Não há dúvidas de que as medidas implantadas pelo governo determinando o isolamento social, a suspensão de atividades não essenciais e o distanciamento social para impedir a disseminação da pandemia da Covid-19 são essenciais para a proteção da saúde da população e necessárias para evitar o colapso do sistema de saúde nacional.
Por outro lado, não se pode negar que tais medidas refletem também na atividade econômica do país e, nesse ponto, os impactos são mais negativos, principalmente na saúde econômico-financeira das empresas, afinal muitos empresários não estão conseguindo gerar qualquer tipo de receita e, em contrapartida, suas despesas foram mantidas e até mesmo agravadas, por conta da pandemia. Somada aos reflexos da crise econômica das empresas, temos ainda uma economia com milhões de brasileiros desempregados e na informalidade
Nesse contexto provocado pela Covid-19, os contratos de locação, tanto comercial quanto residencial, tornam-se protagonistas nas discussões acerca da possibilidade ou não da sua revisão e até mesmo na possibilidade de exoneração do locatário quanto às obrigações assumidas.
A lei de locação não aborda o tema diretamente, de modo que quando recorremos ao Código Civil, vislumbramos a possibilidade de revisão contratual diante da imprevisibilidade do acontecimento.
Tal revisão depende, pois, da existência de "fato superveniente, diante de uma imprevisibilidade somada a uma onerosidade excessiva" (TARTUCE Flávio. Direito Civil, v. 2: direitos das obrigações e responsabilidade civil, 8ª ed.,Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método; 2013. p. 129).
Importante pontuar que o contrato de locação é bilateral, na medida em que determina prestação e contraprestação a ambas as partes contratantes, quais sejam a disponibilização de bem imóvel mediante o pagamento dos alugueres, além de ser comutativo e de execução continuada.
Dessa forma, a possibilidade de revisão contratual prevista no artigo 317 do Código Civil, cumulada com os princípios da boa-fé e função social do contrato, implica na revisão dos valores, mas não na sua completa exoneração.
Isso porque a pandemia atinge ambas as partes, de modo que não há como simplesmente desobrigar o locatário a pagar o aluguel, considerando que o locador também é atingido pela crise e cumpre regularmente a sua obrigação, que é disponibilizar o imóvel em favor do locatário.
Nas relações contratuais privadas de qualquer natureza deve ser observado o princípio da boa-fé, do qual se extrai não apenas o dever de lealdade entre as partes, mas também a indispensável cooperação e o dever de proteção ao outro contratante, o que se traduz em seu auxílio em momento de grave anormalidade para a consecução do objeto contratual.
Diante do cenário provocado pelo coronavírus, a renegociação amigável do contrato é a melhor solução, pois ambas as partes podem expor suas necessidades e chegar a um consenso sobre os termos do contrato, e em especial a redução do valor do aluguel.
Caso não seja possível essa conciliação, caberá ao Judiciário intervir nas relações privadas para equilibrar os prejuízos provocados pela pandemia.
Pelas decisões recentes, a maior parte do Judiciário vem reconhecendo a Covid-19 como evento de força maior, contudo, isso não significa dizer que os juízes estão deferindo decisões impondo a redução do aluguel. Pelo contrário, temos decisões em todos os sentidos, destacando-se, contudo, a necessidade de comprovação efetiva de como a pandemia está atingindo determinada relação contratual, pois, conforme já dito, a pandemia atinge ambas as partes contratantes, necessitando, portanto, evidenciar o desequilíbrio contratual provocada pela crise.
Por fim, outro problema que se observa quando à discussão é levada para o Judiciário é a ausência de critérios objetivos quanto aos valores fixados pelos magistrados, o que gera uma insegurança jurídica ainda maior para a manutenção das atividades econômicas no país, ainda mais que sabemos como será consolidada a matéria no decorrer do tempo.
Danielle Silva Fontes Borges de Freitas é advogada consultiva do escritório Azevedo Sette Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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