os impactos gerados pelo novo coronavírus.
Neste artigo, você encontrará os principais aspectos para levar em conta nos seus negócios, divididos nos seguintes tópicos:
Pandemia, contratos e o cumprimento das obrigações
Multa, juros e o inadimplemento
Princípios contratuais e como isso afeta o seu contrato
Você descobrirá como o coronavírus afeta seus contratos e o que pode ser feito em cada caso. Mãos à obra!
1. Pandemia, Contratos e o Cumprimento das Obrigações
Sem dúvidas, o coronavírus surpreendeu toda a população brasileira, deixando a maioria sem saber o que fazer em muitas situações. Para sair da melhor forma da atual crise, é importante que as pessoas consigam administrar suas contas e tenham uma assessoria que entenda bem o ordenamento jurídico brasileiro para obter a solução mais adequada para cada situação extraordinária que porventura tenha nascido com a crise imposta pelo coronavírus.
No ramo imobiliário, que lida com sonhos de pessoas em adquirir a casa ou o apartamento próprio, a orientação é ainda mais importante, sobretudo porque, no atual cenário, o nível de inadimplência geral só tende a aumentar
Ninguém previa a proporção que a infecção pelo coronavírus tomaria e as medidas que os governos nacional, estaduais e municipais adotariam em razão disto.
Servidores foram colocados para trabalhar de home office, o atendimento ao público em repartições públicas foi interrompido, foi determinado o fechamento temporário de shoppings, academias, comércios, eventos e a interrupção de qualquer serviço não enquadrado como essencial, com vistas a evitar uma aglomeração de pessoas, seguindo as diretrizes lançadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Somente permaneceram em funcionamento serviços essenciais, como supermercados, farmácias e hospitais.
Ocorre que em muitos casos o impacto do contágio é tão grande que gera fatores que efetivamente inviabilizam o cumprimento daquela obrigação por parte do negociante. A parte que se obrigou simplesmente não tem qualquer culpa por não conseguir cumprir aquilo a que se obrigou, por conta de algum fator externo que impossibilitou a execução da obrigação. Noutros casos, a obrigação não se tornou impossível, porém foi substancialmente dificultado o seu cumprimento.
Fato é: ninguém contava com essa pandemia causada pelo novo coronavírus. As pessoas que assinaram contratos e fecharam negócios simplesmente não poderiam prever tal cenário.
Em um primeiro momento, a pessoa deve verificar se seu credor já disponibilizou alternativas e abriu canais para renegociação das dívidas, como muitas instituições de grande porte já fizeram. É o caso do Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander, que anunciaram estarem abertos e comprometidos a atender pedidos de prorrogação, por 60 dias, dos vencimentos e dívidas.
A Caixa Econômica Federal ainda ampliou esse prazo de 60 para 90 dias, e disse que se a crise perdurar pelos próximos meses, o banco poderá ampliar mais ainda esse prazo.
Se não houver essa abertura, a pessoa pode buscar a renegociação das parcelas do seu contrato, bem como o adiamento dessas parcelas para datas futuras. Caso a outra parte seja inflexível, talvez seja o caso buscar crédito junto a outras instituições que estão concedendo o prorrogamento das parcelas e não estão cobrando encargos moratórios, a exemplo das mencionadas acima.
Em primeiro lugar, é importante que você saiba qual foi o tamanho do impacto da pandemia do coronavírus no seu contrato. Para isso, você não deve olhar para a pandemia em si, mas pros fatores que ela gerou e que atingirão direta e imediatamente o seu contrato.
Assim, a mera ocorrência da pandemia mundial não é motivo que possibilite o descumprimento da obrigação e o não pagamento dos encargos, apesar dos prejuízos estratosféricos causados à comunidade mundial.
Esses fatores podem ser apenas uma dificuldade no cumprimento daquilo que a parte se obrigou, ou efetivamente a sua impossibilidade.
2. Multa, Juros e o Inadimplemento
No primeiro caso, o obrigado não pode ser penalizado por isso, pois não tem culpa. O Código Civil prevê expressamente em seu artigo 396 que não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.
