A rápida propagação da pandemia do novo coronavírus (COVID-19) impôs sérias restrições ao nosso modo de vida – as recomendações de distanciamento social e de quarentena geram uma redução substancial da circulação de pessoas, que levam, por sua vez, a impactos sensíveis a diversos negócios: bares, casas noturnas, restaurantes, cinemas e lojas em geral, sejam de rua ou de shopping.
Existe ainda a iminente possibilidade de, a exemplo do que ocorreu na Europa, determinação governamental de fechamento de qualquer comércio não essencial, medidas já em vigor em alguns estados brasileiros, como São Paulo e Santa Catarina, praticamente zerando o faturamento de diversas das empresas impactadas – a sobrevivência, neste período, será impossível sem a redução substancial de custos. Para piorar a situação, não há qualquer grau de segurança com relação ao prazo de duração de tais medidas.
Assim, como medida preventiva, é desejável que o inquilino que já se sinta impactado pela crise negocie extrajudicialmente a revisão do valor dos aluguéis, a fim de garantir a sobrevivência de tais empreendimentos e de evitar o encerramento do contrato de locação, com a vacância do ponto. Em geral, os contratos de locação comercial (ou, nos termos da lei, “não residencial”) por prazo determinado preveem índices anuais de reajuste. Contudo, a excepcionalidade dos tempos em que vivemos recomenda bom senso na renegociação, especialmente por parte do locador, até porque o art. 18 da Lei do Inquilinato possibilita, a qualquer momento, que um novo valor para o aluguel seja pactuado de comum acordo, com a modificação da cláusula de reajuste.
Ainda que alguns contratos tragam previsão expressa renunciando “ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação”, nos termos do art. 54-A, §1º da Lei de Locações, como já afirmado, nada impede que haja pactuação diversa.
Embora seja aplicável a lei específica às relações locatícias, a revisão dos contratos em geral também encontra respaldo nos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil, segundo os quais, se a ocorrência de “acontecimentos extraordinários e imprevisíveis” (como uma pandemia) tornar a prestação de uma das partes excessivamente onerosa, será possível pleitear a redução da prestação ou seu modo de execução.
À luz de tais dispositivos, embora não haja previsão expressa na Lei do Inquilinato, inexistindo consenso quanto à redução do aluguel, nada impede que as partes minutem um adendo contratual prevendo a concessão de um prazo de carência, durante o qual as prestações locatícias não seriam cobradas.
No entanto, caso não haja consenso extrajudicial entre inquilino e proprietário, a lei autoriza, em casos excepcionais, a ação revisional de aluguel, que somente pode ser ajuizada caso tenham decorrido três anos ou mais do início da relação locatícia (art. 19 da Lei do Inquilinato). Em tais hipóteses, a recomendação é que o locatário que pretenda discutir judicialmente a revisão do aluguel se instrumente de provas da queda de seu faturamento, ou mesmo que demonstre a redução dos alugueres cobrados em imóveis em condições semelhantes, ou seja, a desproporcionalidade entre o que está sendo cobrado e o valor de mercado, o que pode ser feito através de perícia.
Deve haver uma indicação precisa das cláusulas que se pretende revisar, em especial com a indicação do novo valor a título de aluguel pretendido. Outro ponto relevante é que, nos termos do art. 68 da lei 8.245/91, será possível formular pedido de fixação, pelo juiz, de aluguel provisório, que “não poderá ser inferior a 80% do aluguel vigente”, até que a demanda seja julgada em definitivo.
É certo que os efeitos mais nefastos da crise econômica ocasionada pelo coronavírus ainda estão por vir e são imprevisíveis. O que é certo é que o mercado de locações comerciais deve ser fortemente impactado, com a gradativa adequação dos preços de mercado a patamares compatíveis com a queda na procura por novos imóveis comerciais e a esperada vacância que a crise irá gerar.
Tanto proprietários quanto inquilinos devem ter em mente que, neste momento de incerteza, a renegociação extrajudicial dos contratos é uma forma de ambas as partes ganharem – se de um lado o locatário reduzirá seu custo operacional, de outro, o locador minimizará os riscos de que o imóvel fique vago por um prazo incerto. E juntos, de forma colaborativa, todos superarão o período de crise que se avizinha.
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Guilherme Alberge Reis é sócio do escritório Reis & Alberge Advogados.
Fonte: Migalhas
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