1. Introdução
A última década, especialmente a partir de sua segunda metade, tem apontado um crescimento vertiginoso do mercado imobiliário nacional, o que se deve a diversos fatores, dentre os quais podemos citar, não exaustivamente, (a) a maior oferta de crédito para o setor, tanto para o produtor, como para o próprio consumidor; (b) o crescente poder aquisitivo das famílias brasileiras; (c) uma exponencial redução da taxa básica de juros, adotada pelo Banco Central, sem falar (d) no desejo do governo de tentar erradicar o déficit habitacional, que apresenta patamares vergonhosos, por meio da adoção, por exemplo, do programa Minha Casa, Minha Vida.
A abundante oferta de crédito no setor se deve não somente à política monetária que exige a destinação de grande parte dos depósitos da caderneta de poupança para o mercado imobiliário, mas também pelo surgimento de mecanismos jurídicos que tornaram a concessão do crédito mais segura, como por exemplo, a instituição da alienação fiduciária de bem imóvel, introduzida no ordenamento pela Lei 9.514/1997.
Podemos destacar, ainda, a obtenção direta de crédito pelas empresas imobiliárias por meio da abertura de capital (os famosos IPO’s) e a crescente securitização de recebíveis do mercado, tudo isso criando um campo favorável para a crescente oferta de produtos no mercado. O encontro de um cenário jurídico mais seguro, empresas capitalizadas e um mercado consumidor sedento pela compra de seu primeiro imóvel, gerou um panorama nunca antes visto no mercado imobiliário nacional.
Mesmo cidades com menos de um milhão de habitantes se tornaram verdadeiros canteiros de obra de edifícios, sejam eles comerciais ou residenciais, que, quando prontos, modificam sensivelmente a caricatura dos centros urbanos brasileiros.
Figura central na cadeia produtiva do crescente mercado imobiliário é o incorporador, previsto no ordenamento jurídico a partir da década de 60 e, portanto, muito posterior à própria configuração da atividade de incorporação que, como será visto, é preexistente à edição da Lei n. 4.591/64.
Portanto, o objetivo deste artigo é discorrer com objetividade sobre o histórico da atividade de incorporação imobiliária, definindo com exatidão quem pode ser considerado incorporador à luz da legislação específica e, principalmente, analisando as operações que acabam sendo configuradas como incorporação, ainda que assim não fossem desejo dos empreendedores.
2. Breves noções
Conforme autorização da Lei 4.591/64 (Lei de Condomínios e Incorporações), o incorporador pode ser uma simples pessoa física, profissional ou não da área. Como será visto em detalhes no item seguinte, a incorporação é definida pela atividade e não pela qualificação do sujeito que a promove.
Como o mercado imobiliário está cada dia mais complexo, e as operações desta natureza demandam cada vez mais profissionalização, sendo certo que a organização em estrutura societária tem o condão de eliminar a responsabilização pessoal daquele que promove a incorporação, costumeiramente quem atua como incorporador é uma pessoa jurídica organizada sob uma das formas societárias autorizadas em lei.
Portanto, é o incorporador quem vai ao mercado buscar terrenos aptos ao desenvolvimento de empreendimentos imobiliários, usualmente, no modelo de condomínio edilício (ou horizontal), estabelecendo com o dono do terreno a forma de aquisição deste bem imóvel (observa-se ser muito comum nos dias de hoje o modelo de permuta por unidades construídas no próprio terreno). Ademais, é ele quem concebe o projeto de edificação, levando-o à aprovação pelas autoridades competentes, providencia o registro dos documentos necessários perante o Oficial de Registro de Imóveis, nos termos da Lei de Incorporação, empreende diretamente ou por meio de terceiros a venda das unidades e, por fim, constrói ou delega a construção, sob sua supervisão. Natural, ainda, que estabeleça com o agente financiador da obra uma linha de crédito a ser ofertada para futuros adquirentes, em condições preestabelecidas contratualmente.
Sendo assim, é muito fácil afirmar que o principal fomentador da área imobiliária e, por conseguinte, o principal fornecedor da cadeia produtiva imobiliária é a sociedade empresarial incorporadora, a qual se responsabiliza pessoal e diretamente com o consumidor pela entrega da unidade imobiliária, além é claro da boa qualidade do produto. Rotineiro nos dias de hoje o incorporador se confundir com a figura do construtor, do mesmo modo que não são raras as hipóteses em que as empresas incorporadoras contam com sua própria equipe de vendas, realizando diretamente a comercialização das unidades autônomas.