Prevê também em seu artigo 393 que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, impossíveis de se evitar ou impedir, como ocorre em diversas situações decorrentes de fatores causados pela pandemia do coronavírus, como as medidas restritivas impostas pelo governo na circulação de pessoas, funcionamento do comércio e a prestação de serviços enquadrados como não essenciais.
A mora está presente quando o devedor não efetua o pagamento no tempo, lugar e forma estabelecidos. Dela surge a obrigação de pagar multa, juros, atualização monetária e honorários advocatícios.
No cenário atual, imagine uma empreiteira que se comprometeu com o proprietário contratante à entrega de uma construção residencial concluída até determinada data. A pandemia do coronavírus é motivo suficiente para justificar eventual atraso na entrega do imóvel pronto? Não. Como você vimos, a ocorrência dessa crise mundial não basta para que o contrato seja suspenso.
Agora imagine que, em razão da pandemia, o governo local determinou a paralisação de toda e qualquer obra que esteja sendo executada naquele município. Obviamente o empreiteiro não poderá prosseguir com o trabalho, pois a determinação do governo o impede diretamente. Inclusive, a legislação civil estabelece que o empreiteiro poderá suspender a obra por motivo de força maior.
Assim, se a pandemia do novo coronavírus impediu que o devedor cumprisse com a sua obrigação, ele não estará em mora, e, não estando em mora, não deverá arcar com os encargos decorrentes do inadimplemento contratual, sejam eles previstos na lei ou no contrato.
Em outros casos, a pandemia não torna impossível a obrigação, mas dificulta sobremaneira o seu cumprimento.
É o caso das lojas situadas em shopping centers que paralisam suas atividades em razão do coronavírus. Se o shopping decidiu suspender o seu funcionamento, as lojas que lá estão também terão que fechar durante o período de quarentena. Fechadas, essas lojas não vão faturar, e não faturando, possivelmente não conseguirão arcar com o aluguel. Publicamos recentemente uma notícia sobre o assunto dos lojistas de shopping center, que você confere aqui.
Nesses casos, o fechamento do shopping não é causa direta que impossibilite a loja de pagar seu aluguel. Pode ser que a empresa tenha uma boa reserva de caixa e consiga arcar com essas obrigações durante a crise. Mas, caso não tenha, a paralisação das atividades e, consequentemente, do seu faturamento, irá dificultar excessivamente o pagamento do aluguel na data acordada, o que justifica uma negociação com o locador, para a postergação do pagamento do aluguel, com a companhia de uma assessoria, que possa orientar o melhor caminho a ser adotado.
Nessa situação, apesar de configurada a mora, não nos parece serem devidos os encargos moratórios, pois a cobrança do pagamento do aluguel pelo shopping center, no exemplo introduzido acima, não parece razoável e estaria em desacordo com a boa-fé contratual, que comentaremos mais à frente.
Isso não quer dizer que o lojista ou o comprador do imóvel, por exemplo, não deve cumprir com a sua obrigação, mas somente que não deve ser punido pelo atraso por conta da dificuldade substancial causada por um fator externo e imprevisível, enquanto tal situação perdurar.
Inclusive, nesses casos o credor pode realizar a cobrança do valor original, como é o caso do aluguel dos lojistas no caso comentado acima, judicial ou extrajudicialmente. Apenas não entendemos razoável, probo, e de boa-fé que o credor cobre também os encargos moratórios, como multa e juros.
Além da impossibilidade ou dificuldade no cumprimento da obrigação por algum fator decorrente do coronavírus, o contrato pode se tornar excessivamente oneroso para uma das partes, afetando o equilíbrio contratual e causando prejuízo a quem se lesou por algum fator causado pelo coronavírus.
Nesses casos, ciente da impossibilidade de prever as mutações sociais ocorridas após a celebração do contrato e do impacto delas no negócio jurídico e por fatores extraordinários e imprevisíveis, como os causados pelo coronavírus, o ordenamento jurídico possibilita que sejam revisadas as cláusulas e termos previstos no contrato, de modo a restabelecer o equilíbrio contratual através do ajuste das obrigações, assim como era ao tempo em que foi celebrado.
