A nova etapa do programa de habitação federal Minha Casa, Minha Vida (MCMV) está sendo desenhada, mas o foco principal será as grandes cidades, segundo informou o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, em reunião com entidades da construção civil no dia 28 de janeiro.
Ainda não há uma data para o lançamento da nova etapa – cuja meta é construir 3 milhões de unidades habitacionais a partir de 2015, segundo a presidente Dilma Rousseff. Especialistas consultados pelo iG veem com bons olhos o novo foco, apesar de alertar que pode ser desafiante e ficar mais caro. Kassab afirmou ainda que não haverá cortes orçamentários.
O economista Alberto Ajzental, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV), que atua no mercado imobiliário há 30 anos, afirma que apostar no desenvolvimento do programa nos grandes centros não faz sentido. “Do ponto de vista econômico, nada poderá ser feito com o mesmo orçamento e com a estrutura de transporte de massa que temos. Os terrenos são inviáveis nessas localidades porque elevam muito o preço da unidade."
Ajzental afirma que uma solução seria que prefeituras e estados entrassem fortemente nas desapropriações de áreas e disponibilizassem para construção das unidades. "Essa seria uma forma de subsídio essencial para viabilizar a ideia.”
Outro ponto levantado pelo economista, é o investimento em transporte de qualidade. "Habitação precisa de terreno e isso está ligado ao transporte público. Nossas cidades são compactadas. Todas as pessoas querem estar no mesmo lugar. Por que? Porque são lugares privilegiados, com infraestrutura. Se tivermos transporte bom, não precário como vemos em todas as capitais, você pode estar a 40 km do centro, mas chega em 15 minutos. Quanto mais longe você consegue ir, mais área você ganha. O programa precisa articular esferas de governo e também investir em mobilidade para encurtar distâncias com tecnologia e dar conforto mínimo à população.”
Já na análise de Luís Portella, advogado especializado em direito imobiliário, urbanístico e registral e autor do livro A Função Social da Propriedade Urbana, a escolha pelo foco nas grandes cidades é uma boa ideia, apesar de concordar que a falta de terrenos nos grandes aglomerados urbanos eleva substancialmente os valores. “Imaginamos que até 40% do valor do orçamento de construção é consumido pelo terreno, restando 60% para a edificação, quando na realidade o certo seria 10% pelo terreno e o restante pela edificação”, afirma Portella.
“A falta de habitação está fortemente concentrada nas regiões metropolitanas, onde a população se aglomera em favelas e ocupações irregulares. Esses são os destinatários do MCMV com renda familiar de até três salários mínimos." Para Portella, a escolha do governo atacaria o macro problema da região, mas não resolveria o déficit habitacional.
Renato Ventura, diretor-executivo da Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc), a expectativa produtiva é muito positiva. "A continuidade do programa é importante para garantir acesso aos mutuários. Acreditamos que vão haver reajustes nas faixas do programa para ajustar valores. A grandes regiões demanda atenção pelas quantidade de pessoas em sub-moradia, mas entendemos que as demandas são gerais, para todo o Brasil."
Para Leandro Caramel, superintendente de atendimento da Habitcasa, o programa é um grande indutor econômico do setor e muito importante para gerar emprego e
"O mercado imobiliário atua nos faixa 2 [para famílias com renda de 2 até 6 salários mínimos] e 3 [para famílias com renda de 3 até 10 salários]. Hoje a dificuldade de terreno existe, mas é menor do que no faixa 1 porque não depende do repasse do terreno, mas do pagamento dos clientes, custos de cartórios, juros, créditos."
Caramel ressalta que ainda assim são produtos difíceis de ser concebidos com o atual preço dos terrenos. "Nessa faixa, especula-se que deve haver aumento do valor limítrofe dos imóveis de R$ 190 mil para algo acima de R$ 200 mil. Essa elevação de limite facilitaria um ingresso de fatia maior da população."
“Programa teve grandes avanços, mas precisa articulação entre esferas de poder”
Para Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), pesquisadora do setor de construção e habitação, a questão da terra tornou-se uma grande dificuldade para cumprimento de metas do programa.
