sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A preferência legal locatícia quando se opera cláusula de retrovenda. Quem prevalece?


Parece incomum, mas é um risco existente em muitos negócios imobiliários em que não se tomam os devidos cuidados. Você está em sua casa alugada há poucos meses e recebe uma notificação de uma pessoa estranha dizendo que é o novo proprietário e você precisa deixar o imóvel. Você se surpreende, pois não foi notificado para exercer o direito de preferência, como prescreve a lei de locações. Acompanhe o artigo até o final e vamos entender como funciona essa relação dessa cláusula contratual em face do direito legal de preferência. 

Entendendo os institutos 

O direito de preferência pode ser expresso, como uma cláusula especial presente na compra e venda (Art. 513, CC), bem como um dever imposto para lei em algumas situações específicas, como no caso da locação (Art. 27, Lei de Locações). Tem natureza obrigacional. 

Basicamente trata-se da obrigação (legal ou contratual) de oferecer a uma determinada pessoa, em igualdade de condições com terceiro, o direito de comprar o imóvel. Notificado, ele precisa exercer o direito e o silêncio importa como sua renúncia. 

A cláusula contratual de direito de preferência pode ser pactuada por qualquer prazo para seu exercício e, caso não seja, se perde o direito de exercer a preferência se não executada no prazo de sessenta dias (Art. 516, CC). 

Já a cláusula legal detém regramentos próprios quanto a prazo, condições e devem ser observado caso a caso. Na locação, o direito de preferência se perfaz na vigência do contrato e notificado, o locador tem trinta dias para manifestar seu aceite (Art. 28, Lei de Locações). 

A retrovenda, por sua vez, é uma cláusula contratual inserida nos Contratos de Compra e Venda. Sua natureza, diferentemente do instituto do direito de preferência, é o de desfazimento de negócio, ou seja, aquele que exerce a cláusula de retrovenda retoma para si o imóvel resolvendo o contrato e não adquirindo novamente do novo proprietário. Na mesma forma, depreende-se essa interpretação pelo fato de que o exercício da cláusula de retrovenda não é fato gerador de ITBI, o imposto que incide sobre a transferência de patrimônio imobiliário. 

Essa cláusula pode ser pactuada por prazo máximo de três anos e ao não exercer o vendedor perde esse direito (Art. 505, CC). Vale ressaltar que a retrovenda é cessível e transmissível a herdeiros e legatários e poderá ser exercido contra o terceiro adquirente (Art. 507, CC). 

Afinal, quem prevalece? 

Existem alguns fatores que devem ser compreendidos: quanto a natureza dos institutos, o direito de preferência, seja legal ou convencional, tem natureza jurídica obrigacional, ou seja, uma obrigação imposta entre os dois pactuantes dentro de um contrato. Já a cláusula de retrovenda tem natureza resolutiva, ou seja, ela desfaz o contrato. Portanto, no conflito aparente entre as duas cláusulas prevalece aquela que resolve o contrato. 

Outro fator que deve ser considerado são os prazos. A cláusula de retrovenda tem prazo decadencial de três anos, então se a cláusula de preferência for pactuada por prazo superior ou decorrer de alguma condição especial, como no contrato de locação que se perfaz enquanto ele for vigente, prevalecerá a cláusula de preferência se a retrovenda não for operada no período máximo de três anos. 

Outro ponto de extrema relevância são as formalidades. Para existir direito real, o contrato de compra e venda precisa ser levado a registro, então a cláusula de retrovenda que foi pactuada em instrumento público ou particular, mas não foi levada a registro, não cria direito real sobre o bem imóvel, resultando na prevalência da cláusula de preferência e resolvendo o prejuízo suportado em perdas e danos. 

Importância da “Due Diligence” nos negócios imobiliários 

Esse conflito de cláusulas contratuais reforça a importância da Due Diligence nos negócios imobiliários. Ao locatário, antes de realizar o contrato de locação, a busca pela matrícula do imóvel e o contrato de compra e venda se perceberia a presença da cláusula de retrovenda, o que importa em risco para aquele que ingressará no imóvel. 

Ao vendedor, conhecer o comprador e compreender que ao não levar a registro o contrato firmado a cláusula pactuada perde os efeitos perante terceiros acarretando grandes prejuízos, que obrigará a judicialização da demanda. Conhecer os riscos prévios e supervenientes são cruciais para todos os negócios imobiliários e por isso cada vez mais a prática da Due Diligence tem ganhado força nesse ramo do direito. 

Conclusão

Apesar de institutos diferentes, o resultado prático é a transferência de um imóvel de um proprietário para outro. Então, aquele que pode ser prejudicado pela existência de cláusula de preferência ou de retrovenda deve ter muita atenção ao realizar o negócio imobiliário. Existindo cláusula de retrovenda pactuada, em instrumento público ou particular, devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis, a resolução da compra e venda extinguirá o negócio, podendo atingir terceiros, inclusive o locatário.

Isso é tudo, até a próxima!

Fontes:


Fernando Aragone - Advogado, formado na Universidade Santa Cecília, na baixada santista. Especializado em Advocacia Extrajudicial, Imobiliária, Contratual, Sucessório e Família. Pós-graduando em Advocacia Extrajudicial.
Fonte: Site do Autor

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