sexta-feira, 22 de maio de 2020

HONORÁRIOS DE CORRETAGEM NA LOCAÇÃO E NA ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS EM TEMPOS DE COVID-19


1. INTRODUÇÃO

A notória pandemia do novo Coronavírus (SARS-CoV-2), as políticas de isolamento social que dela advêm, a consequente desaceleração do mercado imobiliário e as mudanças nas atividades dos profissionais imobiliários têm como corolário a não rara descontinuidade de negócios intermediados por corretor de imóveis. No entanto, a não realização exitosa do negócio em virtude das intempéries da pandemia viral, não é motivo para inadimplência dos honorários devidos à esses profissionais.

Os honorários do corretor de imóveis, mesmo frente à pandemia do novo Coronavírus, não devem deixar de ser devidamente pagos. Tais honorários por serem, em sua forma, de resultado e de contratação, aperfeiçoam-se com o resultado útil da intermediação, fazendo surgir o direito de recebê-los. A contratação é ponto a ser observado, sem ela pode não existir direito de recebimento, mesmo que o negócio seja concretizado. Inclusive, tanto o locador quanto o locatário podem, isolados ou conjuntamente, podem contratar os serviços profissionais do intermediador; aqueles são chamados de partes contratantes, e este de parte contratada.

O importante é que essa contratação seja regular, direta e não duvidosa, proporcionando resultado útil da transação. Dessa forma, "é possível que o corretor receba seus honorários de ambas as partes, desde que cada uma delas tenha ciência do pagamento pela outra, como ocorre, costumeiramente, quando surge a possibilidade de contratação na procura de imóvel para locação ou para a venda".[1] Portanto, o presente texto trata do dever de pagamento dos honorários do corretor de imóveis pelas partes contratantes, caso o resultado útil da transação e da intermediação deste profissional tenha contemplado o compactuado entre as partes, ainda que o negócio em si não tenha êxito.

2. DO DIREITO DO CORRETOR IMOBILIÁRIO DE RECEBER SEUS HONORÁRIOS

Por isso, independentemente de continuidade do negócio, quando for este de trato sucessivo e continuado, não deve restar comprometido o recebimento integral dos honorários de corretagem imobiliária. De mesmo modo se procede caso a descontinuidade do negócio se dê por eventual rescisão contratual decorrente do desistência unilateral da parte contratante, por causas alheias às vontade do corretor de imóveis, que, de sua parte, buscou com seu trabalho e ímpeto o êxito da transação comercial nos termos de seu contrato.

Assim, o corretor de imóveis não pode ser penalizado com o não pagamento de seus honorários por ausência da realização final do negócio imobiliário. Não é outro o mandamento do caput do artigo 725 do Código Civil, cuja previsão é de que "a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes."

Não obstante, é possível existirem descontos e renegociação de percentuais de honorários quando o contrato de locação ou compra e venda de imóveis é interrompido, seja por culpa de uma ou de ambas as partes contratantes. Porém, tal prática de descontos nos honorários do corretor não se justifica, exceto quando a causa do desfazimento do contrato se der por falhas ou defeitos na prestação de seus serviços imobiliários. Caso contrário, poderia fragilizar a relação com o intermediador ao colocá-lo em situação de evidente desvantagem, fazendo nascer a possibilidade de cobrança desses honorários em juízo.

O corretor imobiliário não pode garantir o cumprimento total do contrato, pois seus serviços não se assemelham ao do contrato de seguro, pois a finalidade da corretagem é de aproximar as partes contratantes uma das outras. Por isso, se o contratante no curso de suas obrigações de trato continuado perde o emprego, desfaz sociedade conjugal ou se arrepende do negócio, não deve haver redução no pagamento dos honorários de intermediação negocial do corretor de imóveis.

3. DA RELAÇÃO ENTRE AS ADMINISTRADORAS E OS CORRETORES DE IMÓVEIS E SEUS RESPECTIVOS HONORÁRIOS

Nesta toada, se faz imprescindível ressaltar a relação direta dos corretores de imóveis com as imobiliárias administradoras de imóveis à venda, à locação ou locados. Por essa razão, aqueles que administram locações devem, também, exigir seus honorários integralmente, mesmo diante de eventual possibilidade de acordos entre locatário e locador, comumente alcançados em decorrência da hodierna pandemia de Covid-19.

Só assim poderão continuar honrando pagamento de salários e mantendo empregos de seus funcionários, pois não cabe ao corretor de imóveis suportar o ônus da relação locatícia em paridade com os contratantes quando entre eles for ajustado qualquer redução no valor da locação. Deve ser lembrado, inclusive, que independentemente da possível negociação contratual entre locadores e locatários, a intensidade dos trabalhos na administração dessas locações deve ser a mesma para que a qualidade dos serviços de orientação, cobranças, negociação, análise contratual sejam mantidos.

Além do mais, insta ressaltar que o objeto do contrato de corretagem não é a compra, a venda ou a locação de imóveis, mas apenas serviços de intermediação. O corretor imobiliário não pratica compra e venda ou locação de mercadorias, apenas disponibiliza seus serviços para facilitação da comercialização de bens imóveis. O mestre Pedro Elias Avvard esclareceu seu posicionamento quando expressou que "o objeto do contrato de corretagem, segundo opinião generalizada, é o resultado útil dos serviços do corretor de imóveis, que poderá ser de simples aproximação das partes e/ou eliminação das dificuldades na concretização do negócio visado pelos interessados".[2]

4. DAS LOCAÇÕES E DO ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ

De forma acertada, as locações ainda não sofreram grande intervenção do Poder Público, exceto pela impossibilidade de liminar de despejo por falta de pagamento de aluguéis antes do dia 30 de outubro de 2020[3] para os processos judiciais iniciados a partir de 20/março de 2020, data em que foi promulgado o decreto legislativo reconhecendo estado de calamidade pública no país.[4] Isso porque de outro lado existem locadores que, muitas vezes, dependem desses aluguéis para pagar suas despesas básicas com, por exemplo, plano de saúde, alimentação, medicamentos, transporte e moradia. Obrigar descontos nas locações, como se confabulava, traria flagrante desequilíbrio na relação contratual locador-locatário. O ideal é permitir a livre negociação de valores e descontos entre as partes.

