O direito de propriedade pode ser agredido de várias maneiras.
O proprietário pode perder o direito de reter o imóvel sob sua posse. O “dominus” sofreu esbulho, o bem foi retirado da sua posse, havendo lesão em grau máximo, porque o direito de propriedade é atingido de forma absoluta, pois há privação total de disposição sobre seu objeto. Quando isso ocorre, o titular do direito de propriedade fica privado do direito de usar, gozar e dispor exclusivamente do imóvel, e por essa razão lhe é assegurado a reivindicatio.
A pretensão à restituição do bem nasce da lesão ao direito de propriedade. Já ensinava CARVALHO SANTOS que a ação de reivindicação, “como tutelar do domínio, exerce-se erga omnes, como o direito da qual é parte integrante e que visa proteger.” (SANTOS, , J.M. de Carvalho Código Civil Brasileiro Interpretado. Rio, Freitas Bastos, 2ª. ed., v.7, p. 280, 1937)
Ao lado da privação total de disposição sobre o imóvel, é possível vislumbrar lesão à plenitude da propriedade. Nesse território a lesão é mais branda, porque não ocorre a perda da posse, havendo ato de turbação. A ação do réu interfere na plenitude da propriedade, e a proteção é feita pela ação negatória.
Distinguindo a ação reivindicatória da actio negatória, Arnaldo Rizzardo ensina que “na ação reivindicatória, o titular do domínio é privado do imóvel, enquanto na negatória ocorre uma simples interferência envolvendo a posse, sem que lhe seja subtraída. Mas não se trata de mera ofensa à posse, e sim ao domínio. A posse resta turbada ou prejudicada em vista do ato que interfere na plenitude do domínio, diminuindo-o, como no caso de uma servidão, ou de se impor usufruto sobre o bem. Esclarece Marco Aurelio S. Viana: “É utilizada não apenas para se opor ou negar a existência de um direito real sobre o bem que pertence do proprietário (servidão, enfiteuse, usufruto, uso, habitação), mas também como remédio contra interferência ou imissões que consubstanciam turbação do direito de propriedade. “Exerce-se tanto contra atos do poder público como de particulares, visando, em regra, solucionar conflito de vizinhança.” (RIZZARDO, Arnaldo. Direito Das Coisas. 2ª. Ed., Rio: Forense, p. 225, 2006)
Passo ao estudo da ação reivindicatória.
O que se busca com a reivindicatio é a restituição da coisa, da qual o proprietário foi desapossado. A causa de pedir apoia-se no art. 1.228, caput, parte final, do Código civil, e no esbulho sofrido. Tem por fundamento o direito de sequela, que é atributo dos direitos reais, e que se concretiza pelo poder de seguir a coisa onde quer que esteja. (GOMES, Orlando, apud VIANA, Marco Aurelio S. Da Ação Reivindicatória. São Paulo: Saraiva, pág. 18, 1986)
Em que pese haver quem entenda que o autor pede, contra o detentor, ou possuidor, o reconhecimento do seu direito de propriedade, e, como consequência, a restituição da coisa com os acessórios e perdas e danos (SANTOS, J.M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado. 2ª. ed.. Rio: Freitas Bastos, v. 7, p. 281, 1937; PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direito das Coisas. 3ª. ed., Rio: Freitas Bastos, 3ª, p. 196, § 84, 1940), a meu ver o proprietário afirma sua propriedade, prova sua titularidade, e, por isso é titular do direito de reaver a coisa. Em verdade, o direito de propriedade já está provado pelo Registro Imobiliário. O fundamento do pedido é o direito de propriedade, mas o que se pede é a restituição da posse, que o réu detém, sem causa jurídica.
O que pode acontecer, na prática, é que seja pedida, em contestação, a nulidade do registro, ou se oponha, ao registro do autor, registro do réu. Aqui, no confronto de registros - que será objeto de exame mais à frente -, um dos registros será considerado nulo, o que pode dar a entender que está sendo reconhecido o direito de propriedade de uma das partes. Mas não é essa a regra, nem se pode dizer que a nulidade tenha esse alcance.
