No Brasil há centenas de tipos de contrato que na maioria são regulados pelo Código Civil. Raros são os contratos que têm uma legislação específica, pois somente quando a transação é muito complexa é que o legislador cria normas especiais. Este é o caso da locação de imóveis urbanos regulada pela Lei do Inquilinato, nº 8.245, de 18/10/91.
De forma ilógica vemos todos os meses a mídia afirmar que o “IGP-M é a inflação do aluguel”, ignorando que este índice é composto por dezenas de itens, como alimentos, vestuário, salários, combustível, energia elétrica, transporte e outros que têm peso bem superior à variação do aluguel, o qual está incluso no subitem habitação, que é mais amplo.
Para entender melhor, o IGP-M da Fundação Getúlio Vargas (FGV) é formado pela ponderação de três índices: o IPA-M (Índice de Preços por Atacado – Mercado ) com o peso de 60%; o IPC-M (Índice de Preços ao Consumidor – Mercado) com o peso de 30%, sendo que neste, o setor Habitação tem o peso de 25,17% e dentro deste percentual, o aluguel representa apenas 4,25% e o INCC-M (Índice Nacional do Custo da Construção), que representa 10% do total do IGP-M. No final, o resultado é que o aluguel representa apenas 1,27% da composição do IGP-M, o que resulta ser ilógico dizer que ele seja o índice do aluguel, pois 98,73% de sua composição refere-se a outros produtos e serviços.
O fato do IGP-M ser utilizado como indexador em milhares de contratos de aluguel não justifica o título de “índice do aluguel”, pois vários outros índices são também utilizados, especialmente no boom imobiliário, ocasião em que os imóveis subiram entre 14% a 25% ao ano, no período de 2007 a 2013. Dessa forma, milhões de contratos não utilizaram o IGP-M, pois a sua variação muito baixa nos anos de 2011 e 2014 agravaria o prejuízo do credor, no caso, o locador. Assim, foram utilizados outros índices que medem a inflação de forma a amenizar essa defasagem. A opção por outros índices foi uma prática plenamente legal e justa, já que nem se fosse aplicado o maior índice de inflação, este não atualizaria o valor do aluguel conforme seu preço real de mercado, pois este subiu mais que o dobro dos referidos índices. Por isso, observamos decréscimos nas ações de despejo por “denúncia vazia” e de revisionais de aluguel entre locadores e inquilinos nos últimos anos.
Escolha do índice pode gerar lucro ou prejuízo
São comuns dúvidas sobre a forma de reajustar o aluguel, a ponto de ocorrerem litígios, já que os índices variam expressivamente. Se o prazo do contrato é longo e o valor muito elevado, pode ocorrer variação de preço do negócio bem significativa. Em apenas um ano pode-se pagar 3,15% a mais, já que o IGP-M/FGV acumulou 3,98% contra 7,13% do INPC/IBGE nos últimos doze meses (fev/14 a jan/15).
Após a implantação do Plano Real, em 1994, através de Medidas Provisórias que foram sendo reeditadas até se transformarem na Lei nº 9.069/95, toda a economia passou a vigorar com base nas suas determinações, incidindo a regra do reajuste anual dos contratos. Entretanto, o artigo 17 da Lei do Inquilinato veda a sua estipulação em moeda estrangeira e a sua vinculação à variação cambial ou ao salário mínimo.
De onde tiraram a idéia de que o IGP-M é o índice do aluguel?
Em 1994, o Governo criou regras provisórias para combater a indexação desenfreada. Basta vermos que a URV tinha variação diária, atrelada ao dólar, a qual vigorou por alguns meses até entrar em vigor a moeda Real. Neste ponto, o Governo, no art. 83 da Lei nº 9.069/95, revogou o art. 16 da Lei do Inquilinato e criou um índice provisório, atribuído aos contratos em geral a partir de 1º/07/1994, denominado IPC-r, conforme art. 27 “A correção, em virtude de disposição legal ou estipulação de negócio jurídico, da expressão monetária de obrigação pecuniária contraída a partir de 1º de julho de 1994, inclusive, somente poderá dar-se pela variação acumulada do Índice de Preços ao Consumidor, Série r – IPC-r.”
