Estamos vivendo dias estranhos em decorrência da propagação do vírus Covid-19. A quarentena imposta pelos governos de quase todos os países têm um impacto direto no mercado, inclusive na construção civil.
Os incorporadores imobiliários trabalham seguindo rigorosamente os preceitos contidos no memorial de incorporação imobiliária, que, por força do art. 32 da Lei 4.591/1964, deve ser obrigatoriamente levado a registro às margens da matrícula registral imobiliária.
A Lei 4.591/1964 (lei das incorporações) estabelece as espécies de incorporação aceitas em nosso país, de forma a permitir que o incorporador aliene a fração ideal do terreno e a futura unidade autônoma, antes de sequer iniciada a construção.
Aqui surge o problema. Todos os contratos e a própria lei estabelecem sanção para o incorporador na hipótese de descumprimento do prazo de entrega da unidade autônoma.
O dilema que surge para o incorporador é ter que optar entre dar continuidade às obras, mesmo na quarentena e respeitar o prazo estabelecido no memorial de incorporação e nos contratos celebrados com os adquirentes das unidades autônomas, ou paralisá-las devido à quarentena e correr o risco de sofrer as sanções contratuais e legais pelo atraso na entrega das obras.
A Lei 4.591/1964 estabelece, no inciso VI do art. 43, que as obras não podem ser paralisadas por mais de 10 dias. Contudo, a própria lei estabelece a exceção ao utilizar a expressão “sem justa causa devidamente comprovada”.
Nesta toada, devemos compreender que o Direito é sistêmico, ou seja, cada alínea, inciso, parágrafo, ou mesmo lei, não pode ser interpretado isoladamente, como se fosse um fim em si mesmo. Os dispositivos devem compor um conjunto harmônico com todo o arcabouço jurídico nacional. Isto significa que devemos buscar, em outro elemento normativo (Lei, Decreto, Decreto-Lei, Constituição etc.) inclusive utilizando as regras de hermenêutica jurídica, a interpretação mais adequada da lei, de forma que ela se compatibilize a cada momento histórico, obedecendo, em todos os casos, a hierarquia legislativa.
No caso da justa causa para paralisação das obras, podemos aplicar, por derivação, a regra do art. 393/Código Civil, que trata das obrigações inadimplidas se decorrente a inadimplência, da existência de caso fortuito ou força maior. Ou seja, ao incorporador não será imposta a sanção prevista na lei 4.591/1964, em caso de paralisação da obra por tempo superior a 10 dias, se esta decorreu da pandemia do Covid-19.
Este mesmo raciocínio se aplica para o caso da entrega das unidades se darem em data posterior ao contratado, extrapolando também o prazo de carência previsto em Lei, ainda que os contratos estejam submetidos ao Código de Defesa do Consumidor.
Ainda estamos à espera de lei que venha regular as relações entre os particulares no atual contexto da pandemia. Entretanto, podemos asseverar que os prazos contratados, seja em decorrência da incorporação, seja pelos contratos de alienação, serão suspensos pelo interregno que durar a quarentena imposta, o que se estende aos prazos de prenotação.
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Vinícius Gomes é advogado sênior do escritório Bady Curi Advocacia Empresarial.
Fonte: Migalhas de Peso
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