segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Da ata notarial em sentido estrito


1. Introdução

O singelo artigo apresentado tem como objetivo definir os fundamentos e os efeitos jurídicos do instrumento denominado Ata Notarial, documento elaborado pelo profissional do direito denominado Tabelião de Notas ou Notário1.

Afirmamos outrora2 que de todos os atos notariais protocolares de competência exclusiva do Tabelião de Notas, a ata notarial é protagonista de várias exceções principiológicas do Direito Notarial, como por exemplo, ser o único ato, em que não se aplica o princípio da imediação, não se emite juízo de valor algum sobre o fato, cuja principal característica ser a outorga de fé pública aos fatos constatados pelo notário.

2. Da ata notarial

2.1. Conceito

Ao analisar toda a estrutura da atividade notarial, chegamos a conclusão que a ata notarial é o instrumento dotado de fé pública, de competência exclusiva do Tabelião de Notas, no qual assenta a narração de fatos jurídicos, envolvendo ou não pessoas ou coisas, constatados pelos seus sentidos (olfato, paladar, audição, visão ou tato).

Para os ilustres notários, Felipe Leonardo Rodrigues e Paulo Roberto Gaiger Ferreira, a ata notarial seria "o instrumento público pelo qual o tabelião, ou preposto autorizado, a pedido de pessoa interessada, constata fielmente fatos, coisas, pessoas ou situações para comprovar a sua existência ou o seu estado"3.

No mesmo sentido, João Teodoro da Silva, afirma que a ata notarial é uma espécie de registro de um fato jurídico, que pode ser natural ou voluntário, ou apenas, "o testemunho oficial de fatos narrados pelos notários no exercício de sua competência em razão de seu ofício".4

Para Leonardo Brandelli, a ata notarial seria "o instrumento público mediante o qual o notário capta, por seus sentidos, uma determinada situação, um determinado fato, e o traslada para seus livros de notas ou para outro documento"5.

Na lição do grandioso advogado Walter Ceneviva, "ata notarial é registro de fato ou ato solicitado ao tabelião de notas por interessado, transcrevendo fielmente os eventos, pessoas ou ações que os caracterizam".6

O Código de Normas do Estado de Santa Catarina, dispõe em seu art. 8177, que, na lavratura da ata notarial, o tabelião deverá efetuar narração objetiva de uma ocorrência ou fato por ele constatado ou presenciado, mesma idéia do art. 916 do Código de Normas do Estado do Rio Grande do Sul8.

Na mesma esteira, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, normatizou o conceito de ata notarial, no item 138, do Capítulo XVI, Tomo II, das Normas de Serviço (prov. 58/89), ao dispor que ata notarial "é a narração objetiva, fiel e detalhada de fatos jurídicos presenciados ou verificados pessoalmente pelo Tabelião de Notas".

Vejamos que dos conceitos se extrai os três principais elementos da ata notarial:

I. Constatação de um fato presente ou pretérito continuado - consideramos nesse elemento a exigibilidade da ocorrência do fato, no momento presente, e no caso do fato pretérito continuado, nas hipóteses de fatos ocorridos no passado, mas que permanecem atuais, como nos casos de constatações feitas na internet;

II. Presença pessoal do tabelião de notas - deduz-se que somente o detentor da fé pública poderia constatar o fato;

III. Outorga de fé pública notarial da ocorrência do fato sob a perspectiva pessoal do tabelião de Notas.

É sabido que a finalidade da ata notarial não foi alterada, mas tão somente esclarecida pelo novo Código de Processo Civil, em seu artigo 384, como modalidade da prova, constituindo um instrumento de pré-constituição de prova de qualquer fato, seja lícito ou ilícito.

O revogado Código de Processo Civil, já o fazia, no art. 364, de forma genérica e pouco técnica, novamente reproduzido pelo art. 405 do Novo CPC, que qualquer documento público tinha o condão de fazer prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou servidor declarar que ocorreram em sua presença.

A esse propósito, faz-se mister trazer à colação o entendimento de Pedro Ávila Álvares, ao afirmar que a ata notarial, não possui eficácia horizontal ou substantiva (que são aquelas que criam direitos e obrigações) nem executiva (que são aquelas que autorizam exigir o cumprimento de obrigação), características próprias das escrituras públicas, mas apenas eficácia probatória9.

Nesse diapasão, Leonardo Brandelli assevera "tem a ata notarial o condão de preconstituir prova dotada de fé pública, isto é, os fatos que o notário declarar que ocorreram em sua presença presumem-se verdadeiros, tornam-se críveis, até que se prove o contrário. Por isso diz-se que a ata notarial tem a característica de perpetuar o fato no tempo, com força de fé pública".10

Da mesma forma, com muita propriedade, arremata Kioitsi Chicuta, afirmando a finalidade precípua da ata notarial se dar pela constatação de fatos realizada pessoalmente pelo tabelião de notas, que não abranja contrato ou manifestação de vontade11.

Humberto Theodoro Júnior, nos tranquiliza ao nos ensinar que o verbo provar significa a condução do destinatário do ato a se convencer da verdade acerca de um fato, ou conduzir a inteligência para a descoberta da verdade.12

Para ler o artigo na íntegra clique aqui.
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1 Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994 - Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.

2 KIKUNAGA, Marcus Vinicius, Ata Notarial e seus benefícios na perpetuidade da prova. In Provas no novo CPC, 1ª ed. São Paulo: Instituto dos Advogados - IASP, 2007, p. 252

3 RODRIGUES, Felipe Leonardo; FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger. Tabelionato de Notas (Coleção cartórios / coordenador Christiano Cassettari). São Paulo: Saraiva, 2013, p. 103

4 SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro (coord). Instituto de Estudos Notariais e Registrais - Tabelião Antonio Albergaria Pereira - IDEAL Direito Notarial e Registral. Vol. 1. São Paulo: Quinta Editorial Ltda, 2010, p. 31

5 BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial: De acordo com a Lei nº 11.441/2007. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 249

6 BRANDELLI, Leonardo (coord). Ata Notarial. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Ed., 2004, p. 93

7 Código de Normas do Extrajudicial de Santa Catarina Art. 817. Na lavratura da ata notarial, o tabelião deverá efetuar narração objetiva de uma ocorrência ou fato por ele constatado ou presenciado. Parágrafo único. A realização do ato pode ocorrer fora do horário de expediente de atendimento, inclusive nos finais de semana e feriados, e não pode o tabelião negar-se a realizá-lo.

8 Código de Normas do Extrajudicial do Rio Grande do Sul Art. 916 - A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.

Parágrafo único - Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.

9 Pedro Ávila Alvarez. Derecho Notarial. 7ª Barcelona: Bosch, 1990, p. 237, apud BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial..., ob. cit., p. 258.

10 BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial..., ob. cit., p. 55

11 BRANDELLI, Leonardo (coord). Ata Notarial. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Ed., 2004, p. 174

12 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil. V. III, tomo II. 4. ed. TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.) Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 456.
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Marcus Kikunaga é advogado mestre em Direitos Difusos e Coletivos. Especialista em Direito Notarial e Registral. Coordenador da Especialização em Direito Imobiliário. Professor de Cursos de pós-graduação. Presidente da AD NOTARE - Academia Nacional de Direito Notarial e Registral.
Fonte: Migalhas de Peso

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