A atividade de administração de imóveis locados, prestada por empresas socialmente denominadas de imobiliárias, está amplamente difundida no cenário nacional, e até mundial, de sorte que qualquer pessoa questionada poderia fazer uma breve explanação dos serviços prestados por estas administradoras.
Desta disseminação, além do reconhecimento de seu papel econômico-social, verifica-se a grande quantidade de empresas que prestam tais serviços e o considerável volume de processos judiciais que tem como pano de fundo a relação jurídica daí decorrente.
Como já observado por Luis Fernando Marin, inversamente proporcional a esta difusão é o número de estudos científicos e dogmáticos jurídicos destinados a pesquisar a origem, a conceituação e o regime jurídico em que está inserido este contrato [1].
Mas, de qualquer maneira, fato é que essa gestão configura-se como atividade complexa, que compreende a administração do próprio imóvel com controles de receitas e despesas daí decorrentes direta e indiretamente (em certos casos, até a sua vigilância e manutenção), bem como obtenção, contratação e gerência da sua locação, mediante: análise mercadológica, apontado a aptidão do bem e a orientação na estipulação de preço; avaliação de fichas cadastrais de locatários e garantidores; exame e eleição de garantia; controles e prestação de contas a receber e a pagar; orientação quanto a toda legislação aplicável à locação e direitos e deveres daí decorrentes, inclusive em seus aspectos tributários; fornecimento de informes de rendimentos; contratação de advogados e promoção de ações judiciais para exigir a satisfação dos direitos do contratante a ela relacionados; entre outros. Daí se extrai o nível de especialização que devem ter estes administradores.
Enfim, desta descrição possível depreender-se que essa relação jurídica reúne características de contratos de mandato, corretagem, prestação de serviços, depósito, o que já está reconhecido em nossos Tribunais [2], dos quais derivam diversas espécies de obrigações de fazer e de pagar.
A notável professora Maria Helena Diniz, em seu tratado sobre contratos analisou esta figura jurídica, sem, contudo, exaurir o assunto, conceituando que: “[... Ter-se-á contrato de administração imobiliária se um dos contratantes, mediante mandato ou autorização, conferir ao outro gestão de imóveis ou direção de negócios relativos a seus interesses imobiliários, comprometendo-se a pagar uma taxa pelos serviços prestados.]” [3].
Diniz (2006) ainda explica que o administrador “... Terá, portanto, a tarefa de gerir interesses incidentes sobre bens imóveis pertencentes a outrem, por estar autorizado para isso ou por ser mandatário” e apresenta, como um dos efeitos deste contrato, o direito de o administrador dar o imóvel em locação.
Destarte, infere-se que o administrador realiza a gestão por estar autorizado, isto é, contratado para prestar o serviço de administração, e que pode ainda ser nomeado mandatário do locador, representando-o ou ainda por ele contratando com terceiros, modalidade muito mais comum.
De modo geral, o eficiente exercício da gestão depende desta representação, para que este administrador possa, por exemplo, receber aluguéis e dar quitação, transigir, exigir o cumprimento de obrigações, nomear advogados. Caso não tenha estabelecido o contrato de mandato, terá o administrador que requisitar seu contratante sempre, para analisar e assinar documentos relativos a estas tarefas, tornando débil o referido serviço.
O Código Civil de 2002 define o contrato de mandato da seguinte forma: “opera-se mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.” [4]
Portanto, verifica-se a perfeita subsunção dos atos, atividades anteriormente descritas que serão realizadas pelos administradores, à hipótese normativa do artigo 653, revelando-se a pertinência da inclusão do mandato ao se definir o conceito do contrato de administração de imóveis.
Como já exposto, esta atividade pode direcionar-se só a estes atos de gestão ou, ainda, abarcar a contratação dos serviços de corretagem [5] que corresponderá ao compromisso da obtenção de um segundo negócio jurídico imobiliário, que é a locação.
Nesta hipótese, como a corretagem será prestada por administrador ou mandatário do locador, esta deverá se dar como intermediação de negócios, no sentido de que a atuação deste corretor/administrador será parcial, isto é, para atender os interesses de seu contratante mandante, fazendo-se a necessária distinção do conceito de mediação outrora já proposto [6].
