Para responder a pergunta tema desta página é necessário fazermos um breve esclarecimento sobre o instituto da enfiteuse, também conhecido pelo nome de aforamento, pois o laudêmio advém desse instituto que é o mais amplo dos direitos reais sobre coisa alheia. Para que todos possam entender a enfiteuse, faremos uma analogia com o contrato de locação de imóvel. Neste contrato, temos o “locador”, proprietário, e o “locatário”, pessoa que alugou o imóvel para fins residenciais ou comerciais, obrigando-se a pagar um aluguel àquele. No contrato de enfiteuse temos o “senhorio direto”, proprietário, e o “enfiteuta” (ou “foreiro”), pessoa esta que adquiriu o domínio útil do imóvel e se obrigou a pagar uma pensão anual (foro) àquele. No contrato de locação, o prazo é determinado, no de enfiteuse, é perpétuo, no de locação, o locatário não pode alienar (vender) os direitos que exerce sobre a propriedade, já no de enfiteuse, o enfiteuta pode alienar o domínio útil do imóvel.
À vista da analogia feita acima, observa-se que o enfiteuta pode alienar seus direitos porque adquiri uma parte do domínio pleno do imóvel chamada de “útil”, que significa, de forma simplória, o direito de usufruir o imóvel do modo mais completo. O senhorio direto conserva uma outra parte para si do imóvel denominada “domínio direto”. Pois bem, unindo-se o “domínio direto” com o “domínio útil” temos o domínio pleno, que é exatamente o tipo de domínio que permanece com o locador no contrato de locação.
A partir deste ponto, deixemos de lado o contrato de locação. Para o enfiteuta alienar o domínio útil deverá primeiramente consultar o senhorio direto, pois este tem preferência na compra. Uma vez que o senhorio declina no seu direito de preferência e deixa de consolidar o domínio pleno do imóvel em suas mãos, surge a obrigação do enfiteuta de pagar o LAUDÊMIO, que é devido somente nas transações “onerosas”, portanto, nas transações “não onerosas” inexiste a obrigação do pagamento de laudêmio. Os foreiros ou ocupantes de imóvel da União com renda familiar inferior ou igual a cinco salários mínimos, podem requerer a isenção do pagamento.
A enfiteuse é instituída sobre bens públicos e particulares. Os bens públicos que pertencem à União Federal, como os terrenos de marinha e seus acrescidos, são regidos por uma legislação administrativa especial, que determina ser o laudêmio equivalente ao percentual de 5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias nele construídas. Antes da entrada em vigor da Lei n. 13.240/2015, o laudêmio era cobrado também sobre as benfeitorias construídas no terreno. Os bens particulares, da Igreja e os pertencentes às outras pessoas jurídicas de direito público interno (Município, Estado), a nosso ver, são regidos pelo Código Civil, que determina ser o laudêmio equivalente ao percentual de 2,5% sobre o valor da transação, se outro não tiver sido fixado no título de aforamento. O alienante é o responsável pelo pagamento do laudêmio, salvo acordo das partes em sentido contrário.
Observe que no caso dos imóveis da União, o senhorio direto é a própria União Federal. Na enfiteuse aplicada aos bens particulares é o próprio particular proprietário da terra que a enfiteutica, e assim por diante. O ocupante de terra da União também paga o laudêmio na transferência onerosa da inscrição de ocupação do terreno, não havendo contrato de aforamento neste caso, mas, sim, uma autorização de ocupação em que não há o desmembramento do domínio do imóvel em “útil” e “direto”, o domínio pleno permanece com a União, como vimos acima numa analogia feita com o contrato de locação.
Dissemos que a enfiteuse é instituída sobre bens particulares. Na realidade, podia ser instituída sobre esses bens e outros regidos pela legislação civil até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que proibiu a constituição de novas enfiteuses, mas manteve as já existentes com a disciplina e os mecanismos de extinção do Código Civil de 1916.