O pedido de restituição é alinhado contra quem quer que injustamente possua ou detenha a coisa. Não se confunde a posse injusta, em sede de reivindicatio, com a noção dada no art. 1.200 do Código Civil. Possui injustamente, no território da ação reivindicatória, aquele que conserva a posse sem causa jurídica. Posse injusta é tomada em sentido lato, ou seja, aquela cuja aquisição repugna ao direito. (SANTOS, J.M. de Carvalho. Código Civil cit. v. 7, p. 280, VIANA, Marco Aurelio S., Da Ação Reivindicatória. São Paulo: Saraiva, pág. 17, 1986)
Se o réu provar que sua posse é justa, como se dá, por exemplo, quando exerce a posse em decorrência de um contrato de locação, ou comodato, ajustado com o proprietário, existe causa jurídica. A relação obrigacional existente entre as partes espanta a injustiça da posse, e lhe dá cores de legalidade, inibindo a restituição.
Não discrepa desse modo de ver Paulo Tadeu Haendchen e Rêmolo Letteriello, quando ensinam que se a posse do réu é justa, embora ele não seja proprietário, como se dá quando ele é possuidor em razão de contrato de locação, a ação não pode prosperar. É hipótese de carência de ação. Ponderam que a posse injusta do réu é requisito para o julgamento de procedência da ação, bem como para a admissibilidade da reivindicatória. (HAENDCHEN, Paulo Tadeu e LETTERIELLO, Rêmolo. Ação Reivindicatória. 3ª. ed., São Paulo: Saraiva, p. 27, 1985)
A posse do promitente comprador, enquanto não rescindido o contrato não pode ser considerada injusta, porque a posse decorre do negócio jurídico, tendo causa jurídica, que somente perde essa cor se houver prévia rescisão do contrato de promessa de compra e venda. Se há comodato, enquanto não notificado para por fim à relação obrigacional, o comodatário não é considerado como alguém exerça posse injustamente.
É possível a cumular o pedido de restituição do imóvel com pedido de perdas e danos, ou pedido de estimação da coisa, se não houver possibilidade de se restituída em espécie. A vindicatio permite que o proprietário reclame a restituição da coisa com todos os seus acessórios e pertenças, ou seja, ela será acompanhada dos acessórios, rendimentos e indenizações, assim como deteriorações. (SANTOS, J.M. de Carvalho, Código Civil cit., v. 7, pág. 290)
Mister distinguir a vindicatio das ações de restituição que encontram seu fundamento em direito pessoal. É o que se tem com a ação de depósito, de comodato, de locação, contra o depositário, o comodatário, o inquilino. Nesses casos o que se destaca é um direito de crédito, enquanto na reivindicatória o que se tem é a afirmação do direito de propriedade perante a justiça.
A legitimidade ativa é do proprietário, seja a propriedade plena ou limitada, irrevogável ou dependente de resolução.
Ela pode ser manejada pelo condômino contra terceiro. (art. 1.314 do CC) Ele exerce o direito de reivindicar no interesse da comunhão. Terceiro é aquele que não é condômino. Admite-se que o condômino ajuíze a ação contra outro comunheiro, desde que a área reivindicada esteja determinada e que os réus não possuam dúvida quanto à área pretendida, e que o limite a ser fixado exija apenas o traçado de uma linha divisória. (VIANA, Marco Aurelio S. Comentários ao Novo Código Civil. 4ª. ed., Rio: Forense, v. XVI, pág. 82, 2013, citando REsp. 134814/RS, 4ª. T., STJ, rel. Min. César Asfor Rocha, DJU de 12.04.99)
A legitimidade ativa do promitente vendedor tem sido debatida desde o direito anterior, havendo entendimento nos dois sentidos.
