A Arbitragem tem como característica ser um Instituto do Direito, que se baseia no princípio da autonomia da vontade das partes, reservado a solucionar litígios decorrentes de negócios que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, e que se operacionaliza com a convenção da clausula compromissória.
Essa oportunidade de exercício da autonomia da vontade pelas partes surge no momento da elaboração do contrato, e em substituição a tradicional clausula de eleição do foro, quando as partes convencionam a opção pela arbitragem e a forma pela qual o procedimento será administrado, para o que é suficiente a indicação da administradora do procedimento, cujo ideal é ser uma entidade especializada na área do litígio.
Por tratar-se de uma alternativa legal de solução de conflitos no ambiente dos direitos patrimoniais disponíveis, notória é a amplitude de sua abrangência, o que incontestavelmente contempla a área dos negócios imobiliários, que, por sua essência, envolve uma grande diversidade de pessoas e atividades, em uma vasta cadeia de relações que propiciam a ocorrência de variados problemas.
É fácil visualizar a utilização da arbitragem nos mais diversos tipos de contratos, sejam eles de compra e venda, inclusive de financiamentos, permuta, incorporação, construção, empreitadas, locação entre as administradoras e seus clientes, convenções de condomínios, danos morais, indenizatórias, responsabilidade civil, built to sui (construção por encomenda que integra contratos de compra e venda aos de locação a longo prazo no qual o imóvel é construído para atender os interesses do locatário, já pré-determinado) e, sob muita resistência dos usuários e de parte da doutrina, nos contratos de alienação fiduciária de imóveis, cuja aplicação tem como base legal o texto instituidor do Sistema Financeiro Imobiliário, Lei 9.514 de 20/11/1997*, que em seu art. 34, prevê explicitamente que, relativamente aos litígios decorrentes de sua aplicação, podem os contratantes estipular cláusula compromissória.
Esse aspecto merece detalhamento.
É necessário lembrar que, nos contratos de adesão, cuja predominância é previsível no âmbito do SFI, será apenas relativa a eficácia vinculativa da cláusula compromissória, posto que continua sendo considerada abusiva, a convenção de arbitragem firmada sem o consentimento expresso do consumidor.
A grande polêmica que envolve a aplicação da arbitragem nos contratos de alienação fiduciária vincula-se a uma suposta vedação da utilização do instituto, em contratos tipificados como de adesão. Em apertada síntese, certo é que nos contratos de adesão o que se veda é a utilização compulsória da arbitragem, e não a sua utilização quando consentida. De fato, o que ocorre é que a cláusula arbitral fica sujeita a uma condição suspensiva: só terá eficácia se o aderente aceitar posteriormente a arbitragem, ficando o proponente na dependência dessa aceitação futura.
Como se vê, alguns aspectos da cultura de solução de conflitos estabelecida no Brasil devem ser revistos. E essa revisão já começa a ser identificada na posição que os tribunais vêem adotando.
Em acórdão datado de 2006, o Tribunal de Justiça do Paraná firmou o seguinte entendimento, no julgamento de um contrato de Compra e Venda de Imóvel, em loteamento, com previsão de utilização da arbitragem:
Cláusula Compromissória e a Boa-Fé (art. 422 do CC) " A posição das partes ao estabelecerem a Cláusula compromissória é de partes em colaboração. O que ambas buscam é criar mecanismo que seja aplicável à solução de controvérsias quando esta venha a surgir... Sendo a cláusula compromissória de natureza contratual, o art. 433 do CC se aplica integralmente..." TJPR-AP. Ap.Cível nº 298297-6 Julg. 20.09.2006
Tal entendimento também foi adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em acórdão datado de 2008, referente a um contrato de Compra e Venda de Imóvel, que previa cláusula compromissória:
Ap. Cível 2008.001.30250 15ª CC TJ-RJ -J. 01.07.2008 _" Cláusula que ao contrário do disposto na sentença não tem, obrigatoriamente, de ser instituída em documento apartado......... Obrigatoriedade de as partes submeterem seu litígio ao juízo arbitral conforme manifestação de vontade posta no ato de contratação...."
Um levantamento recente da Fundação Getúlio Vargas junto às cinco principais câmaras de arbitragem do País comprova que a utilização da arbitragem cresceu 42% em relação ao ano anterior. O mesmo ritmo de evolução, porém, não foi constatado na utilização do instrumento para compra e venda de imóveis, embora o mercado imobiliário seja justamente um dos que mais acumula processos na área cível segundo pesquisa recente do Conselho Nacional de Justiça.
É provável que a falta de divulgação e de informação a respeito do procedimento seja algumas das explicações para menor adesão nesse segmento, a despeito do potencial de utilização da arbitragem para equacionar conflitos de consumo, mesmo considerando a característica da clausula compromissória valer sob condição suspensiva, inerente a esse tipo de contrato.