No contexto da enfiteuse administrativa (bens da União), sintetizando o até aqui apresentado, o proprietário do imóvel é a União Federal que detém o domínio pleno sobre o bem. Ao atribuir o domínio útil do imóvel a outrem, este passa a se chamar enfiteuta ou foreiro, e a União, agora no papel do senhorio direto, deixa de ter o domínio pleno e passa a exercer o domínio direto sobre o bem. O foreiro goza de diversos direitos inerentes à propriedade, inclusive o direito de alienação do domínio útil. Porém, para exercer esse direito específico deverá pagar o laudêmio ao senhorio direto.
Emenda Constitucional nº 46, de 2005
A Emenda Constitucional nº 46, de 2005, modificou o inciso IV, do artigo 20, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vejamos a íntegra do referido artigo:
“Art. 20. São bens da União:
I – os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;
II – as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
IV – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II;
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)
V – os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
VI – o mar territorial;
VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII – os potenciais de energia hidráulica;
IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X – as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;
XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
§ 1º – É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
§ 2º – A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.”
Imposto do tempo do império?
O laudêmio não é tributo, portanto, não é imposto. Trata-se de uma contraprestação pecuniária em que se obrigou o particular (foreiro) quando firmou o contrato de enfiteuse com o proprietário (senhorio direto) do imóvel. A obrigação não nasce diretamente da lei como no caso do tributo, tem origem numa relação contratual. O mesmo diga-se do ocupante de terra que foi autorizado a ocupar.
Quanto ao laudêmio ser ou não do tempo do império, não, o laudêmio não é do tempo do Império Brasileiro no sentido de origem, é bem mais antigo. Assustou-se? Não se assuste, a principal fonte do nosso direito contemporâneo é o Direito Romano. A venda e compra, a locação, a hipoteca, o penhor, a servidão, o condomínio, todos os citados tiveram a sua origem na antiga Roma, cujo Direito ganhou sua codificação por obra de um Imperador chamado Justiniano, inclusive a enfiteuse e, por conseguinte, o laudêmio.
A enfiteuse esteve presente na Idade Média com o feudalismo, ganhando novas feições. No Brasil, desde o seu descobrimento por Portugal, aplicou-se o direito português contido nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, códigos de leis com raízes no Direito Romano, mas também com grande influência da legislação que era aplicada aos feudos, principalmente no que concerne à enfiteuse. Os nomes emprezamento e aforamento vieram de Portugal. Após a independência do Brasil, o Direito Brasileiro foi ganhando contornos próprios, mas a sua estrutura, até os dias atuais, é baseada no Direito Romano.
Se focarmos nos terrenos de marinha, o primeiro aforamento dessa espécie de bem se deu no início do século XIX, ainda no período colonial brasileiro.
Destino das receitas arrecadadas
No caso dos terrenos de marinha e seus acrescidos o laudêmio arrecadado tem como destino os cofres da União. Obviamente, sendo o Município o proprietário da terra objeto do contrato de enfiteuse, para os cofres do Município será destinada a receita patrimonial. Portanto, o laudêmio não é uma receita destinada à antiga família real, na realidade, a mesma é proprietária de uma pequena porção de terras localizadas no Estado do Rio de Janeiro que foram enfiteuticadas, por conseguinte, o laudêmio que tem como fato gerador a transferência onerosa dessas terras será pago aos descendentes da antiga família real.
Não, o laudêmio não vai para os cofres da Marinha do Brasil. Importante prestar atenção na preposição “de”, os terrenos “de” marinha são uma espécie de bem pertencente à União, seu conceito está presente no Decreto-lei 9.760/1946, nada tem a ver com a Marinha de Guerra do Brasil.
Fonte: ENTENDA O QUE É LAUDÊMIO. Desenvolvido por Rodrigo Marcos Antonio Rodrigues. Esclarecimentos sobre a cobrança de laudêmio. Disponível em: http://www.laudemio.com.br. Acesso em: 30.03.2020.
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