Entretanto, continua possível eventual desfazimento da locação quando fundado em mútuo acordo, infração contratual ou necessidade de realização de reparos urgentes no imóvel determinados pelo Poder Público.[5] Ou ainda quando por extinção de contrato de trabalho ou para uso próprio, de cônjuge ou de descendentes.[6] O texto base do citado Projeto de Lei prevê também a extinção de prazo para desocupação nesse período de pandemia mesmo quando pactuado entre as partes, por demissão do locatário quando seu contrato de locação encontrar-se vinculado a emprego ou quando existir sublocatário no imóvel alugado.

Em Pernambuco, o governo estadual publicou Decreto nº 48.832 de 19 de março de 2020, aditado posteriormente pelo Decreto nº 49.001 de 06 de maio de 2020, que impede os shopping centers e prédios similares de funcionar, exceto para os restaurantes e lojas de alimentação entregar refeições em domicílio. Em decorrência disso, por força do acordo entre a Associação Brasileira de Lojistas de Shopping Center (Alshop) e a Associação Brasileira de Shopping Center (Abrasce), os lojistas estão isentos de pagamento de seus aluguéis enquanto perdurar a pandemia do Coronavírus.

Destarte, quanto a possibilidade de não pagamento dos honorários do corretor de imóveis em decorrência da resolução da locação, sem que o intermediador tenha dado causa ao desfazimento, mas decorrente apenas do interesse de uma ou de ambas as partes contratantes, cita-se um muitíssimo recente entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na ocasião do julgamento do REsp. 1.783.074, a Ministra Nancy Andrighi afirmou que se “o negócio foi posteriormente desfeito, sem qualquer contribuição das corretoras para a não consolidação do negócio, isto é, o arrependimento da contratante deu-se por fatores alheios à atividade das intermediadoras. Destarte, a comissão de corretagem é devida, na espécie.”[7]

Assim, os motivos sub examine e citados no julgado em nada justificam o não pagamento dos honorários de corretagem. Salvo, conforme outro julgado da mesma corte Superior, se o arrependimento da parte contratante estiver motivado em falta profissional do intermediador do negócio imobiliário, cuja “negociação se revele precária e incompleta”.[8]

Portanto, se o desfazimento posterior pelas partes contratantes do negócio intermediado é imotivado ou motivado por razões alheias à vontade do corretor de imóveis e ao desempenho do seu trabalho, lhe é devida a íntegra dos honorários de corretagem. Lado outro, excepcionalmente, quando motivada por falta de diligência do corretor de imóveis, o cabimento dos honorários pode ser questionado em juízo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, não restam dúvidas legais, doutrinárias ou jurisprudências acerca do direito do corretor de imóveis em receber seus honorários, sem sofrer quaisquer descontos ou penalidades por negócios desfeitos, sobretudo por negócios desfeitos por razões da pandemia do novo Coronavírus.

Sendo assim, cada locação deve ser tratada isoladamente, analisada caso a caso para não haver injustiça, alcançando sempre a mediação dos interesses das partes conflitantes. Como disse o mestre Rui Barbosa, parafraseando a máxima aristotélica: “a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real".[9]

BIBLIOGRAFIA

AVVARD, Pedro Elias. Direito Imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

BARBOSA, Rui. Oração aos moços. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 39.

MENDONÇA, Petrus Leonardo. Contrato de Corretagem Imobiliária: questões práticas e jurídicas. Recife: edição do autor, 2017.

[1] MENDONÇA, Petrus Leonardo. Contrato de Corretagem Imobiliária: questões práticas e jurídicas. Recife: edição do autor, 2017. p. 126.

[2] AVVARD, Pedro Elias. Direito Imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 660.

[3] O Projeto de Lei que prevê tal impossibilidade, na data de publicação desse artigo, ainda tramita na Câmara dos Deputados sob o nº 1179/2020.

[4] Decreto Legislativo nº 6 de 2020, publicado no Diário Oficial da União em 20/03/2020.

[5] Lei nº 8.245/91, art. . A locação também poderá ser desfeita: [...] IV - para a realização de reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-las.

[6] Lei nº 8.245/91, art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga - se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel: [...] II - em decorrência de extinção do contrato de trabalho, se a ocupação do imóvel pelo locatário relacionada com o seu emprego; III - se for pedido para uso próprio, de seu cônjuge ou companheiro, ou para uso residencial de ascendente ou descendente que não disponha, assim como seu cônjuge ou companheiro, de imóvel residencial próprio.

[7] Superior Tribunal de Justiça - Recurso Especial nº 1.783.074/SP. Relatora: Min. Nancy Andrighi - Terceira Turma. Julgado em: 12 nov. 2019.

[8] Superior Tribunal de Justiça - Recurso Especial nº 1.272.932/MG. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em: 26 set. 2017.

[9] BARBOSA, Rui. Oração aos moços. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 39.

Petrus Mendonça - Professor de direito e legislação imobiliária, Advogado especialista em direito imobiliário pela UFPE, perito judicial e avaliador imobiliário, parecerista e escritor.
Fonte: Artigos JusBrasil

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