Desta ilação, aponta-se de plano que contratos de locação e administração são distintos, tendo partes, objetos, direitos e obrigações que não se devem confundir.
Isto, pois, enquanto a relação jurídica estabelecida pelo contrato de administração se dá entre a administradora e o proprietário do imóvel, e tem por objeto a gestão, o mandato e a corretagem [7]; no contrato de locação, as partes são locador e locatário e tem por objeto o uso ou gozo de bem imóvel, mediante certa remuneração.
Em razão desta diversidade, a cada um destes contratos se aplica um regime jurídico próprio. Tanto é assim que, enquanto já é pacífica a jurisprudência no sentido de que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de locação [8], para os contratos de administração de imóveis a conclusão é a inversa, isto é a de que se aplica a lei consumerista como já se pronunciou inclusive o STJ, por sua Terceira Turma, em recente decisão ao julgar o Recurso Especial nº 509.304 – PR, sob a seguinte ementa:
Apelação cível. Ressarcimento de valores. Imobiliária. Contrato de administração imobiliária. Prestação de serviço. Código de defesa do consumidor. Cláusula de garantia de pagamento de alugueres, condomínio e impostos. Propaganda cujos termos integram o contrato e obriga o prestador de serviços. Sucumbência recíproca. Recurso provido em parte (STJ, 3ª. Turma, j. 16/05/2013).
E não poderia ser diferente, vez que a atividade de administração imobiliária é exercida profissionalmente e mediante remuneração e a lei consumerista sempre será aplicável quando se estiver diante de uma relação entre fornecedor [9] e consumidor [10], que verse sobre o fornecimento de um produto ou um serviço, sendo que este último abrange qualquer atividade fornecida mediante remuneração.
E noutro acórdão já referido e proferido pelo mesmo STJ, o Relator Ministro Ricardo Villa Bôas Cueva brilhantemente explicou em seu voto a distinção entre o contrato de administração e o de locação: “Isso porque, no cenário caracterizado pela presença da administradora na atividade de locação imobiliária, se sobressaem pelo menos duas relações jurídicas distintas: a de prestação de serviços, estabelecida entre proprietário de um ou mais imóveis e a administradora, e a de locação propriamente dita, em que a imobiliária atua como intermediária de um contrato de locação. [11]” Sendo que, ao fim, a referida Turma decidiu que a lei consumerista somente se aplica à relação oriunda do contrato de administração.
Todavia, não raras vezes, os órgãos de proteção ao consumidor, em que pese todo o respeito e reconhecimento de importância à sociedade, se debruçam para orientar locatários, como se consumidores fossem, em relação aos serviços de administração imobiliária. Mais do que isto, muitos afirmam que o contrato de locação fora estabelecido com a administradora.
É o que se verifica, por exemplo, no “parecer sobre a aplicabilidade do CDC nos contratos de administração e de locação de imóveis” emanado pelo Ministério da Justiça, através da Secretaria de Direito Econômico, de autoria dos Coordenadores, Fabrício Missorino Lázaro e Cláudio Péret Dias, que assim iniciam a sua fundamentação:
Quanto aos contratos imobiliários, vislumbramos duas situações passíveis de análise acerca da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, quais sejam: 1. Contrato entre a empresa dedicada à administração imobiliária e o particular, por meio do qual a imobiliária se compromete a fornecer ao locatário, mediante remuneração, o uso e o gozo pacífico do imóvel, durante certo lapso de tempo; 2. Contrato entre o proprietário do imóvel e a imobiliária, por meio do qual a última se compromete a garantir e administrar o contrato de locação. (CGAJ/DPDC, 2006, grifo nosso).
E esta celeuma também se verifica em algumas decisões judiciais, o que se exemplifica pelo acórdão, por maioria de votos, de relatoria da Ministra Laurita Vaz, que julgou o recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais: “Locação. Ação civil pública proposta em face de apenas uma administradora de imóvel. Cláusula contratual abusiva. Ilegitimidade ativa do ministério público estadual. Direito individual privado. Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade [12].”
Nesta ação, o Ministério Público pretendia a declaração de nulidade de uma determinada cláusula contratual inserida no contrato de locação de imóveis firmado entre locadores, representados por uma determinada administradora, com locatários, afirmando que estes eram consumidores perante esta administradora visto que utilizam o seu serviço como destinatários finais.
