quarta-feira, 17 de maio de 2017

O CONDOMÍNIO EDILÍCIO E A ARBITRAGEM


A arbitragem pode ser definida como o meio privado, jurisdicional e alternativo de solução de conflitos decorrentes de direitos patrimoniais e disponíveis por meio do árbitro, juiz de fato e de direito, normalmente um especialista na matéria controvertida e que apresentará uma sentença arbitral com força de sentença judicial transitada em julgado, e que constitui título executivo judicial.

O árbitro foi equiparado por lei ao juiz para o exclusivo efeito da sentença que prolata, que por sua vez, não está sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário nos termos do art. 18, da Lei n. 9.307/1996.

Certo é que a vida em condomínio pode gerar uma série de conflitos, de tal sorte que resta saber se a arbitragem pode ser o meio de solução dessas pendências.

Vejamos, nesta medida, as espécies de conflitos decorrentes do condomínio edilício e as hipóteses de cabimento da arbitragem:

1) Conflitos entre o condomínio e os condôminos:

Os conflitos entre o condomínio e os condôminos podem ser exemplificados, principalmente, pela ausência de pagamento das cotas condominiais a que todo condômino está obrigado, discussões sobre a validade de deliberações e quórum para aprovação de matérias em assembléia e conflitos versando acerca da aplicação de sanções, como as multas pela transgressão à lei ou à própria convenção de condomínio.

Existem casos que a transgressão pelo condômino poderia ter sido solucionada por meio de uma advertência e o síndico aplicou diretamente uma multa. Mesmo que o condômino tenha o direito de apresentar recurso da multa direcionado ao Conselho fiscal, a forma para punição do condômino foi inadequada. Caso o síndico não siga o regimento interno ou convenção poderá a multa ser anulada em assembleia do condomínio ou poderá o conflito ser dirimido pela justiça arbitral.

Deve se atentar, ainda, quanto ao valor da multa aplicada, pois o valor da multa esteja determinado na convenção, levando se em conta a quota condominial – não incluindo valores extraordinários, sendo razoável começar com valores mais brandos e aumentando gradativamente em caso de reincidência.

Postos alguns exemplos de conflitos e claro, não se esgotando, e antes de se chegar a qualquer conclusão quanto ao cabimento da arbitragem para dirimir os conflitos entre o condomínio e os condôminos, é preciso partir da premissa segundo a qual, para regular a vida entre os condôminos e entre o condomínio e os condôminos, a lei determina a existência de uma norma denominada “convenção de condomínio”.

Nesse sentido, importante verificar o teor dos arts. 1.333 e 1.334 do Código Civil: “Art. 1333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção. Parágrafo único: Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis. Art. 1334. Além das cláusulas referidas no art. 1332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará: (...)”.

Em razão dos quais é possível afirmar que a Convenção é obrigatória para todos os condôminos e, demais disso, pode estipular livremente as cláusulas que, na instituição do condomínio, os interessados quiserem incluir.

Não é demais lembrar, também, que a convenção de condomínio pode ser alterada pelo voto de dois terços dos condôminos, conforme previsão do art. 1.351, do Código Civil.

Posta assim a questão, nos parece evidente que a convenção pode conter cláusula arbitral e, se contiver, os conflitos entre os condôminos e o condomínio deverão ser dirimidos pela jurisdição arbitral.

Mas poder-se-ia retrucar, afirmando que o condômino que adquire a unidade condominial depois da instituição do condomínio não pode vincular-se à arbitragem, posto que não a pactuou expressamente.

Não é o que pensamos em razão da natureza jurídica da convenção de condomínio que, embora surja de pacto entre os interessados na instituição do condomínio (ligação apenas formal com o contrato), passa a ter natureza jurídica institucional normativa (aproxima-se da lei).

