Os contratos, de modo geral, são negócios jurídicos constituídos através do acordo de vontade das partes envolvidas, que estabelecem os parâmetros nos quais seu vínculo estará pautado.
Tal acordo de vontades pode dispor da denominada "Cláusula de Renovação Automática", que visa coibir a instabilidade em determinadas relações contratuais, ou seja, busca-se proteger tanto o locador como o empresário e a atividade empresarial por ele desenvolvida, permitindo que o empresário planeje a atividade empresarial de acordo com a projeção de demanda e capacidade.
Decorrido o prazo estipulado, a relação contratual chegará a seu termo e estará extinta a eficácia do negócio jurídico. A cláusula é convencionada entre as partes de forma que esteja subordinada a um determinado acontecimento, que pode ser (i) certo, quando há determinação de data ou prazo para a cessão dos efeitos do ato negocial, como ocorre no caso em tela, ou (ii) incerto, quando a data for indeterminada.
Conceituando, a Cláusula de Renovação Automática é a estipulação contratual que decorre da vontade das partes, por meio da qual se determina que, não havendo prévia notificação pelas partes no período estipulado contratualmente, considera-se automaticamente renovado o contrato de locação.
Vale ressaltar que tal disposição não é abusiva, sendo reconhecida sua validade[1] e objetivo de proteger ambas as partes, concomitantemente, por meio da estabilidade das obrigações, preservando a função social do contrato. Mais ainda, a inexistência de tal previsão pode inviabilizar o próprio contrato, já que a ausência de garantia de sua continuidade após o transcurso do prazo acordado poderia implicar prejuízos tanto a uma parte quanto à outra.
Quando não há nenhuma estipulação no contrato que determine um prazo para o locador notificar a locatária da sua intenção de retomar o imóvel ou desta notificar o locador de sua intenção de colocar fim à locação, é entendimento dos tribunais de que a notificação prévia e tempestiva do locador conduz ao encerramento do contrato ao seu término, ensejando a ação de despejo para retomada do imóvel.
Assim, o ideal seria que sempre houvesse estipulação contratual que dispusesse a respeito do prazo para que o locador realizasse tal notificação[2], justamente para garantir a função social do contrato mencionada acima, tendo prejudicado a garantia da continuidade do contrato após o transcurso do prazo acordado, o que acabou por implicar em prejuízos para a locatária.
Observa-se, ainda, que os negócios jurídicos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé objetiva[3], de acordo com a qual devemos substituir o ponto de vista relevante, posicionando, no ambiente delimitado, não as partes do negócio jurídico, mas sim um modelo de pessoa razoável para averiguar qual sentido tal pessoa atribuiria à relação negocial, nas mesmas circunstâncias em que se encontravam declarante e declaratório verdadeiros.
Assim, recorrer-se-ia a um padrão de conduta honesto e leal, de modo a estabelecer conexão entre respeito mútuo e princípio da confiança[4]. Este visa proteger a confiança despertada em outrem, de modo que as decisões não ficariam adstritas apenas no que se encontra consubstanciado no sentido literal da linguagem escrita, mas sim em suas intenções[5]
Também é importante destacar que a cláusula de renovação automática é intimamente ligada à Ação Renovatória. Esta, de acordo com o disposto no artigo 51 da Lei nº 8.245/1991[6], dispõe que para que seja concedida judicialmente a renovação da locação, é necessária a presença de três requisitos no negócio jurídico, quais sejam: (I) o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado; (II) o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos; e (III) o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos. Sendo assim, é imprescindível a existência desses três requisitos para que a sublocatária possa exercer judicialmente o direito à renovação.
Portanto, podemos concluir que a utilização da Cláusula de Renovação Automática nos contratos de locação comercial traz inequívocos benefícios para as partes, na hipótese de renovação, desde que o aluguel praticado atenda aos interesses de locador e locatário e o contrato seja firmado respeitando o princípio da confiança e boa-fé objetiva, prevalecendo o respeito mútuo entre contratantes.