3. Histórico da atividade de incorporação imobiliária
Caio Mário da Silva Pereira destaca que "o incorporador existiu antes de o direito ter cogitado dele". De forma bastante clara e concisa, o autor traça, em clássica obra sobre o tema, um esboço histórico de como as incorporações, usualmente, se realizavam antes da legislação específica (in Condomínio e Incorporações. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 231-234).
Do relato contido em sua obra, percebe-se que no período anterior à edição da Lei 4.591/64, os adquirentes de unidades imobiliárias de um futuro condomínio edilício se encontravam em situação de completo desamparo jurídico, vez que os Tribunais não conseguiam sequer identificar a atividade de incorporação ou tampouco visualizavam no ordenamento jurídico a imposição de qualquer penalidade pela má condução de um negócio naquele modelo.
Naquela época os acontecimentos se davam, mais ou menos, da seguinte maneira: um determinado empreendedor procurava um dono de terreno que pudesse abrigar a construção de prédio coletivo, sugerindo o pagamento do imóvel por meio da participação deste último nas vendas das unidades imobiliárias do futuro condomínio edilício. O empreendedor, por sua vez, procurava um construtor, que lhe fornecia o projeto e o custo da obra a ser edificada, e com base em todos estes dados, colocava as unidades à venda no mercado, praticando preço que pudesse remunerar todos os envolvidos. Instrumentalizado por uma mera "proposta" de compra e venda, e antes de edificar uma parede sequer, passava o empreendedor a captar recursos de seu público-alvo (massa de consumidores). Uma vez vendidas todas as unidades, lavrava-se a competente escritura de transmissão do domínio envolvendo o dono do terreno e os adquirentes que, em muitas das vezes, sequer conheciam o tal empreendedor. Como se vê, sequer no Registro de Imóveis surgia o nome do empreendedor, que era na realidade o verdadeiro incorporador.
Ademais, o tal empreendedor apenas representava os adquirentes na relação contraída com o construtor, fornecedores e empreiteiros da obra, visto que os respectivos contratos eram firmados em nome dos próprios adquirentes. Este era, portanto, o esquema de desenvolvimento das incorporações antes da Lei de Incorporações, com algumas alterações episódicas, podendo em alguns casos o incorporador ser o próprio dono do terreno, um condômino ou, ainda, o titular do direito de uma opção.
Quando o tema começou a ser lançado ao conhecimento dos Tribunais, o que se viu, ainda segundo Caio Mário da Silva Pereira, foi a completa ausência de responsabilização dos empreendedores pela frustração dos projetos. Em certos julgados o incorporador era equiparado à figura do corretor, em outros era considerado um mero mandatário ou gestor de negócios, sem que os adquirentes obtivessem do Judiciário uma correta resposta aos prejuízos que haviam sofrido.
Posteriormente, os Tribunais passaram a melhor entender a matéria, determinando a responsabilização do incorporador pelos prejuízos causados aos consumidores, até que a matéria foi definitivamente positivada na ainda vigente Lei n. 4.591/64.
4. O conceito de incorporador previsto na Lei n. 4.591/64
Nesta esteira, considerando que o incorporador já existia antes mesmo de ser previsto juridicamente, passou a ser conceituado pela atividade que exerce, de modo que, em seu art. 29, a Lei 4.591/64 prevê ser incorporador "a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas".
Após criticar duramente o fato de a Lei de Incorporações vigente conceituar incorporador, por meio de uma redação que, segundo ele, seria "longa, imprecisa e deselegante", Caio Mário da Silva Pereira cita o conceito indireto de incorporador que inseriu no Anteprojeto de Lei apresentado na época ao Congresso e que, segundo ele, melhor definiria tal figura: "considera-se incorporador e se sujeita aos preceitos dessa lei toda pessoa física ou jurídica que promova a construção para alienação total ou parcial de edificação composta de unidades autônomas, qualquer que seja a sua natureza ou destinação".
