No loteamento fechado, os lotes são considerados áreas privadas, sendo que às demais áreas externas, tais como: ruas, jardim e áreas de lazer; continuam permanecendo a municipalidade, todavia, essas áreas são cedidas àqueles que irão gerir o loteamento (associação dos moradores) para a sua manutenção, limpeza, conservação e segurança. Uma vez que o local é “fechado” e o órgão público não irá adentrá-lo, para realizar o serviço rotineiros oferecidos à população.
A associação civil é criada nos moldes dos artigos 53 a 61 do Código Civil, para administrar os empreendimentos originários da lei 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano). Já um Condomínio Edilício advém, geralmente, da incorporação imobiliária (lei 4.591/64) sendo ainda disciplinado pelos artigos 1.331 a 1.358 do Código Civil. No condomínio também existe uma área privativa (apartamento do condômino), mas ainda compreende uma área de uso coletivo junto aos demais condôminos (ex. piscina, salão de festas, quadra de esportes).
No condomínio, a obrigação de pagar a cota condominial advém da convenção. Já na associação, a obrigação de contribuir com a taxa associativa, provém do estatuto social, registrado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas (art. 115, da lei 6.015/73)1.
Logo, os associados devem contribuir com às despesas geradas pela manutenção e conservação do loteamento, previstas no estatuto e nas atas das assembleias que deliberarem anualmente pela prestação de contas apresentadas pelo presidente da associação.
A discussão afeta à liberdade de associação prevista no artigo 5º, inciso XX, da Constituição Federal/88, in verbis: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
Por outro lado, o artigo 884 do Código Civil2, proíbe o enriquecimento sem causa, daqueles que se beneficiam dos serviços da Associação sem a devida contribuição, dispositivo esse amparado nos artigos 3º, inciso I3, e 5º, incisos XXII, da Constituição Federal4, os quais, também não permitem situações de injustiça e de abuso ao direito de propriedade.
Logo, quem adquire um lote em um “loteamento fechado”, ou em um “condomínio de fato” ou “atípico”, como também é conhecido, tende a se associar, para fins de usufruir de todos os serviços de conservação, manutenção, limpeza e segurança do local, prestados pela associação, com a consequente “valorização” de seu próprio imóvel, mesmo sem qualquer tipo de construção no lote.
O próprio Supremo Tribunal Federal, inclusive, já se manifestou sobre o tema inúmeras vezes, reconhecendo o “abuso de direto” praticado pelo associado que não contribui, prejudicando os demais e, consequentemente, ocasionado o “enriquecimento sem causa”, o que também é proibido pela legislação pátria, confira:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CIVIL. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. RATEIO DE DESPESAS. PRELIMINAR FORMAL DE REPERCUSSÃO GERAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ARTIGO 543-A, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL C.C. ART. 327, § 1º, DO RISTF. (...) 5. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: “CONDOMÍNIO DE FATO – Loteamento fechado, ou dotado de serviços diferenciados aos moradores – Associação de moradores, clube de campo, sociedade ou outra modalidade criada para custear a estrutura e serviços do empreendimento, que beneficiam, e valorizam todos os imóveis – Dever em tese de todos os proprietários beneficiados ratearem as despesas, associados ou não – Obrigação que tem por fonte o princípio que veda o enriquecimento sem causa – Réus, no caso concreto, que são associados fundadores e participaram de assembleias recentes, o que reforça o dever de pagar as despesas de manutenção com fundamento no vínculo convencional – Sentença de improcedência – Recurso da associação provido”. 6. Agravo regimental DESPROVIDO. (ARE 692413 AgR, Relator: Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 12/11/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 25-11-2013 PUBLIC 26-11-2013). Grifamos.
“Um condomínio, ainda que atípico, caracteriza uma comunhão e não se afigura justo, nem jurídico, em tal circunstância que um participante, aproveitando-se do “esforço” desta comunhão e beneficiando-se dos serviços e das benfeitorias realizadas e suportadas pelos outros condôminos, dela não participe contributivamente. (STJ, 3ª Turma, REsp. 139.953/RJ, Rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 23.02.99, DJ 19.04.99, p.134)”. Grifamos.