“Essa questão de preço dos terrenos é crucial. O Rio de Janeiro e São Paulo se destacam pela falta de terrenos que sejam compatíveis com a construção do Faixa 1. Nesses casos, é preciso uma articulação das esferas municipais, estaduais e federais. Essa união é fundamental. Espero que ela aconteça nessa fase. De qualquer forma acredito que essa é a evolução do programa. É uma boa ideia, se o planejamento for bem feito."
Ana Maria lembra que em 2009 o programa surgiu com dois objetivos claros: estimular a economia diante da crise econômica mundial que ganhava força e, simultaneamente, combater o déficit habitacional. “O governo cumpriu plenamente o papel de estímulo à economia e é inegável que esteja avançando na diminuição do déficit. Mas desde aquela época as dificuldades são enormes. Até porque estamos falando em milhares de unidades habitacionais, isso não é algo simples. É preciso melhorar as questões burocráticas (projetos, licenciamentos, cartórios, construção de infraestrutura, melhoria de transporte). O trabalho de aprimorar os mecanismos já começou a ser feito.”
A especialista afirma que a única forma de realizar um grande trabalho é reduzir a demanda social, diminuir a desigualdade. “Enquanto o Faixa 1 anda nesse sentido – e isso só é possível porque há subsídio para a baixa renda, é esse mecanismo que possibilita avanços entre as desigualdades do Brasil – as faixas 2 e 3 também combatem o déficit habitacional, que é composto por quem pode pagar por sua moradia. No Faixa 1 é preciso atentar para criar projetos em lugares que estão dentro das cidades e não na periferia da periferia, em lugares que não existem no mapa.”
Ana Maria alerta que o déficit habitacional vai além da baixa renda. “Os ciclos de média e alta renda foram atendidos até 2014 com as milhares de unidades construídas nos últimos anos. Os mecanismos para isso, o governo tem, mas precisa fortalecer. São eles: crédito, alongamento de prazos, linhas especiais de financiamento, recursos do FGTS, desburocratizar registros e cartórios.”
O maior acerto do MCMV, diz a pesquisadora, foi pensar num sistema que resolveu a questão social. “Para a baixa renda que o programa atende, não tem como fazer sem subsídio. Esse é um grande acerto e faz parte da política habitacional.” Sobre os erros, ela contextualiza: “houve uma curva de aprendizado. A questão da terra, a pressão exagerada dos preços, deveria ter sido algo cujo efeito das consequências tinha de ser antecipado e equacionado. É preciso fazer isso agora, com a articulação, com prefeituras e estados que pensem na melhoria social, com moradia digna, e cedam terrenos nessa articulação. Isso precisa ser muito melhorado.
Sobre o crescimento do déficit habitacional, atrelado ao aumento do número das famílias, Ana Maria sentencia. “Segundo a PNAD 2012, o déficit habitacional em 2014 era de 5 milhões de moradias. Em 2024 será de 20 milhões, pois as estimativa é de que surjam 16,8 milhões de novas famílias. Precisa mudar a escala de planejamento e saber que nem tudo será resolvido pelo MCMV. Necessidades habitacionais vão além da baixa renda. Por isso é preciso medidas de financiamento, crédito para todas as faixas. A solução deve ser pensada em conjunto."
Caramel, da Habitcasa, lembra que a mudança do plano diretor da cidade de São Paulo (em julho de 2014) pode ajuda a articulação entre a prefeitura e o programa federal porque contempla zona de interesse social, que são terrenos grandes, voltados para construção de habitações de baixo custo. "Torna viável o MCMV da faixa 1 em São Paulo, em bairros bem localizados, como Cambuci, Barra Funda, Butantã."
Para Luís Portella, a falta de terrenos nas grandes cidades e regiões metropolitanas contraria uma diretriz do Estatuto da Cidade, que determina a simplificação da legislação que trata do parcelamento do solo uso e ocupação do mesmo. “As legislações são muito complexas. O empresário para lotear ou mesmo empreender tem que levar em conta os anos e anos que a burocracia vai consumi-lo entre repartições e caminhos que encarecem o seu produto final.”
Fonte: Maíra Teixeira - IG Economia
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