sexta-feira, 10 de abril de 2020

DA LOCAÇÃO IMOBILIÁRIA COMERCIAL EM TEMPOS DE COVID-19


Atualmente, há muita indagação sobre como as relações locatícias comerciais serão afetadas face aos últimos acontecimentos, notadamente o chamado lockdown, ou seja, a suspensão de diversas atividades consideradas não essenciais pelo poder público (no caso do Espírito Santo, o decreto 4.605-R de 20/03/2020 que determinou a suspensão do funcionamento dos estabelecimentos comerciais dentre outros por 15 dias), no intuito de evitar a disseminação do coronavírus, ocasionando um enorme impacto econômico negativo para diversos segmentos empresariais.

De um lado, temos os locatários, que estão impedidos de desenvolver normalmente suas atividades empresariais, seja porque o Estado determinou o fechamento do seu estabelecimento, seja porque, apesar de permitido o funcionamento, o seu empregado não consegue trabalhar por motivos diversos (falta de ônibus, receio de sair à rua e contrair o vírus, doença, etc.), ou, ainda, em razão da queda na demanda. Todos esses fatores, isolada e/ou conjuntamente, reduzem o seu faturamento ou, até mesmo, chegam a zerá-lo, impossibilitando o locatário de arcar com os custos do seu negócio, inclusive o pagamento do aluguel. 

Por outro lado, temos os locadores que, não raras vezes, dependem dos valores percebidos por meio da locação para a sua subsistência. Há ainda os grandes conglomerados de Shoppings Centers, cujas receitas advém, em parte, dos contratos de locação de espaço. 

Fixadas tais premissas, como se resolveria tais questões? Há em nossa legislação solução para os fatos atuais? É possível a redução do valor da locação? Seria possível a rescisão do contrato sem multas? É o que tentaremos analisar neste breve texto. 

O ordenamento jurídico nacional possui uma lei específica para locação imobiliária, lei 8.245/91 que, em seu art. 18, estabelece a possibilidade de revisão do valor do aluguel, caso haja consenso entre as partes.

Da conjugação do referido art. 18 com o art. 393 do Código Civil1 (aplicável supletivamente aos contratos de locação comercial), depreende-se a possibilidade de revisão dos contratos de locação em casos de urgência ou força maior, desde que não haja renúncia ao direito de revisão. Isso porque, conforme dicção do §1º do artigo 54-A, da lei 8.245/91, o locatário pode ter assumido em contrato o risco de arcar com os valores acordados independentemente da ocorrência de eventos extraordinários, como os atuais. Nesse caso, o locatário deverá honrar com os valores pactuados no termo de locação. 

Ajuizada a ação revisional pelo locatário, o art. 68, II, b, da lei de locação, prevê a possibilidade de o magistrado fixar um aluguel provisório, não inferior a 80% do valor já pago, enquanto perdurar a demanda. 

Ainda, a legislação civil pátria, em seus artigos 478, 479 e 480, reforça a possiblidade de revisão dos contratos de execução continuada ou diferida, em situações extraordinárias e imprevisíveis e, caso a prestação se torne extremamente onerosa para uma das partes, a possibilidade de revisão do contrato a fim de readequar o seu valor ou a forma de sua execução, enaltecendo a busca pelo equilíbrio contratual. 

Assim, a análise conjugada dos citados dispositivos asseguram a possibilidade de revisão dos contratos de locação comercial em caso de urgência ou força maior, hipótese que se amolda no contexto fático atual da pandemia do coronavírus. 

O artigo 5672 do Código Civil prevê a possibilidade de resolução do contrato, ou a redução proporcional do aluguel, sem a exigência do prazo de 03 anos previsto no art. 19 da lei de locações, quando, sem culpa, o locatário não puder utilizar o espaço locado3. 

Contudo, no panorama atual, o fechamento do comércio, seja Shopping Center ou locação comercial, é uma determinação do poder público, de modo que os locadores são também partes atingidas pelo caso fortuito ou força maior, fato que pode ser arguido em sua defesa. 

Assim, para sabermos se há efetiva possibilidade de resolução ou redução proporcional do valor da locação e qual o argumento legal a ser utilizado, se deve fazer uma prévia e criteriosa análise dos termos do contrato e da situação fática, a fim de verificar o melhor caminho a ser seguido. 

De toda a forma, certamente não haverá uma solução fácil, pois tal fato nunca ocorreu, não tendo sido enfrentadas tais questões por nosso judiciário que, não obstante isso, certamente conseguirá restabelecer o equilíbrio contratual, caso instado a fazê-lo. 

Diante de todo o exposto, é certo que há incertezas jurídicas, já que as partes envolvidas podem ter direitos colidentes. Assim, em princípio, o melhor caminho, seria a tentativa de uma composição entre locador e locatário4, pautada na boa-fé, de modo que seja possível reduzir o valor da locação, ao menos momentaneamente, sem a resolução do contrato, visando minimizar os impactos sobre a economia regional.
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1 Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

2 Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

3 “... se, durante a locação, se deteriorar a coisa alugada, sem culpa do locatário, a este caberá pedir redução proporcional do aluguel, ou resolver o contrato, caso já não sirva a coisa para o fim a que se destinava”.

4 Neste caso não haveria que se discutir a onerosidade excessiva, prevista no artigo 478 do CC.

5 “Os lojistas de shopping centers ficarão isentos do pagamento de aluguel durante o período em que os estabelecimentos estiverem fechados em razão da pandemia de coronavírus. Essa foi uma das decisões tomadas após negociações entre a Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop) e a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). A medida favorecerá especialmente os pequenos empresários.” (Clique aqui)
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Mário Cezar Pedrosa Soares é mestre em Direito Processual, pós-graduado em Direito Empresarial Pleno e em Administração de Empresas.
Fonte: Migalhas

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