Entendo que o promitente comprador adquire o direito real à aquisição, com o registro do contrato de promessa de compra e venda (art. 1.417 do CC), sendo-lhe assegurado o direito de exigir a escritura definitiva de compra. Ora, o promitente comprador não é proprietário, e, por via de consequência, não pode pedir a coisa pela ação reivindicatória, o que é assegurado apenas ao proprietário nos termos do art. 1.228 do CC. O promitente comprador de imóvel loteado adquire a propriedade pelo registro do título, desde que prove a quitação do preço. (§ 6º, art. 26 da Lei n. 6.766/79) Neste último caso, em que se dispensa a escritura pública, não bastas o registro da promessa de compra e venda, sendo necessário que haja quitação do preço. Portanto não é o registro que transmite a propriedade, mas a prova de cumprimento, pelo promitente comprador, da obrigação de pagar o preço. (A respeito do tema: VIANA, Marco Aurelio S. Comentários ao Novo Código Civil cit., vl. XVI, pág. 83/86)
Eu já firmei que apropriação dos bens, como realidade econômico-social, “recebe um tratamento jurídico, que vai alinhá-la dentro dos padrões que a sociedade entende necessário e satisfatórios às suas necessidades” e “se economicamente o que se busca é, de um lado, adquirir o bem, e, de outro, dele dispor, isto não implica, necessariamente, que o direito positivo encarece o fenômeno desse ângulo. A política legislativa estabelece os critérios para a abordagem dessa relação, estabelecendo caminhos a serem seguidos em dado momento histórico”. (VIANA, Marco Aurelio S. Da Ação Reivindicatória cit., pág. 27)
Ao promitente comprador é assegurada a ação de imissão de posse.
No polo passivo da ação reivindicatória está o possuidor ou detentor atual. Não se faz distinção quanto à classificação da posse, podendo ser demandado o possuidor de boa-fé ou de má-fé, o possuidor direto ou indireto, o compossuidor.
O que se reclama é que a posse seja injusta, ou seja, sem justa causa, que repugne ao direito. O que vai variar e determina soluções diferentes são os efeitos que serão produzidos, conforme haja posse de boa-fé e de má-fé, no que se tange aos frutos, perda ou deterioração da coisa, indenização das benfeitorias necessárias e úteis, nos termos dos arts. 1,1214 a 1.222 do Código Civil.
É possível que o “dominus” ajuíze a ação contra quem deixou de possuir com dolo, ou seja, que assim procedeu com a intenção de dificultar a vindicação pelo autor, transferindo-a para outra pessoa. Se o autor provar o dolo na cessão da posse, fica-lhe facultado acionar o fictus possessor ou o possuidor verdadeiro.
Outra situação que pode ocorrer envolve aquele que contesta a ação, embora não tenha posse, como possuidor fosse (qui se lit obtulit). Como não é possuidor, não se terá como reaver o bem pela impossibilidade de restituição, mas o possuidor ficto poderá ser condenado a indenizar o autor pelo valor do bem. (VIANA, Marco Aurelio S. Da Ação Reivindicatória cit. pág. 50)
O autor provará que é o proprietário do imóvel, a posse do réu, descrevendo e individualizando o bem.
Como a ação é assegurada ao proprietário (art. 1.228 do CC), o autor trará, com a inicial, a prova da propriedade. Se houve o imóvel por aquisição entre vivos, ou seja, derivada, instruirá a ação com certidão atualizada do registro de imóveis. Se a aquisição veio por sucessão causa mortis, não precisa registrar o formal de partilha, ou a carta de adjudicação, sendo bastante apresentar um ou outro.
Quanto à posse do réu, cabe ao autor apenas alegar o fato, cabendo a aquele provar a justiça de sua posse, ou seja, que ela conhece causa jurídica.
O imóvel será individuado e descrito na inicial, como forma de identificá-lo, e tornar exequível a sentença. Reporto-me ao art. 225 da Lei dos Registros Públicos, que determina seja indicada com precisão, nas escrituras e nos autos judiciais, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, com menção aos nomes dos confrontantes, e, ainda, quando se tratar de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.
Se o que se reivindica é parte de imóvel, descreve-se toda a área, individuando-se aquele que é o objeto da ação.