Além disso, o próprio bem imóvel, no mais das vezes é valorizado pela simples oferta desses mesmos serviços, os quais, inclusive, se apresentam como fator determinante para escolha e aquisição do imóvel em questão.
Não são raros os casos em que o lote possuía um preço menor no ato da sua aquisição, mas depois de criada a associação, realizando-se diversas obras e melhorias ao loteamento, tornou-se um empreendimento de valor superior ao originalmente divulgado. Essa “valorização” custeadas pelo esforço exclusivo dos associados, não pode se simplesmente desprezada e incorporada ao patrimônio daquele que se recusa em se associar e contribuir para as melhorias em comum.
Para viabilizar tais medidas, costuma-se criar uma associação civil de moradores (conforme previsto nos artigos 53 a 61 do Código Civil) para capitanear recursos, tendo a mesma associação legitimidade para ratear ou cobrar, entre os beneficiados, às despesas para o seu sustento, tal qual fosse um condomínio edilício:
“Ocorre que a violência urbana tem estimulado a implantação de loteamentos diferenciados, pelo seu efetivo ‘fechamento’ físico por meio de cercas ou mesmo de muros de alvenaria, como forma de conferir segurança e tranqüilidade a seus moradores. O ‘fechamento’ do loteamento, com implantação de portaria controlada pelos adquirentes dos lotes nem sempre é autorizado de forma expressa. Às vezes, há lei municipal, prevendo a concessão de ‘autorização de uso’. Outras vezes, ocorre mero comprometimento tácito de troca de favores entre a Prefeitura e o empreendedor: enquanto aquela permite o ‘fechamento’, mediante a figura da ‘autorização de uso’ de bem público, assumem, em contrapartida, os loteadores e seus sucessores, os proprietários dos lotes, entre outros deveres, a manutenção e conservação dos logradouros e das áreas verdes, além da coleta domiciliar de lixo”. (KOJRANSKI, Nelson. Loteamento e condomínio fechados. In Tribuna do Direito, janeiro de 1999, p. 10). Grifamos.
Dessa feita, incumbe a cada associado o pagamento de sua cota parte correspondente, incluindo às despesas ordinárias e extraordinárias, assim como todos os rateios necessários para a conservação e manutenção dos lotes, sob pena de tornar inviável a administração do loteamento pela associação, diante da existência de gastos com a manutenção, limpeza, conservação e melhoria das áreas comuns, das quais certamente se beneficiam todos os seus adquirentes, no mínimo, com a valorização dos seus respectivos imóveis ou lotes.
Para fins de demonstrar que o adquirente teve plena ciência de que haveriam despesas associativas do seu lote adquirido, recomenda-se que conste dos compromissos ou contratos de compra e venda cláusulas mencionando às obrigações dos adquirentes de participarem do rateio mensal para manutenção e conservação do loteamento, bem como seja colhidas às fichas ou preenchidos os cadastros associativos no ato, para que depois não possa alegar o adquirente que não sabia da existência da associação e das despesas geradas para a manutenção dos lotes.
Por fim, não se deve deixar de comprovar documentalmente nas ações de cobranças todas às despesas realizadas com às obras e melhorias pela associação, desde a sua criação, demonstrando ao juízo todos os benefícios e vantagens usufruídos pelos adquirentes, com a valorização patrimonial do seu respectivo lote, mesmo que relute em não se associar espontaneamente.
Contudo, discute-se nos tribunais, atualmente, sobre a obrigatoriedade de pagamento das taxas de manutenção criadas e arrecadadas por associações de moradores aos adquirentes dos lotes que não desejam ou não concordam com a associação voluntária.