No caso específico do mercado imobiliário, que é uma área propícia a gerar conflitos complexos em razão da enorme gama de participantes na cadeia dos relacionamentos que envolve, as ações judiciais podem durar cerca de dez anos, enquanto que nas câmaras arbitrais a solução varia entre seis meses a dois anos. Esse fato, por si só, justificaria investir na arbitragem, mesmo dependendo da confirmação posterior da parte, quanto a sua utilização, como fator de consolidação de uma nova cultura que, sem dúvida, se assimilada pelo adquirente, transformaria o cenário de solução de conflitos no ambiente dos negócios imobiliários, no Brasil, a exemplo do que se constata nos EUA, onde o instituto é fartamente utilizado.
Nesse contexto, algumas barreiras precisam ser superadas. A principal delas é o receio das empresas de bater de frente com os direitos do consumidor ao propor a arbitragem nos contratos de compra e venda. A cautela se justifica. Há vários dispositivos no Código de Defesa do Consumidor explicitando que as deliberações referentes à relação jurídica de consumo não podem ser tomadas unilateralmente por qualquer das partes. Mas é um equívoco achar que as questões que envolvem direitos do consumidor não podem ser solucionadas por arbitragem.
A expansão da utilização da arbitragem no setor esbarra, ainda, na falta de informação sobre os custos de um processo desse tipo. Normalmente, o valor das despesas (administrativas e honorários) vincula-se ao valor da causa em percentual, sendo que quanto maior o valor em disputa, menor o percentual cobrado. Chama-se a atenção para o fato de que quando os custos são incompatíveis com a capacidade de pagamento do comprador, a cláusula arbitral não pode ser utilizada por força dos mecanismos de proteção ao consumidor, mas frisa-se: é mito achar que o procedimento arbitral é demasiadamente oneroso e só abrange grandes negócios.
Assim, na construção de um novo padrão cultural, viabilizado pela formação da consciência coletiva e adaptado as exigências de um mundo caracterizado pelas diferenças sócio-culturais, a arbitragem como clausula dos contratos decorrentes dos negócios imobiliários deve ser pensada como um projeto de comportamento social, que poderá se ajustar as especificidades da complexa sociedade contemporânea, e se destacar como elemento estrutural para a solução de conflitos imobiliários, o que fará com que a sociedade brasileira se alinhe aos países que adotam as mais avançadas técnicas de solução de conflitos patrimoniais.
Angela Buonomo Mendonça - Advogada associada ao escritório Nelson Schver Advogados, especializado em negócios imobiliários e contencioso imobiliário.
NOTA DO EDITOR: A Lei 13.129 de 26 de maio de 2015, altera a Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.
*Clique no link abaixo para acessar a íntegra da Lei 13.129/2015:
Essa oportunidade de exercício da autonomia da vontade pelas partes surge no momento da elaboração do contrato, e em substituição a tradicional clausula de eleição do foro, quando as partes convencionam a opção pela arbitragem e a forma pela qual o procedimento será administrado, para o que é suficiente a indicação da administradora do procedimento, cujo ideal é ser uma entidade especializada na área do litígio.
Por tratar-se de uma alternativa legal de solução de conflitos no ambiente dos direitos patrimoniais disponíveis, notória é a amplitude de sua abrangência, o que incontestavelmente contempla a área dos negócios imobiliários, que, por sua essência, envolve uma grande diversidade de pessoas e atividades, em uma vasta cadeia de relações que propiciam a ocorrência de variados problemas.
É fácil visualizar a utilização da arbitragem nos mais diversos tipos de contratos, sejam eles de compra e venda, inclusive de financiamentos, permuta, incorporação, construção, empreitadas, locação entre as administradoras e seus clientes, convenções de condomínios, danos morais, indenizatórias, responsabilidade civil, built to sui (construção por encomenda que integra contratos de compra e venda aos de locação a longo prazo no qual o imóvel é construído para atender os interesses do locatário, já pré-determinado) e, sob muita resistência dos usuários e de parte da doutrina, nos contratos de alienação fiduciária de imóveis, cuja aplicação tem como base legal o texto instituidor do Sistema Financeiro Imobiliário, Lei 9.514 de 20/11/1997*, que em seu art. 34, prevê explicitamente que, relativamente aos litígios decorrentes de sua aplicação, podem os contratantes estipular cláusula compromissória.
Esse aspecto merece detalhamento.
É necessário lembrar que, nos contratos de adesão, cuja predominância é previsível no âmbito do SFI, será apenas relativa a eficácia vinculativa da cláusula compromissória, posto que continua sendo considerada abusiva, a convenção de arbitragem firmada sem o consentimento expresso do consumidor.
A grande polêmica que envolve a aplicação da arbitragem nos contratos de alienação fiduciária vincula-se a uma suposta vedação da utilização do instituto, em contratos tipificados como de adesão. Em apertada síntese, certo é que nos contratos de adesão o que se veda é a utilização compulsória da arbitragem, e não a sua utilização quando consentida. De fato, o que ocorre é que a cláusula arbitral fica sujeita a uma condição suspensiva: só terá eficácia se o aderente aceitar posteriormente a arbitragem, ficando o proponente na dependência dessa aceitação futura.