A despeito de não ser um dispositivo elaborado com impecável primor técnico, a redação do art. 29 abarca todos os atos incutidos no complexo ato de incorporação, permitindo que qualquer operador do Direito, em especial um julgador, consiga visualizar se determinados atos empreendidos no âmbito do mercado imobiliário possam ou não ser enquadrados no conceito de incorporação e, por conseguinte, sobre eles sejam aplicadas todas as demais previsões contidas na legislação específica.
Outro ponto positivo do conceito expresso na Lei n. 4.591/64, inclusive em vantagem ao conceito concebido no Anteprojeto de Caio Mário da Silva Pereira, reside no destaque dado ao ato de alienação de unidades imobiliárias, considerando que a operação de incorporação é, na essência, uma operação de venda e não de promoção de construção de obra. É o ato de vender unidades futuras que caracteriza a incorporação e inclusive dá início à sua vigência e efeitos previstos em lei. Veja que o início da redação da Lei de Incorporação é no sentido de conceituar incorporador como "a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno (...)", ao passo que o conceito de Caio Mário percorre o caminho de considerar incorporador "toda pessoa física ou jurídica que promova a construção para alienação (...)". O destaque do conceito da lei é mais acertado, pois chama atenção para o fato de ser a incorporação, efetivamente, uma operação de venda.
O conceito que entendo melhor calhar para a figura do incorporador é o da pessoa física ou jurídica que promove a atividade de venda de frações ideais de terreno, vinculadas a unidades imobiliárias autônomas, em condomínio edilício de qualquer natureza, que seja objeto de projeto de construção, ou esteja em fase de construção, com a promessa de entrega do bem em prazo certo e ajustado.
A corroborar com nosso entendimento de que a incorporação é, na essência, uma atividade de venda, está a opinião da doutrina no sentido de que "a incorporação se configura no momento em que é vendida uma fração ideal do terreno com a finalidade precípua de ser atribuída a unidade autônoma do edifício a ser construído, ou em construção, sob regime condominial, presumindo-se a vinculação dessa venda (parágrafo único do citado artigo) ao negócio da construção, quer exista projeto aprovado, quer ainda pendente de aprovação. Efetuando a venda da fração ideal do terreno, nesse caso, o alienante já é, por lei, considerado incorporador. Portanto, nem é preciso dizer no contrato de venda da fração ideal do terreno que o alienante a destinou a determinada unidade autônoma do futuro edifício. Desde que existente um projeto, mesmo pendente de aprovação pelo Poder Público, presume-se que a alienação teve em vista uma incorporação imobiliária, respondente automaticamente o alienante como incorporador" (g.n. Apud FRANCO, J. Nascimento; GONDO, Nisske. Incorporações Imobiliárias. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 24).
5. As falhas legislativas
O desenvolvimento da atividade de incorporação não exige qualquer qualificação especial e tampouco o registro do incorporador em qualquer órgão de controle de classe, o que revela uma grande falha da Lei de Incorporações. Desse modo, qualquer um pode se aventurar em mercado de grande complexidade e que tem se tornado atrativo para empreendedores das mais diversas áreas, que, no mais das vezes, sequer conhecem conceitos básicos ligados ao tema da incorporação. Não se está aqui a defender uma censura à livre iniciativa prevista no art. 170 da Constituição Federal, mas a verdade é que a previsão legal de prévia capacitação do incorporador, bem como a existência de um órgão de controle e fiscalização específico de tal atividade, teria sido de grande valia.
Afinal, trata-se de atividade que permite a captação de poupança popular, por meio da assunção da obrigação de entrega de produto ainda inexistente que, no mais das vezes, não passa de unidade imobiliária concebida em projeto de construção aprovado perante a Prefeitura local. Embora a Lei de Incorporações preveja em seu art. 32 a necessidade de ser levada a arquivo uma gama extensa de documentos no Registro de Imóveis, que ao menos indicam a iniciativa do incorporador de levar a efeito a edificação, não há qualquer garantia de que o incorporador vá mesmo direcionar os recursos captados da massa de consumidores no desenvolvimento da obra objeto de projeto já aprovado.
