quarta-feira, 13 de novembro de 2019

PARTICIPAÇÃO DE JOÃO TEODORO DA SILVA, PRESIDENTE DO COFECI, NO DEBATE SOBRE A PEC 108/2019 NA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA E DE CIDADANIA

1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
(AUDIÊNCIA PÚBLICA EXTRAORDINÁRIA)
Em 5 de novembro de 2019 (terça-feira)
às 9 horas e 30 minutos
(O texto a seguir, após revisado, integrará o processado da reunião.)

- Concedo a palavra ao Sr. João Teodoro da Silva, que dispõe do prazo de 10 minutos.
O SR. JOÃO TEODORO DA SILVA - Bom dia a todos.

Eu inicio agradecendo a Deus pela oportunidade de estar por aqui para falar sobre os nossos conselhos de classe e a PEC 108, de 2019.
Cumprimento o Deputado Léo Moraes, que preside esta sessão, o Deputado Edio Lopes, nosso Relator, e inicio fazendo alguns comentários. Tomei a liberdade, Deputado, de redigir um texto para facilitar as colocações técnicas neste momento.
09:58

Em que pese parecer oportuna a proposta de uma emenda constitucional para resolver alguns dos problemas que cercam os Conselhos de Fiscalização Profissional, a questão é mais complexa do que se imagina.
A PEC 108, de 2019, traz a lume e ao debate tema de grande relevo e importância para a sociedade brasileira, sobretudo porque possibilita a desmistificação da equivocada imagem que se faz dos Conselhos, de que eles existem para proteger os profissionais inscritos, como se fossem um verdadeiro corporativismo, o que não é verdade!
Aliás, para muitos, os conselhos são denominados, equivocadamente como entidades de classe, confundidos com sindicatos, quando, na verdade, são entidades que disciplinam e fiscalizam a classe que congregam, na qualidade de autarquias corporativas. O que é bem diferente das entidades sindicais!
Os Conselhos foram instituídos como autarquias corporativas justamente para poderem proteger a sociedade dos maus profissionais e dos ilegais que se fazem passar por profissionais em total prejuízo dessa mesma sociedade. Daí a tão importante prerrogativa do poder de polícia, que lhes permite aplicar punições quando necessário.
A PEC 108, de 2019, se promulgada com o texto que hoje se apresenta, certamente encontrará resistência muito forte junto ao Judiciário, porque propõe o rebaixamento dos conselhos da condição de autarquias para a de entidades de natureza privada, de mera colaboração com os poderes públicos.
Tanto é assim, que a PEC propõe modificar a Constituição Federal no Título VII, reservado à Ordem Econômica e Financeira, inserindo nela mais dois artigos, ou seja, os arts.174-A e 174-B, onde se encontra a regulamentação dos entes de colaboração com o Estado, como as empresas públicas e às sociedades de economia mista.
Já o enquadramento das autarquias está disposto na Seção 1 (Disposições Gerais) do Capítulo VII (Da Administração Pública) do Título III (Organização do Estado), o que é muito diferente do capítulo anteriormente citado.
Vejamos o que diz o proposto Artigo 174-A, aspas: "A lei não estabelecerá limites ao exercício de atividades profissionais ou obrigação de inscrição em conselho profissional sem que a ausência de regulação caracterize risco de dano concreto à vida, à saúde, à segurança ou à ordem social."
A proposta conflita com o art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, no sentido de que o exercício da atividade profissional não é absoluto, ou seja, a Constituição impõe limites, fixados em leis infraconstitucionais, atraindo a necessidade de disciplina e fiscalização, que é a essência dos conselhos.
No que diz respeito à não obrigatoriedade de inscrição, a proposta, embora pareça ter essa intenção, não se refere aos conselhos já existentes, uma vez que estes já foram instituídos em razão de uma profissão também já regulamentada. De modo que, pelo menos em tese, para os atuais conselhos, a cobrança de anuidades ainda continuaria compulsória. Não obstante, este artigo, infelizmente, teria o condão de inundar o Judiciário com ações individuais ou coletivas, na tentativa de esquivar-se da obrigação de pagar anuidades.
Por outro lado, desde que o exercício da profissão seja voltado à sociedade, haverá obrigatoriedade de regulação e consequente regulamentação, com a criação de conselho. Isto porque a Constituição Federal não restringe essa obrigação institucional apenas às hipóteses de ofensa à vida, à saúde, à segurança ou à ordem social.
Não se poderia empregar a hermenêutica onde o legislador constituinte não a permitiu, até porque o interesse público não pode ser fragmentado. Há, portanto, flagrante incompatibilidade da PEC 108/19 também com os termos do art. 21, inciso XIV, e art. 22, inciso XXVI da Constituição Federal.
10:02