[1]LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL – AÇÃO DE DESPEJO – CLÁUSULA DE RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA PREVISTA NO CONTRATO – VALIDADE
- É válida e eficaz a cláusula contratual que, livre e espontaneamente firmada pelas partes, estabelece a possibilidade de renovação automática do contrato, desde que nenhuma das partes comunique, por escrito, a desistência desse direito, no prazo máximo de 210 – duzentos e dez – dias antes do término do contrato. Condição simplesmente potestativa. Não observado, no caso, o prazodecadencial para a notificação premonitória da outra parte, considerar-se-á renovado o contrato, período durante o qual não poderá o locador reaver o imóvel, nos termos do art. 4º, da Lei nº 8.425/91, em observância aos princípios da boa-fé e da probidade. Inteligência dos artigos 421 e 422 do Código Civil. Recurso conhecido e não provido. (TJ-PR – Ap. Cível 1.108.144-2 – Relª Desª Rosana Amara Girardi Fachin – Publicado em 13-3-2014).
[2] LOCAÇÃO DE IMÓVEIS – AÇÃO RENOVATÓRIA – CONTRATO COM PREVISÃO EXPRESSA DE RE NOVAÇÃO AUTOMÁTICA – AUSÊNCIA DE PROVA DE MANIFESTAÇÃO DE DESACORDO PELA PARTE NO PRAZO PREVISTO NA AVENÇA – AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL – SENTENÇA MANTIDA. Na esteira de entendimento reiterado desta C. Corte, na medida em que o contrato entabulado pelas partes possui cláusula expressa de renovação automática da locação, e não existindo prova de manifestação contrária por qualquer dos contratantes, no prazo previsto na avença para tanto, carece a locatária de interesse processual para a presente demanda, cabendo-lhe buscar a via adequada para rediscutir os termos do pacto – Apelo improvido. (TJ-SP – 35ª. CCC – Rel. José Malerbi – Apelação Cível nº 0001947-14.2008.8.26.0486 – julgado em 18/2/2013).
[3] Interpretar o negócio jurídico de acordo com a boa-fé objetiva é, em última análise, substituir o ponto de vista relevante, posicionando, no ambiente previamente delimitado (contexto situacional), não a parte ou as partes do negócio jurídico, não o declarante ou o destinatário da declaração negocial, mas sim um modelo de pessoa imaginária, normal, razoável, com o fito de averiguar o sentido em que essa pessoa abstrata atribuiria à declaração negocial, nas mesmas circunstâncias em que se encontravam declarante e declaratário verdadeiros.
Recorrer a uma pessoa razoável, normal, equivale a ter em mente o padrão de conduta honesto e leal para com a contraparte ou para com os terceiros interessados, isto é, o modelo de comportamento social que seria de se esperar de alguém que estivesse no mesmo lugar da parte. - Francisco Paulo de Crescenzo Marino - "Interpretação do Negócio Jurídico" - Editora Saraiva - p.185.
[4] Larenz também relaciona a boa-fé ao princípio da confiança, dizendo que, de acordo com a boa-fé, deve-se proteger a confiança despertada em outrem, quando efetivamente este acreditou nela e quando ela é imputável a quem a originou (isto é, quando aquele que lhe deu causa sabia ou devia saber que o outro iria confiar). Todavia, a boa-fé ultrapassa o princípio da confiança, exigindo "respeito mútuo, sobretudo nas relações jurídicas que requerem larga e contínua colaboração, respeito ao outro também no exercício dos direitos e, em geral, o comportamento que se pode esperar entre os sujeitos que intervêm honestamente no tráfico" - Francisco Paulo de Crescenzo Marino - "Interpretação do Negócio Jurídico" - Editora Saraiva - p.186
[5] Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
[6] Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:
I - o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;
II - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;
III - o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.
§ 1º O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou sucessores da locação; no caso de sublocação total do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário.
§ 2º Quando o contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para as atividades de sociedade de que faça parte e que a esta passe a pertencer o fundo de comércio, o direito a renovação poderá ser exercido pelo locatário ou pela sociedade.
§ 3º Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios, o sócio sobrevivente fica sub - rogado no direito a renovação, desde que continue no mesmo ramo.
§ 4º O direito a renovação do contrato estende - se às locações celebradas por indústrias e sociedades civis com fim lucrativo, regularmente constituídas, desde que ocorrentes os pressupostos previstos neste artigo.
§ 5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.
Fonte: Paula Leite - Artigos JusBrasil
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