Durante o período de um ano o IPC-r vigorou, pois os contratos em geral eram indexados a ele, mas, com a publicação da Lei nº 10.192, de 14/02/2001 (Ex MP nº 1.053, de 30/06/95), ficou estipulado no art. 8º que a partir de 1º/07/1995, o IBGE deixaria de calcular e divulgar o IPC-r, devendo ser substituído pelo índice previsto contratualmente, dentre os diversos de abrangência nacional.
Tendo em vista que a Lei nº 9.069/95, que instituiu o Plano Real, prevê no art. 28 que “Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual”, fica evidente que antes e depois do Plano Real sempre existiram diversos índices de preços, dentre os mais conhecidos: INPC, IPCA, IPC, IPCA-E, IPA-EP-DI, IGP e IGP-M, os quais são apurados pelo IBGE ou pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e têm abrangência nacional. Há ainda os índices regionais, como IPC da FIPE, o IPCA/BH do IPEAD/UFMG, dentre outros, sendo todos legais e perfeitamente utilizáveis em qualquer contrato. Somente no período inicial do Plano Real, mais precisamente, até 30/06/95, houve a imposição do IPC-r, o qual não existe mais.
É livre inserir um ou mais índices no contrato
As leis são claras ao permitirem a liberdade dos contratantes elegerem um ou mais índices para reajustar o contrato, não tendo fundamento alegar que o IGP-M é o índice do aluguel, pois decorre da variação de diversos produtos e serviços distintos que representam 98,73% de sua composição, enquanto os valores dos aluguéis o afeta em apenas 1,27%.
Na realidade não existe índice nacional que apure a variação do aluguel no Brasil, mas é incontestável que o preço dos imóveis disparou no período de 2007 a 2013. Basta vermos que o IPEAD da UFMG apurou, em Belo Horizonte/MG, que os aluguéis residenciais subiram 10,47%, os comerciais 13,47%, contra a inflação de 6,08% do INPC e 5,09% do IGP-M no ano de 2011, ou seja, mesmo que fosse aplicado o maior índice que mede a inflação, o resultado seria a correção em torno da metade do que realmente subiram os preços de mercado dos aluguéis.
A lei permite que as partes elejam no contrato dois ou três índices de variação da inflação, podendo ser aplicado o maior ou até mesmo a média deles, conforme estabeleceu o Plano Real. Mas, mesmo assim, vemos que durante o boom imobiliário nenhum índice de inflação chegou perto da realidade da alta dos preços dos aluguéis, que caso tivessem um índice próprio seria muito superior ao IGP-M. Diante da sistemática da composição dos índices nacionais, consiste numa ilógica dizer que qualquer deles seja o “índice do aluguel”.
Somente se existisse um índice nacional que tivesse o foco na locação, como existe o INCC e o CUB que se baseiam nos insumos e no custo da mão de obra da construção civil, seria possível dizer que o mesmo representaria a variação dos preços dos aluguéis, mas por enquanto isso não foi criado. Em 2008, com os preços dos imóveis subindo 3 vezes a evolução da inflação, o Governo, através do Banco Central, cogitou criar um índice que refletisse a variação dos preços dos imóveis, mas isso não evoluiu.
Dessa forma, ao analisarmos que os índices variam e que não há uma relação expressiva deles com a variação específica dos preços dos aluguéis, cabe aos contratantes eleger um ou mais índices e definirem no contrato como será realizado o reajuste, pois a lei autoriza ampla possibilidade de escolha. É consagrada na locação a liberdade de contratar o reajuste, podendo ser aplicado a maior variação do índice legal. A única restrição é que o reajuste de aluguel não seja por prazo inferior a 12 meses, podendo o contrato estipular que será menor esse período, desde que a lei no futuro venha a permitir.
Kênio de Souza Pereira - Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG.
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG.
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis.
Fonte: E-morar
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