Previsão interessante seria a da vinculação dos valores levantados pelo incorporador junto à massa de adquirentes, em conta corrente aberta para tal finalidade, e sua liberação de acordo com o avanço no estágio das obras. Este controle da destinação dos valores recebidos pelo incorporador diretamente na construção somente existe com a instituição do Patrimônio de Afetação, introduzido pela Lei 10.931/2004, cujo art. 31-A determina que uma vez instituído este regime, "o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes". Ocorre que o legislador determinou ser uma mera faculdade – e não obrigação - do incorporador a submissão da incorporação ao regime de afetação, perdendo-se grande oportunidade de transformar a atividade de incorporação algo muito mais seguro sob o ponto de vista do consumidor.
Do mesmo modo, em relação à capacidade financeira do incorporador, existe apenas a exigência na letra "o" do art. 32 da Lei, de ser apresentado "atestado de idoneidade financeira, fornecido por estabelecimento de crédito que opere no Pais há mais de 5 (cinco) anos". Quem milita na área há tempo, sabe que se trata de documento de fácil obtenção em qualquer instituição financeira com a qual se mantém contrato de abertura de conta corrente.
Ou seja, a verdade é que a compra de imóvel na planta por meio do regime de incorporação, não pode ser considerada uma operação 100 % (cem por cento) segura, demandando do consumidor algumas medidas de precaução, especialmente no que tange à busca de informações acerca da capacidade financeira do incorporador, se ele costuma respeitar os prazos assumidos com seus clientes e, ainda, se as suas obras são entregues com a qualidade prometida.
6. Os sujeitos autorizados em lei a desenvolver incorporação
Já foi dito que a incorporação é caracterizada por sua atividade e não pela qualificação daquele que a empreende. De toda forma, a Lei n. 4.591/64 determina em seu art. 31 que, somente podem promover a iniciativa de uma incorporação, as seguintes pessoas: (i) o proprietário do terreno; (ii) o promitente comprador; (iii) o promitente cessionário; (iv) o construtor e, por fim, (v) o corretor de imóveis.
Em que pese o art. 31 não elencar o (vi) promitente permutante do terreno como uma das pessoas autorizadas a promover incorporação, a leitura de outros dispositivos constantes da própria Lei n. 4.591/64 indicam o contrário. O caput do art. 39 determina a juntada de certos documentos "nas incorporações em que a aquisição do terreno se der com pagamento total ou parcial em unidades a serem construídas (...)". Trata o dispositivo em questão do incorporador que adquire o terreno por meio da permuta em unidades presentes no futuro condomínio edilício, operação esta que, muito provavelmente, seja a mais adotada na aquisição de terrenos nos dias atuais. A operação de permuta é de grande vantagem para o incorporador, pois dispensa o desembolso de vultosos valores, evitando-se impacto no fluxo de caixa do empreendimento e, no mais das vezes, permite até mesmo o desenvolvimento das obras sem a contração de financiamento bancário. Para o proprietário do terreno, exatamente por lançar mão da contraprestação do incorporador para o futuro, o valor da venda acaba sendo extremamente atraente.
O promitente comprador do terreno, o cessionário comprador e o permutante somente estão autorizados a incorporar se nos seus respectivos instrumentos, firmados em caráter de irrevogabilidade e irretratabilidade, contiver expressa cláusula de imissão na posse do terreno e autorização do proprietário vendedor para demolir e iniciar a construção, instrumentos estes que deverão estar devidamente registrados na matrícula do bem. Mas não é só. Necessária, ainda, que não haja vedação à alienação do bem em frações ideais (Lei n. 4.591/64; art. 32, alínea "a").
O corretor e o construtor, por sua vez, somente poderão incorporar se estiverem munidos de procuração, por instrumento público, outorgada pelo proprietário do terreno, ou promitente comprador do mesmo, ou seu cessionário.
7. Análise de situações concretas – configuração ou não da atividade de incorporação
Feitas estas explanações até então, interessante destacar algumas situações em que a incorporação se configura, mesmo que o empreendedor não tenha, inicialmente, perseguido todas as etapas que a legislação específica determina. Isso porque não podemos esquecer que, conforme bem advertido por Caio Mário da Silva Pereira, "toda pessoa física ou jurídica, independentemente da sua anterior profissão, torna-se incorporador pelo fato de exercer, em caráter permanente ou eventual, uma certa atividade que consiste em promover a construção de edificação dividida em unidades autônomas" (Condomínio e Incorporações. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 248).