Pode haver conflito de títulos. Se o réu ataca o título do autor, e apresenta título emanado da mesma pessoa, soluciona-se com base no princípio da prioridade, que se apoia na ordem cronológica da apresentação no registro imobiliário. Prevalece a prioridade do registro. Se um deles é nulo, decide-se com base naquele que não apresenta vício.
O debate pode envolver títulos emanados de pessoas diferentes. Duas situações podem se apresentar:
1- O réu não pede, em reconvenção, a nulidade do título do autor, que houve o imóvel de quem não era dono, ou o autor não cumulou com o pedido de restituição, a nulidade do titulo do réu. Prevalece o título que foi registrado primeiro, por força do princípio que se presume o domínio em favor daquele que tiver título devidamente registrado, até prova em contrário. Aqui a probatio diabólica é importante para aferir-se a prevalência do registro;
2- O réu pede, em reconvenção, a nulidade do registro do autor que dispõe de registro anterior, sob o fundamento de que houve alienação ilegal, por ser feita por quem não era dono, o que levará à improcedência do pedido, porque o título do autor será invalidado por ser nulo. Mas se o autor consegue provar que o registro título do autor, anterior ao seu, é nulo, porque a alienação se fez por quem não era dono, o pedido será julgado procedente.
O réu contesta e ataca o processo (CPC/1973, art. 301 – CPC/2015, art. 337), ou contra a ação (CPC/1973, art. 267, VI – CPC/2015, art. 485).
Em sua defesa o réu sustenta não ser o possuidor. Restando provado o fato, o feito não prosperará.
O réu alega não ser possuidor, mas detentor, e nomeia o verdadeiro possuidor, pela denunciação da lide, e contra ele correrá o feito, observado o que a respeito dispõe o art. 70 e seguintes do CPC/1973.
O réu sustenta que sua posse tem causa jurídica, não sendo injusta, por conseguinte. A prova é dele, o réu. Se nada alega, presume-se a injustiça da posse.
Alegando que a posse conhece causa jurídica, deve deduzir a prova respectiva. Prova-se o fato pela existência de relação contratual, como comodato, locação ou parceria agrícola, ou ser titular de direito real, que o legitime, como se dá com o usufruto.
Se a contestação envolve posse apoiada em relação contratual, e necessário que o demandante esteja adstrito a ela. Ausente essa vinculação, a posse é tida, em relação ao reivindicante, como injusta.
Se a defesa se estrutura em direito real, este deve estar regularmente constituído e registrado, para que seja tido como válido e haja publicidade.
No debate envolvendo títulos de propriedade, prevalece o que disse acima.
Admite-se seja arguida usucapião, em defesa (Súmula 237/STF), direito sumulado no direito anterior, e que se mantém na aplicação da Lei civil em vigor. O momento processual para que o réu sustentar a ocorrência da usucapião, em uma de suas modalidades, e independe de sentença do respectivo registro.
A petição inicial deve atender ao comando do art. 282 do CPC/1973 (art. 319 do CPC/2015).
O procedimento depende do valor da causa. Se não exceder 60 (sessenta) salários mínimos, adota-se o procedimento sumário. (art.275, I do CPC/1973), porém o CPC/2015 não conhece o procedimento sumário.
Fora desse caso, observa-se o procedimento ordinário (art. 282 e ss. do CPC/1973) e, sendo assim, o CPC/2015 determina a adoção do procedimento comum (art. 318).
A petição inicial atenderá aos requisitos do art. 319 do CPC/2015).
O CPC/2015, art. 292, IV, determina que se considere o valor para avaliação da área ou do objeto do pedido.
O foro é determinado pela situação da coisa (forum rei sitae). Fica afastada a opção pelo foro do réu ou de eleição.
A sentença disporá a respeito dos acessórios, com incidência das regras que informam a boa-fé ou a má-fé do réu.
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Marco Aurelio S. Viana - Doutor em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Fonte: Artigos Jus Navigandi
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