Aqui traçamos em linhas gerais os principais aspectos que virão a impactar os contratos do ramo imobiliário. Mas devemos destacar que cada caso deve ser analisado de acordo com as suas peculiaridades para se avaliar a dimensão do impacto da pandemia e em qual figura legal melhor se encaixa a situação.
3. Princípios Contratuais e Como Isso Afeta o seu Contrato
Diferentemente das regras, os princípios têm aplicação mais ampla e dão sentido, diretrizes e direcionamento ao ordenamento jurídico, guiando o intérprete para a melhor solução jurídica do problema.
Nesse período de coronavírus e calamidade pública, em que surgem casos que não tem solução jurídica muito evidente, os princípios têm papel extremamente relevante, pois, diante de incertezas, guiam os indivíduos para o melhor agir.
A boa-fé é um dos mais importantes princípios aplicáveis aos contratos. Lembra que falamos mais acima que o devedor, em caso de dificuldade substancial no cumprimento da obrigação, não deve arcar com as multas e juros do contrato?
A boa-fé entra nesse momento como um termômetro que guia a necessidade de aplicação desses encargos, considerando toda a situação que ensejou o inadimplemento. Em outras palavras, a lei seca, por si só, diz que o devedor deve pagar a obrigação assumida, na forma, tempo e local estipulados, mas, através dos princípios presentes no ordenamento jurídico e observando todo o cenário nacional, em uma situação extraordinária, como a imposta pelo coronavírus, existe a possibilidade de o devedor negociar os termos e condições pactuadas, inclusive na seara judicial se for necessário.
Outro princípio muito relevante é o princípio da conservação dos contratos. Nosso ordenamento avança no sentido de que os contratos somente devem ser extintos quando esta for a única e melhor solução. Caso contrário, há instrumentos que não só permitem a conservação do negócio, causando menores prejuízos para as partes e recompondo o equilíbrio contratual, como beneficiam toda a sociedade e a economia, como é o caso da revisão contratual.
Esse viés de conservação dos contratos gera o dever de renegociar, pelo qual deve a parte analisar o desequilíbrio contratual e, se existente, ajustar o necessário para que as obrigações das partes se reequilibrem.
4. Onde queremos chegar?
Vimos que lidar com os impactos contratuais causados pela pandemia do novo coronavírus não é tarefa simples e depende de diversos fatores para que se alcance a melhor solução.
Em alguns casos, como na impossibilidade ou dificuldade de cumprimento da obrigação contratual, há viabilidade de se afastar a cobrança de juros e multa.
Entendemos inclusive que é razoável e de boa-fé que o credor não exija tais encargos, compreendendo a atual situação econômica do país e, principalmente, a dificuldade financeira pela qual atravessam muitas pessoas e empresas, sobretudo as de pequeno e médio porte.
Diversas instituições já anunciaram que não só deixarão de cobrar encargos moratórios, como também irão postergar o prazo de pagamento por meses, em compreensão e solidariedade à dificuldade vivida por milhões de brasileiros.
É o caso da Federação Brasileira de Bancos (Febrabam) e os bancos associados Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco e Santander, que anunciaram estarem abertos e comprometidos a atender pedidos de prorrogação, por 60 dias, dos vencimentos e dívidas de clientes pessoa física e micro e pequenas empresas.
Assim, todos que estejam em situações análogas devem também buscar resguardar seus direitos, inclusive para orientar suas receitas na preservação da família, da saúde e dos bens mais necessários aos sustento no decorrer desse momento.
Vivemos um período em que precisamos colocar em prática nossa fraternidade e solidariedade, principalmente para com aqueles que mais necessitam.
Victor Piovesan é advogado atuante com foco em direito imobiliário, elaboração de contratos, apoio a negociações, assessoria jurídica, dentre outros assuntos do ramo.
Fonte: Artigos JusBrasil
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