Como se vê, alguns aspectos da cultura de solução de conflitos estabelecida no Brasil devem ser revistos. E essa revisão já começa a ser identificada na posição que os tribunais vêem adotando.
Em acórdão datado de 2006, o Tribunal de Justiça do Paraná firmou o seguinte entendimento, no julgamento de um contrato de Compra e Venda de Imóvel, em loteamento, com previsão de utilização da arbitragem:
Cláusula Compromissória e a Boa-Fé (art. 422 do CC) " A posição das partes ao estabelecerem a Cláusula compromissória é de partes em colaboração. O que ambas buscam é criar mecanismo que seja aplicável à solução de controvérsias quando esta venha a surgir... Sendo a cláusula compromissória de natureza contratual, o art. 433 do CC se aplica integralmente..." TJPR-AP. Ap.Cível nº 298297-6 Julg. 20.09.2006
Tal entendimento também foi adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em acórdão datado de 2008, referente a um contrato de Compra e Venda de Imóvel, que previa cláusula compromissória:
Ap. Cível 2008.001.30250 15ª CC TJ-RJ -J. 01.07.2008 _" Cláusula que ao contrário do disposto na sentença não tem, obrigatoriamente, de ser instituída em documento apartado......... Obrigatoriedade de as partes submeterem seu litígio ao juízo arbitral conforme manifestação de vontade posta no ato de contratação...."
Um levantamento recente da Fundação Getúlio Vargas junto às cinco principais câmaras de arbitragem do País comprova que a utilização da arbitragem cresceu 42% em relação ao ano anterior. O mesmo ritmo de evolução, porém, não foi constatado na utilização do instrumento para compra e venda de imóveis, embora o mercado imobiliário seja justamente um dos que mais acumula processos na área cível segundo pesquisa recente do Conselho Nacional de Justiça.
É provável que a falta de divulgação e de informação a respeito do procedimento seja algumas das explicações para menor adesão nesse segmento, a despeito do potencial de utilização da arbitragem para equacionar conflitos de consumo, mesmo considerando a característica da clausula compromissória valer sob condição suspensiva, inerente a esse tipo de contrato.
No caso específico do mercado imobiliário, que é uma área propícia a gerar conflitos complexos em razão da enorme gama de participantes na cadeia dos relacionamentos que envolve, as ações judiciais podem durar cerca de dez anos, enquanto que nas câmaras arbitrais a solução varia entre seis meses a dois anos. Esse fato, por si só, justificaria investir na arbitragem, mesmo dependendo da confirmação posterior da parte, quanto a sua utilização, como fator de consolidação de uma nova cultura que, sem dúvida, se assimilada pelo adquirente, transformaria o cenário de solução de conflitos no ambiente dos negócios imobiliários, no Brasil, a exemplo do que se constata nos EUA, onde o instituto é fartamente utilizado.
Nesse contexto, algumas barreiras precisam ser superadas. A principal delas é o receio das empresas de bater de frente com os direitos do consumidor ao propor a arbitragem nos contratos de compra e venda. A cautela se justifica. Há vários dispositivos no Código de Defesa do Consumidor explicitando que as deliberações referentes à relação jurídica de consumo não podem ser tomadas unilateralmente por qualquer das partes. Mas é um equívoco achar que as questões que envolvem direitos do consumidor não podem ser solucionadas por arbitragem.
A expansão da utilização da arbitragem no setor esbarra, ainda, na falta de informação sobre os custos de um processo desse tipo. Normalmente, o valor das despesas (administrativas e honorários) vincula-se ao valor da causa em percentual, sendo que quanto maior o valor em disputa, menor o percentual cobrado. Chama-se a atenção para o fato de que quando os custos são incompatíveis com a capacidade de pagamento do comprador, a cláusula arbitral não pode ser utilizada por força dos mecanismos de proteção ao consumidor, mas frisa-se: é mito achar que o procedimento arbitral é demasiadamente oneroso e só abrange grandes negócios.
Assim, na construção de um novo padrão cultural, viabilizado pela formação da consciência coletiva e adaptado as exigências de um mundo caracterizado pelas diferenças sócio-culturais, a arbitragem como clausula dos contratos decorrentes dos negócios imobiliários deve ser pensada como um projeto de comportamento social, que poderá se ajustar as especificidades da complexa sociedade contemporânea, e se destacar como elemento estrutural para a solução de conflitos imobiliários, o que fará com que a sociedade brasileira se alinhe aos países que adotam as mais avançadas técnicas de solução de conflitos patrimoniais.
Angela Buonomo Mendonça - Advogada associada ao escritório Nelson Schver Advogados, especializado em negócios imobiliários e contencioso imobiliário.
NOTA DO EDITOR: A Lei 13.129 de 26 de maio de 2015, altera a Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, e a Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, para ampliar o âmbito de aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem, a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta arbitral e a sentença arbitral, e revoga dispositivos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.
*Clique no link abaixo para acessar a íntegra da Lei 13.129/2015:
Nenhum comentário:
Postar um comentário