Dada a sua própria natureza, as regras de comportamento de cada edifício têm sentido normativo. Obrigam aos que compõem aquele condomínio e aos que habitam o edifício ou dele se utilizam, ainda que eventualmente. (Caio Mário da Silva Pereira. Condomínio e incorporações. 10ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 125). Se assim o é, mesmo aqueles que não firmaram a convenção por ocasião da instituição do condomínio, ficam subordinados ao que nela ficou estabelecido, até em razão da ampla possibilidade de consultar o seu teor antes de adquirir a unidade, em função da necessária publicidade que lhe é dada pelo registro no Livro Auxiliar junto ao Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do art. 173, da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Publicos).

Ação ordinária de nulidade. (...). 3 - Quando estipulado na convenção do condomínio, clausula arbitral, exclui-se a participação do Poder Judiciário, na solução de qualquer controvérsia, eis que as partes firmam, de comum acordo, a competência material para a solução de todas as questões que venham a se originar daquele 'negocio jurídico'. Apelo conhecido e improvido. (TJGO - Processo: 200700100410 - Acórdão: 106919-4/188 - Julgamento: 31/7/2007 - Publicação: 27/8/2007 – Rel. Gilberto Marques Filho).

Tampouco, pelas razões lançadas por Caio Mário, é necessário o negrito ou a assinatura ou visto específico do condômino, já que não se trata de contrato de adesão.

Igualmente, é possível que inicialmente um condomínio não tenha cláusula arbitral em sua convenção, mas que, depois, os condôminos, queiram incluir a possibilidade de arbitragem mediante alteração da convenção condominial.

Por fim, mesmo que não haja qualquer previsão na convenção, é evidente que o condomínio e o condômino poderão firmar compromisso arbitral, levando o conflito à decisão de um árbitro.

Forçoso concluir que os condôminos que discordarem da inclusão da cláusula arbitral não podem ser compelidos a aceitar a arbitragem como meio de solução de conflitos (CF, art. 5, XXXV).

2) Conflitos entre os condôminos:

Havendo previsão na convenção, os conflitos entre os condôminos decorrentes do convívio condominial deverão ser dirimidos no âmbito da arbitragem, quer decorrentes de direito de vizinhança, quer em razão de problemas construtivos, notadamente de vazamentos, muito comuns nas unidades em edifícios.

Para tanto, a cláusula arbitral inserta na convenção deve prever expressamente a hipótese, vinculando os condôminos e terceiros nos termos do art. 1.333 do Código Civil.

Não havendo cláusula arbitral na convenção ou, se houver, não for específica quanto a esta matéria, os condôminos poderão eleger a arbitragem em razão de conflitos decorrentes de direitos patrimoniais e disponíveis existentes entre elas, o que farão através do compromisso arbitral.

3) Conflitos entre o condomínio e fornecedores e entre o condomínio e eventual administradora que, nos termos do art. 1.348, § 2º do Código Civil, for contratada para auxiliar o síndico nas funções administrativas do condomínio:

Neste caso, como as relações jurídicas obrigacionais decorrerão de contratos autônomos e, no caso da administradora (contratada para auxiliar o síndico nos termos do art. 1.348, & 2 do Código Civil) de contrato de prestação de serviços, não serão atingidos pela cláusula arbitral da convenção de condomínio.

E assim entendemos na medida em que, ainda que a convenção possa atingir terceiros em razão do seu registro, o fornecimento de bens e serviços ao condomínio e a administração do condomínio constituem relações jurídicas laterais, ainda que haja previsão de arbitragem na Convenção, qualquer contrato firmado entre o condomínio e fornecedores de produtos ou serviços ao condomínio dependerão de pacto arbitral especial entre eles (cláusula arbitral ou compromissos específicos para cada contrato e conflito decorrente).

Ana Paula Domingues Garcia – Advogada, Pós-graduada em Direito Empresarial e Tributário.
Fonte: Manual de Arbitragem: mediação e conciliação/Luiz Antonio Scavone Junior - 7ª ed. Rev., atual. E ampl. – Rio de janeiro: Forense, 2016, p. 80-82.

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