Pela lógica já esposada, os titulares da relação locatícia são apenas locador e locatário. Assim, como poderia uma decisão, em ação promovida em face da administradora, modificar cláusula de contrato que rege relação jurídica da qual esta não faz parte?
Mais do que isto, os contratos de administração em referência poderiam ser rompidos, os locadores poderiam assumir a gestão de suas locações ou transferir a outras empresas a qualquer tempo, e a decisão dada não seria eficaz, mas, sim, inaplicável, pois dirigida a terceira pessoa que não é parte da relação jurídica que se pretendia modificar.
E note-se que o contrato de corretagem que tem por finalidade obter outro negócio, não transporta o corretor à posição de partícipe deste último; ainda mais quando prestado por administrador de imóveis, mandatário do locador e que, portanto, atua para atender o interesse deste, que se observe é justamente contraposto ao do locatário.
A verdade é que a administradora não dá qualquer bem seu à locação, não firma com o locatário contrato de locação de imóveis na qualidade de parte e, portanto, não é titular de direitos ou deveres daí decorrentes. Repisa-se que o mandatário age em nome do seu mandante e, em regra, somente a este obriga.
Nesta esteira, com toda a justa deferência, resta equivocada a premissa estabelecida pelo parecer mencionado, que afirma que é a imobiliária que se compromete a fornecer ao locatário o uso e o gozo pacífico do imóvel, quando, na verdade, é o locador. Tanto é assim, que a empresa pode ser destituída de seu encargo a qualquer tempo pelo locador e a locação prosseguirá.
Apesar de o contrato de administração merecer um estudo muito mais aprofundado para a pesquisa de todas as suas nuances e definição do completo regime jurídico a que está inserido, por esta superficial e breve análise, pode-se concluir que este estabelece relação jurídica distinta da relação locatícia, composta de partes e objeto diversos, que não podem ser confundidos pelos players do mercado imobiliário, pelos estudiosos do direito ou ainda pelos entes estatais, mesmo que na melhor das intenções.
[1] “De fato, qualquer pesquisa rápida em sítio de buscas na rede mundial de computadores revela pouco destaque a referido contrato. À facilidade de se encontrar inúmeros modelos de contratos se contrapõe a dificuldade de se localizar reflexões capazes de germinar um “saber jurídico-imobiliário” ao redor da referida atividade que ofertem aos operadores do direito respostas às indagações que o manuseio do citado contrato gera.” (Marin, Luis Fernando in Estudos Avançados de Direito Imobiliário/ Coordenação de José Roberto Neves Amorim, Rubens Carmo Elias Filho. 1ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier. 2014. P. )
[2] STJ 3ª Turma. REsp. Nº 509.304 – PR Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva. J. 16/05/2013 e
[3] DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos. 5 volumes. 6ª ed. São Paulo, Saraiva, 2006 p. 600.
[4] BRASIL, 2002, Artigo 6533 do Código Civill.
[5] “Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer outra relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.” (BRASIL, 2002, Artigo 722 do Código Civil).
[6] ALKESSUANI, Moira Regina de Toledo. “A responsabilidade contratual dos intermediadores de negócios imobiliários.” In Opinião Jurídica 2. Coordenação de Jaques Bushatsky e José Horácio Cintra Gonçalves Pereira. 2014. São Paulo. SECOVI/SP. P. 48.
[7] Podendo ser incluídas aí um sem número de outras obrigações e contratos, como, por exemplo, o depósito; o compromisso de repasse equivalente e pontual ao valor de aluguel independentemente do pagamento por parte do inquilino, o que se conhece por “aluguel garantido”, entre outros.
[8] STJ. 6ª Turma. AgRg no Agravo de Instrumento nº 590.802 – RS. Rel. Min. Nilson Naves. J. 30/05/2006.
[9] “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (BRASIL. Artigo 3º da Lei 8009/90).
[10] “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (BRASIL. Artigo 2º da Lei 8009/90 ).
[11]STJ 3ª Turma. REsp. Nº 509.304 – PR.
[12] STJ, 5ª Turma. REsp. Nº 605.295 – MG j. 20/10/2009.
Moira Regina de Toledo Alkessuani - Publicado originalmente por Revista Opinião Jurídica, ed. 3 - 2015.
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