Em julgamento iniciado dia 10 de outubro de 2019 pela 4ª turma do STJ, o relator do REsp 1.819.075, ministro Luis Felipe Salomão, se posicionou pela impossibilidade de privação do condômino quanto à locação de seu imóvel por curto período.
O julgamento se dá em ação originária do TJ/RS, no qual os autores, proprietários de dois imóveis num condomínio em Porto Alegre (RS), buscam autorização legal para locar suas unidades via aplicativo Airbnb.
A decisão a ser proferida no RESP poderá assentar debate que surgiu com o advento da economia compartilhada, proporcionada por aplicativos como o Airbnb e Uber, que possibilitam circulação de renda através da prestação de serviços simplificada, em contraponto aos meios tradicionais até então existentes.
Entenda o impasse
Contextualizando o caso, o debate se dá entre proprietários de imóveis e condomínios residenciais.
Enquanto os primeiros buscam locar sua propriedade e auferir renda extra, os segundos intentam evitar tal prática, posto que, em tese, o aluguel por curto período seria incompatível com o seu caráter residencial.
A argumentação é ampla para ambas as partes: os condomínios alegam que a prática não é aplicável principalmente em razão da quebra da segurança e da interferência direta no cotidiano condominial.
Não bastasse a impossibilidade de destinação comercial das unidades em condomínios estritamente residenciais, a locação via aplicativo implicaria o acesso do hóspede não somente ao apartamento em si, mas também a todas as áreas comuns, como piscinas, academias, salões de festas etc. Além disso a prática consistiria em hospedagem, e não locação, de modo que seria integralmente inaplicável àquela realidade.
Os proprietários trazem, em grande parte, argumentação voltada ao exercício do direito de propriedade, considerando que inexistindo legislação específica que proíba a prática, não há que se falar em impossibilidade de locação via aplicativos. Sua característica principal, qual seja, o curto período, levaria a enquadrar-se no conceito de locação por temporada, sendo plenamente lícita.
Realmente não existe legislação que se adeque plenamente à atividade, de modo que resta ao Judiciário apresentar solução ao caso concreto.
Licitude na locação via aplicativos
Como já mencionado, o ministro relator da ação, Luis Felipe Salomão, proferiu voto por meio do qual considerou “ilícita a prática de privar o condômino do regular exercício do direito de propriedade, em sua vertente de exploração econômica”.
O ministro entendeu que as locações via Airbnb não possuem viés comercial, mas configuram meramente um exercício regular do direito de propriedade, ainda que com teor econômico, sendo aluguel por curta temporada em caráter residencial, se submetendo, portanto, à lei 8.245/91 (lei de Locações):
"Na minha opinião, considero que afronta o direito de propriedade garantido na Constituição proibir a exploração econômica do próprio imóvel. As instâncias ordinárias, nesse passo, acabaram por conferir interpretação restritiva de maneira desarrazoada e sem previsão legal, a meu juízo, em evidente afronta aos poderes inerentes ao exercício do direito de propriedade dos recorrentes".
Em complementação, tratou da ilicitude da interferência do condomínio na esfera privada, considerando ilícita a privação do exercício do direito de propriedade em sua vertente de exploração econômica. Ainda, trouxe que “o uso regular da propriedade em inseparável análise da função social permite concluir pela possibilidade de exploração econômica do imóvel.”.
No que tange à suposta insegurança gerada pela presença de terceiros alheios ao convívio condominial, o ministro entendeu pela falácia na argumentação, vislumbrando justamente o contrário, vez que há registro de todo o ato no próprio aplicativo:
“Com efeito, há mesmo, ao revés, uma ideia de que a locação realizada por tais métodos [plataforma virtual] são até mais seguros – tanto para o locador como para a coletividade que com o locatário convive – porquanto fica o registro de toda transação financeira e os dados pessoais deste e de todos os que vão permanecer no imóvel, inclusive com históricos de utilização do sistema”.
Assim, uma vez respeitados os demais deveres condominiais, não há que se falar em vedação ao uso do Airbnb.
Em manifestação, o aplicativo, que teve seu pedido de ingresso na ação como assistente deferido, informou que este só proporciona a aproximação entre os interessados. O dever de repassar as regras especificas do condomínio é do proprietário, de modo que o mero uso da ferramenta não pode ser proibido em razão disso.
No que diz respeito à suposta configuração de hospedagem, a empresa menciona que o serviço prestado é justamente o inverso do ato, tese corroborada pelo voto do ministro, prevalecendo o entendimento de que o uso do aplicativo configura mera locação, uma vez que o proprietário tão somente fornece local ao usuário.
Em um serviço de hospedagem há essencialmente prestação de demais serviços como portaria, recepção, alimentação, limpeza e organização do espaço, condições inaplicáveis ao caso discutido, no qual há tão somente locação do ambiente.
De acordo com o ministro, não há como enquadrar a atividade “em uma das rígidas formas contratuais existentes no tratamento jurídico existente”. Assim, concluiu pela impossibilidade de proibição.
O ministro destacou, ainda, a importância do julgamento, ao considerar como inerente a evolução do convívio econômico social, sendo a definição de jurisprudência pacificada sobre o tema ponto essencial à discussão.
Apesar de se tratar de importante posicionamento, necessário esclarecer que o voto não constitui decisão final sobre o tema.
Após o pronunciamento do relator, o ministro Raul Araújo reconheceu a licitude do uso do aplicativo ante a inexistência de previsão legal de proibição, contudo, pediu vista dos autos, sendo necessário aguardar a conclusão do julgamento.
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Vinícius Brandão Vargas é advogado especialista em Direito Empresarial na Chenut Oliveira Santiago Advogados.
Fonte: Migalhas de Peso
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