Imaginemos a hipótese em que um proprietário de terreno resolva construir um edifício de apartamentos, prevendo alienar as unidades autônomas apenas ao término das obras. Ocorre que, em determinado estágio da construção, percebe que o investimento a ser aportado será muito maior do que o previsto inicialmente, decidindo, assim, comercializar as unidades anteriormente à obtenção do habite-se, com a finalidade de "fazer caixa" e poder concluir o empreendimento. Uma vez consumada a venda do primeiro imóvel colocado à venda, caracterizada está a incorporação, sendo passível a aplicação de todas as disposições da Lei 4.591/64, incluindo as sanções criminais pela ausência de registro da incorporação.
O entendimento acima encontra amparo nas lições de Caio Mário da Silva Pereira, para quem "a qualidade de incorporador estende-se ao proprietário ou adquirente do terreno, que promova a edificação destinada à utilização condominial, uma vez que exponha as unidades, total ou parcialmente à venda, antes da conclusão das obras (...) Quem constrói para si mesmo, ainda que seja edifício de apartamentos, não é incorporador. Nele se converte, porém, desde o momento em que exponha à venda as unidades vinculadas à fração ideal, antes da conclusão do edifício" (ob. cit., p. 249).
Portanto, o divisor de águas está exatamente na conclusão da edificação (obtenção do "habite-se"). A partir daí qualquer venda a ser realizada não pode ser considerada um ato atinente à atividade de incorporação. E assim o é, exatamente porque o legislador quis prevenir a captação de poupança popular sob a falsa promessa de entrega de produto ainda inexistente ou em fase de conclusão.
Outras situações, porém, não podem ser consideradas modalidades de incorporação, tais como aquelas em que um grupo de pessoas adquire determinado terreno, em condomínio, empreendendo a construção de edifício sob a gestão de um técnico. Para Melhim Namem Chalhub "a construção grupal não se converte em incorporação só pelo fato de se verificar, no curso das obras, alienação ocasional da fração ideal de terreno e da construção por um dos participantes" (Apud FRANCO, J. Nascimento; GONDO, Nisske. Incorporações Imobiliárias. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 14). Tem razão o doutrinador citado, na medida em que o que existe na espécie é co-propriedade (condomínio típico do Código Civil) e não condomínio especial da Lei n. 4.591/64, sendo certo que a alienação é de quota do terreno e, consequentemente, de parte do edifício a ser construído.
Do mesmo modo, a alienação do imóvel como um todo, ainda que pendente o processo de edificação, não é incorporação, posto não se tratar de venda de partes isoladas destinadas à constituição de futuras propriedades autônomas.
8. Conclusões
Estas são em linhas gerais, portanto, os critérios de caracterização da atividade de incorporação, sendo interessante destacar o fato de o incorporador se constituir por sua atividade e não por sua formação ou inscrição em determinado órgão de classe. Isso significa, em minha visão, que a compra de imóvel na planta não é um negócio 100% (cem por cento) seguro, exigindo do consumidor cautelas redobradas para não incorrer em prejuízos irreparáveis.
Dentre estas cautelas estão, não exaustivamente, uma forte pesquisa sobre a regularidade jurídica e capacidade financeira do incorporador, caso não se trate de uma daquelas tradicionais companhias atuantes no mercado há décadas. Interessante, ainda, uma pesquisa sobre a existência de obras anteriores do incorporador, se elas foram entregues no prazo acordado e, principalmente, se o material empregado foi de boa qualidade.
Esta insegurança é decorrente, como visto acima, das falhas apontadas na Lei de Incorporação, relativas à ausência de órgão regulador da atividade, à ausência de obrigatoriedade de inscrição e de capacitação mínima do incorporador, sem falar na inexistência de norma que obrigue a vinculação dos recursos captados dos consumidores à obra a ser empreendida.
- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FRANCO, J. Nascimento; GONDO, Nisske. Incorporações Imobiliárias. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
Hyltom Pinto de Castro Pinto - Advogado em São Paulo. Sócio Fundador da Castro Filho & Medeiros Advogados. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Especialista em Direito Processual Civil pelo Centro de Extensão Universitária - CEU. Especialista em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade SECOVI.
Fonte: Artigos Jus Navigandi
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