Analisemos, também, a proposta do art. 174-B, que diz o seguinte:
" Art. 174-B. Os conselhos profissionais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que atuam em colaboração com o poder público.
§ 1º O pessoal dos conselhos profissionais sujeita-se às regras da legislação trabalhista.
§ 2º Lei federal disporá sobre as seguintes matérias relativas aos conselhos profissionais:
I - a criação;
II - os princípios de transparência aplicáveis;
III - a delimitação dos poderes de fiscalização e de aplicação de sanções; e
IV - o valor máximo das taxas, das anuidades e das multas.
§ 3º É vedado aos conselhos profissionais promover, facilitar ou influenciar a adoção de práticas anticompetitivas em sua área de atuação.
§ 4º A imunidade de que trata a alínea “c” do inciso VI do caput e o § 4º do art. 150 se estende aos conselhos profissionais."
Ora, se os conselhos profissionais passarem a ser pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que atuariam em colaboração com o poder público, não poderiam eles serem enquadrados como entes de colaboração, porque, na realidade, não há colaboração com o Estado em ações privativas do Estado. Não existe colaboração para si próprio. Na verdade, quando no exercício de suas funções institucionais, os conselhos são o próprio Estado atuando, travestido na figura de conselho. Isso porque os conselhos foram instituídos por leis específicas para o exercício de uma obrigação do Estado, não de mero interesse privado. Daí porque a totalidade ou a grande maioria das leis federais que instituem conselhos fixam-lhes a natureza jurídica de direito público.
Ademais, como entes de natureza jurídica privada, dos conselhos não se poderia exigir o cumprimento dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, essenciais ao exercício da atividade pública.
Aliás, essa foi a razão da declaração de inconstitucionalidade do art. 58 da Lei Federal n° 9.649, de 1998, que deu azo à ADI 1.717- 6IDF, em que o egrégio STF reconheceu o enquadramento dos conselhos como autarquias, afirmando que a atividade pública não pode ser delegada a ente de natureza jurídica privada.
Já quanto ao § 1º do proposto art. 174-B, que diz que o pessoal dos conselhos profissionais sujeita-se às regras da legislação trabalhista, não temos como contestá-lo. Correto esse § 1º. O regime estatutário, todos sabemos, é reservado ao servidor público, ou seja, ao profissional investido em cargo público, o que não é o caso dos conselhos.
Vale lembrar que a exigência para criação de cargo público nos conselhos é objeto da ADI 5.367, ainda não julgada, o que significa dizer que nos Conselhos não há cargos públicos. Logo, seu pessoal não é servidor público.
O § 2º do mesmo art. 174-B estabelece:
" Art. 174-B...
§ 2º Lei federal disporá sobre as seguintes matérias relativas aos conselhos profissionais:
I - a criação;
II - os princípios de transparência aplicáveis;
III - a delimitação dos poderes de fiscalização e de aplicação de sanções; e
IV - o valor máximo das taxas, das anuidades e das multas."
10:06