O Superior Tribunal de Justiça, em repercussão geral (tema nº 882), posicionou-se nos autos dos recursos (REsp 1.280.871-SP e REsp 1.439.163-SP) da seguinte maneira:
“O critério a ser utilizado para determinar se o proprietário de imóvel integrante de loteamento fechado deve obrigatoriamente responder pelas despesas coletivas é o momento em que o imóvel foi adquirido em relação à constituição da associação de moradores. Desse modo, se a constituição da associação de moradores for POSTERIOR à aquisição do imóvel por parte do morador que não deseja dela participar, estará ele eximido de contribuir para o custeio de tais valores. Entretanto, se a constituição da associação foi ANTERIOR à aquisição, o morador deve responder pelas despesas”. Grifamos.
Pois bem. O entendimento dos nobres ministros foi no sentido de que DEPOIS de ser criada a associação, o adquirente do lote poderia optar em se associar voluntariamente ou não. Mas se a associação já existia ANTES, no ato da aquisição do lote, a sua associação seria obrigatória.
Com todo o respeito, mas essa dicotomia criada pelo C. STJ não faz muito sentido, na medida em que a pessoa que adquire um lote – assim como também ocorre com quem adquire um imóvel em condomínio – pois, se lhe for perguntado se desejará pagar despesas pela conservação e manutenção do seu próprio imóvel, tais como: despesas associativa, rateios e imposto predial urbano; por óbvio que o adquirente não concordaria em realizar todos esses pagamentos, em benefício próprio.
Ora, não é justo que apenas alguns associados paguem por todas essas despesas de melhorias do loteamento, ao passo que os demais adquirentes dos lotes que se recusaram em se associarem espontaneamente, irão se beneficiar, igualmente, de toda a infraestrutura e administração realizada pela associação, às custas dos outros.
Seria também esdrúxula a situação em que alguns associados pudessem, por exemplo, gozar de benefícios da área de lazer criados pela associação, tais como: piscinas, áreas recreativas, quadras de esportes, refeitórios e outras. Ao passo que os “não associados” ficariam proibidos de circulares e usufruírem de todos esses equipamentos e benefícios. Pior ainda, seria a situação em que a portaria construída pela associação, com vigilância e monitoramento 24 (vinte e quatro) horas, fosse utilizada apenas por quem “paga”, submetendo aqueles “que não pagam”, situações até mesmo vexatórias, com o não acesso pela entrada principal, remanejando para a outra entra de visitantes com identificação e toda a burocracia.
Esta situação já foi enfrentada pelo egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, afastando o pedido indenizatório contra a associação, pelo fundamentando que não poderia a associação oferecer serviços gratuitos àqueles que não colaboram com os rateios necessários à sua manutenção, veja:
“ASSOCIAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. 1.- Cerceamento de defesa. Pretendida realização da prova testemunhal. Pleito desacertado. Inexistente discussão acerca dos fatos apresentados pelos autores. Ajuste desse cenário ao pleito, por seu turno, que encerra atividade jurisdicional, apartando-se a dilação pretendida (art. 355, I, CPC). 2.- Sustentados constrangimentos patrocinados pela Associação. Medida, segundo os autores, que decorrem do desinteresse à preservação como associados. Cancelamento da identificação digital. Providência, a princípio, admissível. Medida que não afasta o ingresso na localidade. Sujeição à mesma portaria e identificação, como se fossem visitantes. Particularidades que não se mostram aviltantes, nem tampouco alinhadas a forma aviltante de cobrança das taxas de manutenção. Perda da identificação digital que impossibilita a utilização da entrada própria à moradores. Ingresso de prestadores de serviços contratados pelos autores, "bullying" ao filho dos demandantes e corte do interfone. Questões não inseridas na petição inicial. Eventual constrangimento, além disso, não toca aos autores, mas àqueles que supostamente sofreram a violação dos direitos da personalidade. Improcedência preservada. APELO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1054335-77.2017.8.26.0576; Relator (a): Donegá Morandini; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/10/2019; Data de Registro: 14/10/2019)”. Grifamos.
