Diante do cenário de pandemia (covid-19) que a sociedade brasileira está vivenciando, muitos são os fatores a serem analisados a curto, médio e longo prazo, o acesso ao deslocamento entre países facilitado, trouxe um inimigo invisível, que se apresentou em magnitude mundial, fazendo com que as autoridades passem a intervir na rotina da sociedade, bem como, nas relações comerciais.
No estado da Bahia e no Munícipio de Salvador, como exemplo, desde 16 de março de 2020, são publicados decretos com determinações a serem seguidas de forma compulsória em diversos setores, incluindo o veto a atividades exercidas pela sociedade, impedindo o ir e vir, lazer, entre outros, que vem interferindo no cotidiano, indo além, vetos que influenciam o funcionamento de estabelecimentos e de atividades praticadas em diversas áreas que atingem o setores da indústria e comércio.
Dentre os decretos publicados pela prefeitura de Salvador estão os de 332.256/20, o 32.268/20, o 32.272/20 e o publicados pelo Governo do Estado da Bahia estão os 19.528/20, o 19.550/20 e o 19.553/20, entre outros.
No contexto geral, os decretos possuem determinações, seguindo o quanto previsto da Constituição Federal em seu art. 196, que indica que é dever do Estado, garantir medidas que visem à redução do risco de doença, fazendo com que não só a população tenha privações em seus afazeres ( trabalho e lazer), bem como, as empresas de pequeno e grande porte, tenham suas atividades completamente afetadas.
A toda evidência das referidas medidas, foi proibido também, por decreto municipal, buscando conter a disseminação do coronavírus, a obra civil, com exceção as de caráter emergencial, nos prédios já habitados.
Deste modo, se faz necessário, trazer à baila um dos fatores que fizeram as construtoras sofrerem com diversas ações nos últimos tempos, envolvendo um grande aporte financeiro, qual seja, as oriundas de atraso da entrega da unidade, pelo atraso na conclusão das obras.
Cumpre destacar que os contratos de compromisso de compra e venda, preveem, a chamada cláusula de tolerância de 180 dias, com a sua validade já pacificada no Egrégio Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), desde que obedecendo os critérios e observâncias de sua demonstração de clareza e devida informação ao adquirente, ora consumidor, contudo de fato uma cláusula reconhecida pelo Poder Judiciário.
Além disso, há, cláusula que indicam, a tolerância no atraso em função de fatores extraordinários, denominados como caso fortuito e/ou de força maior, nos últimos anos, mesmo com a referida cláusula, dificilmente as construtoras conseguiam enquadrar esses requisitos para afastar sua responsabilidade no atraso das obras. Isto porque, sempre esbarram no princípio do caso fortuito interno, risco do negócio, ou seja, há uma previsibilidade mínima dos imprevistos na elaboração ou execução do serviço, que mantém a responsabilidade do fornecedor, que deveria tomar as devidas precauções para minimizar os riscos.
Recentemente, em 25 de junho de 2019, tivemos o julgamento do IRDR - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas dos temas 970 e 971, que afetam estritamente as construtoras e tratam, respectivamente, da possibilidade de cumulação de lucros cessantes com a cláusula penal e possibilidade de inversão da cláusula penal, nos casos de inadimplência das construtoras em face do consumidor.
Restando pacificado o entendimento pelo STJ, fazendo com que as construtoras, de certo modo, aliviadas pela impossibilidade da cumulação de pedidos, que em julgados recentes, vêm afastando, inclusive, a cumulação da multa contratual indenização por perdas e danos (danos emergentes ou lucros cessantes), na forma de aluguéis.
JUÍZO DE RETRATAÇÃO. INCISO II DO ART. 1.030 DO CPC. APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMULAÇÃO DE CLÁUSULA PENAL. COM ALUGUÉIS (NA FORMA DE LUCROS CESSANTES OU DANOS EMERGENTES). IMPOSSIBILIDADE. QUESTÃO SEDIMENTADA NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL Nº. 1.498.484 - DF, PROFERIDO SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. TEMA N.º 970. EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE RÉ EM MAIOR EXTENSÃO. UNÂNIME DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ - Presidente - Apelação Cível nº 70075272914, Comarca de Porto Alegre: "EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA PARTE RÉ EM MAIOR EXTENSÃO. UNÂNIME."
Contudo, de outro modo, as construtoras se viram obrigadas a buscar meios para se resguardar, quanto a qualquer potencial percalço que desaguasse em atraso na entrega da unidade, visto que, a cláusula penal em seu desfavor resta agora pacificada.
E como se comportar diante do cenário mundial em que se vive, com pandemia declarada pela OMS - Organização Mundial de Saúde, a União, Estados e Munícipios adotando medidas para evitar a propagação do vírus, que antes desconhecido, tem ceifado vidas em todo mundo.
Certamente, o Poder Judiciário, mesmo que analisando caso a caso, estará encarando a situação de forma excepcional e ao que parece, os princípios norteadores do Caso Fortuito e/ou de Força Maior, o Caso Fortuito Externo, será bastante explorado mediante as características do fato imprevisível, inesperado e impossível de se evitar, em virtude da obediência aos decretos estabelecidos pelo poder público, ficando as construtoras sem a previsibilidade, inclusive, sem prever o lapso temporal em que estará sendo afetada pela impossibilidade de manterem suas atividades ativas.
Indubitavelmente, portanto, durante o período de vigência (i) do Estado de Calamidade Pública, e/ou (ii) de Decretos Municipais e/ou Estaduais que restrinjam a atividade de construção civil, é imperioso o reconhecimento de que tal período (no qual as atividades foram suspensas) seja amortizado ao final do período de carência, para que a distribuição dinâmica, superveniente, do ônus oriundo o desequilíbrio contratual, seja equitativamente distribuído, evitando-se, de um lado, enriquecimento ilícito, e, doutro giro, prejuízo sem causa.
Destacando ainda, que, as atividades também englobam os trâmites administrativos e legais, envolvendo atividades cartorárias e licenças a serem obtidas em face dos órgãos de fiscalização, que estão com suas atividades reduzidas e focadas nas emergenciais, fazendo com que, as solicitações se acumulem e, após todo o lapso devastador da pandemia se esvair, restará ainda o período de dissipação do que se reteve durante o período de isolamento social.
Assim, com escólio na Teoria da Imprevisão, tem-se que o período de vigência do Ato Administrativo que impede o exercício da atividade econômica – Fato do Príncipe – é causa para prorrogação do prazo, em igual período, para entrega das unidades imobiliárias compromissadas.
___________________________
Marcus Renato Souza Caribé é advogado do Escritório MoselloLima Advocacia.
Fonte: Migalhas
Nenhum comentário:
Postar um comentário