De fato, as matérias relacionadas neste parágrafo são de regulamentação infraconstitucional. Todavia, ao restabelecer a ordem jurídica, o egrégio Supremo Tribunal Federal deixou claro, na ADI 1.71 7-6IDF, que a atividade pública não pode ser exercida sem obediência aos princípios constitucionais. De modo que os Conselhos não estariam vinculados apenas ao princípio da transparência, mas a todos os princípios que regem a gestão pública.
Por outro lado, é impossível assimilar a ideia de poder de polícia a entes de natureza jurídica privada. Aliás, esse foi um dos argumentos que alicerçaram o enquadramento dos Conselhos como autarquias corporativas pelo egrégio STF (ADI. 1 .717-6IDF). Muito provavelmente, a fiscalização seria ineficaz, por ausência de força coercitiva. Discutível, também, seria sua legitimidade à luz do princípio da reserva legal, esculpida no art. 5º, II, da Constituição Federal.
Diz o parágrafo terceiro do ainda art. 174-B:
“3° É vedado aos conselhos profissionais promover, facilitar ou influenciar a adoção de práticas anticompetitivas em sua área de atuação”.
Ora, os Conselhos não atuam com entes de mercado. Eles apenas disciplinam e fiscalizam as respectivas classes profissionais. Não se justifica, portanto, este parágrafo terceiro. Até porque, desvirtuando-se de suas atribuições institucionais, ou seja, do disciplinamento e da fiscalização, os gestores de Conselhos podem responder por ato de improbidade administrativa.

O SR. PRESIDENTE (Léo Moraes. PODE - RO)
- Um minuto para encerrar.

O SR. JOÃO TEODORO DA SILVA
- Quanto ao parágrafo quarto do art. 174-B, parece-nos oportuno e necessário. Diz o seguinte:
“4° A imunidade de que trata a alínea “c” do inciso VI do caput e o §40 do art. 150 se estende aos conselhos profissionais “.
O texto admite que os Conselhos não têm natureza jurídica econômica. Portanto a imunidade tributária incidirá sobre o patrimônio, renda e serviços, desde que vinculados às atividades institucionais de disciplina e fiscalização profissional.
Em suma, em que pese a necessidade e urgência de se encontrar uma solução para o problema do pessoal dos Conselhos, que desonere o Estado dos pesados encargos do funcionalismo público, a solução passa longe do enquadramento dos Conselhos como entidades de direito privado.
Isso seria um verdadeiro golpe à segurança jurídica e inescapável retrocesso a repercutir negativamente, em especial perante a opinião pública já acostumada a ver e usar os Conselhos como autarquias destinadas à defesa da sociedade.
Há diversos julgados no Poder Judiciário, inclusive junto ao egrégio STF, admitindo o enquadramento dos Conselhos como autarquias corporatívas e reconhecendo-lhes a legitimidade do exercício do poder de polícia. Logo, imenso será o desafio de convencer a opinião pública e o Poder Judiciário de que entes de natureza privada terão a mesma eficiência na prestação dos serviços hoje prestados pelos Conselhos.
Assim, entendemos que a PEC 108/2019, com o texto que se apresenta, é INDISCUTIVELMENTE INCONSTITUCIONAL por ferir cláusula pétrea de nossa Carta Magna. Não há saída para o Congresso Nacional senão a decretação de sua inconstitucionalidade e o seu consequente ARQUIVAMENTO ainda na CCJC.
Por outro lado, entendemos a intenção e a necessidade do Governo Federal de desvincular-se dos Conselhos Profissionais. A solução, no entanto, passa pela reformulação do texto da PEC de modo que a nova redação atenda não apenas aos anseios do Estado e dos próprios Conselhos, mas principalmente da sociedade brasileira, que não se pode ver, de repente, tolhida da segurança que lhe confere a atuação competente e controlada dos Conselhos de Classe.
Os Conselhos Profissionais e o Governo Federal têm um sério problema a enfrentar. Trata-se do regime jurídico a ser aplicado aos empregados dos Conselhos. Nada mais do que isso. A solução exige uma emenda constitucional específica, a fim de se evitar que o Poder Judiciário venha a legislar sobre o tema em lugar do Legislativo. Quanto ao mais, tudo deve permanecer como está.
10:10

É isso!
Muito obrigado!

Fonte: https://escriba.camara.leg.br/

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