De fato, é forço querer exigir do associado que paga em dia às suas contribuições, ver passivamente os demais adquirente dos lotes que não pagam por nada, também se beneficiarem dos mesmos direitos e melhorias realizadas às custas da associação.
Talvez esta seja uma situação que irá – quem sabe – mudar o entendimento de nossas cortes superiores, pois, da mesma forma que uma pessoa não é obriga a se associar, também não está a associação obrigada a prestar serviços àqueles que não contribuem para a manutenção do bem comum. Afinal, a caridade não é a atividade precípua da associação, embora não tenha finalidades lucrativas, mas talvez seja o propósito de algumas igrejas ou organizações humanitárias.
Isso porque, estamos falando do “patrimônio” das pessoas. Afinal, quem deseja ver o seu imóvel valorizado, limpo e conservado, certamente irá investir para às melhorias que melhor lhe aproveitam. Já aqueles que não tem o interesse de pagar as despesas associativas, provavelmente se queixarão da falta de manutenção do loteamento, propícios até mesmo situações de insegurança no local, como casos de assaltos e furtos. Isso sem falar na limpeza das vias que são públicas, porém, cedidas pela municipalidade para a conservação e utilização com exclusividade daquele loteamento fechado.
O desestímulo ao pagamento das contribuições associativas e a falta de arrecadação necessária, estão levando muitos loteamentos fechados à beira da falência e também na alternativa de se transforem em “loteamentos abertos”, devolvendo a municipalidade incumbência pela conservação, limpeza e segurança que já é precária e ineficiente.
Resta saber se àqueles que sempre brigaram para se desassociarem, também mudarão de pensamento, e voltarão a exigir às mesmas melhorias daqueles associados que sempre pagaram pela conservação e manutenção privativa do local, transformando toda a discussão em um verdadeiro antagonismo.
O STF deu repercussão geral ao tema no Agravo de Instrumento 745.831, processado o tema 492 intitulado: “cobrança, por parte de associação, de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não-associado”, nos autos do RE 695.911, de relatoria do min. Dias TOFFOLI5.
Ou seja, o mesmo assunto já enfrentado pelo STJ será, agora, reanalisado pelo STF, no aspecto constitucional, provavelmente, no mesmo sentido de que às cobranças associativas poderão ser cobradas dos proprietários que se beneficiam com os serviços de manutenção e conservação prestados pela associação e documentalmente comprovados por meio das prestações de contas nas suas assembleias anuais.
Certamente que se o pagamento da contribuição associativas for cobrado apenas de alguns dos associados que desejam às melhorias para o local aonde adquiriram seus lotes, os demais associados que simplesmente se negam ao pagamento, sob o argumento de que não são obrigados a se associarem, estarão agindo de forme egoísta e indevida, pois estarão estes últimos prejudicados àqueles associados que desejam o melhor para o loteamento que é fechado e, cuja a valorização será a mesma para todos (quem paga e quem não paga).
Portanto, há expectativa que a decisão da repercussão geral seja o divisor de águas jurisprudencial para a questão. Enquanto isso não ocorre, é possível ainda a promoção de ações de cobranças dos lotes inadimplentes, de modo que todas às ações promovidas aguardarão o posicionamento final da colenda Corte Suprema, sendo que as ações de cobranças ainda não propostas, poderão amargar a prescrição no dia em que possivelmente virar esse entendimento nas Corte Suprema.
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1 Art. 115. No registro civil de pessoas jurídicas serão inscritos: I - os contratos, os atos constitutivos, o estatuto ou compromissos das sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, bem como o das fundações e das associações de utilidade pública.
2 Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
3 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
4 XXII - é garantido o direito de propriedade;
5 Disponível em: (Clique aqui). Acessado em 27.08.2019.
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Alexandre Callé é advogado especializado em condomínios e loteamentos. Sócio-Fundador do escritório de Advocacia Callé. Foi assessor jurídico do Secovi-SP (Sindicato da Habitação). Palestrante, professor e articulista em jornais, sites e revistas especializadas.
Fonte: Migalhas de Peso
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