Depois de um período quase catastrófico ao longo das décadas de 1980 e 1990, o Brasil, principalmente a partir do Plano Real (1994), apresentou importantes evoluções na formação das condições necessárias para um crescimento sustentável do setor imobiliário.
Do ponto de vista macroeconômico, os bons fundamentos da economia brasileira, com destaque para o controle da inflação e o crescimento da renda e do nível de emprego, ampliaram o horizonte de previsibilidade, retomando a confiança dos consumidores (reativação da demanda), possibilitou um planejamento de médio e longo prazo por parte setor da construção civil (reorganização da oferta) e, do lado das Instituições Financeiras fez com que o crédito imobiliário passasse a ser um negócio atrativo e, assim, aumentou-se a oferta de recursos para financiar a produção e comercialização de unidades habitacionais.
No aspecto microeconômico também verificou-se importantes evoluções no segmento do crédito imobiliário, as quais mitigaram principalmente o risco de perda de capital e o risco jurídico, principais componentes do spread bancário, além de reforçar e qualificar as garantias dos créditos.
Dentre essas evoluções cabe destacar:
Alienação Fiduciária,
Lei do Incontroverso,
Proibição da Equivalência Salarial,
Patrimônio de Afetação e
Permissão explícita para a capitalização mensal de juros (embora na prática esta não ocorra, sua permissão legal eliminou o risco de uso indevido desse argumento para postergar a realização das garantias nos casos de inadimplência).
Paralelamente, o BACEN tem investido em regras prudenciais e de governança, com foco na transparência e na minimização de riscos de ações inconsequentes por parte de players do setor financeiro.
Esse processo evolutivo se mantém ativo, prova disso são avanços recentes como:
Concentração do Ônus da Matrícula,
Registro eletrônico e
LIG – Letra Imobiliária Garantida.
Do lado da oferta de crédito, a estabilidade econômica, associada aos importantes avanços no arcabouço jurídico e no marco regulatório, criou ambiente propício para uma precificação mais segura, possibilitando a oferta de melhores condições – prazo, quota de financiamento (LTV) e taxas de juros – viabilizando a alocação de recursos em volume e condições mais adequadas para financiar a produção e a comercialização de imóveis.
A disponibilidade de recursos em condições mais adequadas, associada ao aumento da renda e do nível de emprego e, a partir de 2009, ao aporte de expressivo volume de subsídios por meio do Programa Minha Casa Minha Vida – MCMV, incluiu, no mercado, milhares de famílias que até então se encontravam abaixo da ´linha do financiamento´, transformando carência em demanda, além de ampliar a capacidade de compra de um segmento com capacidade parcial de pagamento.
Essas condições favoráveis aqueceram a demanda e, por conseguinte, fomentou a expansão da produção de novos empreendimentos, fortalecendo a indústria da construção civil, mitigou os impactos das crises internacionais sobre a economia brasileira e, paralelamente, aqueceu também o mercado de imóveis usados.
A conjugação desses fatores positivos fez com que a relação crédito imobiliário/PIB saltasse de 1,4% em 2004 para quase 10% em 2014 e, mais importante do que a expansão em quantidade é a qualidade desse crédito, que em torno de 75% tem rating AA ou A e os percentuais de inadimplência se situam entre os menores da história do SFH.
Mercado do Crédito Imobiliário
Na esteira desse crescimento e de bons indicadores, os imóveis tiveram grande valorização e, muito embora as estatísticas do setor imobiliários não sejam disponibilizados de forma sistematizada e confiável, estudos indicam que em 2010 atingiu-se o ápice de novos lançamentos e, boa parte destes agora já se converteram em estoque e estão sendo ofertados no mercado.
Muito embora os novos lançamentos tenham, gradativamente, se reduzido a partir de 2011, o mesmo vem ocorrendo com a velocidade de vendas, além de os distratos terem atingido níveis recordes nos últimos meses.
Estudos indicam que o atual estoque versus velocidade de venda e performance dos distratos requererá pelo menos 2,5 anos para ser comercializado. Esse cenário, se real, é deveras preocupante e exigirá redobrada atenção, tanto em relação ao estoque de imóveis financiados e em produção quanto aos novos financiamentos para produção de empreendimentos.
Não se trata aqui de alardear um cenário apocalíptico, mas também não podemos ter um comportamento autista.
De um lado, as evoluções verificadas no mercado ao longo das últimas décadas nos dão razoável segurança de que não existe risco de se repetir a crise da década de 1980/90, porém, é evidente que atingimos um novo patamar no ciclo evolutivo do setor imobiliário brasileiro. Saímos de uma fase de euforia, que teve papel relevante para a economia brasileira e voltamos à normalidade e, muito provavelmente, 2015 será um ano de ‘arrumação’ para que o setor possa voltar a crescer a partir de 2016 ou 2017.
Começa-se a falar na construção de uma Agenda Positiva para se manter a continuidade do ciclo virtuoso do crédito imobiliário e, sem dúvida, esta é uma ação importante e urgente. No entanto, é imprescindível que estejamos atentos para que não se erre na dosagem e transforme o remédio em veneno. Não somos adeptos doLaissez-faire ou da mão invisível do mercado, porém, acreditamos que o excesso de intervenção do Estado, principalmente no caso da habitação de mercado, tende a trazer mais malefícios do que benefícios. Talvez este seja um bom momento para se buscar soluções de mercado, diminuindo a total dependência de créditos direcionados.
Neste contexto, considerando a dimensão da CAIXA no mercado de crédito imobiliário, temos que exercer o papel de ator e não de meros coadjuvante nessas discussões. Não podemos olvidar que, na crise dos anos 1980/90, “n” medidas foram adotadas para garantir a comercialização do estoque de imóveis que se encontrava encalhado – quota de 100%, SINC I, SINC II, Série em Gradiente, renda informal sem limite etc. – e sabemos quem pagou esta conta.
Para o Setor Financeiro Nacional não interessa, de forma alguma, que ocorra um encalhe na comercialização dos estoques e, muito menos, que haja movimento de desvalorização de imóveis. Portanto, é prudente que medidas sejam adotadas no sentido de reaquecer a demanda.
No entanto, não podemos embarcar em ações do tipo “fazer com que a prestação caiba no bolso do comprador”, pois amanhã esse ‘bolso’ pode ‘furar’ e não termos um ombro onde colocar o ‘símio´.
Assim não podemos cair em armadilhas do tipo:
Massificar a utilização da Tabela Price,
Menor rigor na avaliação dos imóveis,
Flexibilizações na comprovação de renda e na análise de risco de crédito,
Elevação da quota de financiamento,
Redução da taxa de juros ativa sem a equivalente redução da taxa de juros passiva etc.
Não estamos falando de uma crise no setor imobiliário – nosso déficit habitacional, a magnitude da demanda vegetativa, os baixos níveis de endividamento em relação ao crédito imobiliário, a baixa relação Crédito Imobiliário/PIB, os estoques financiados sob controle, os bons índices de inadimplência e percentual de LTV – nos dão argumentos para acreditar na continuidade do ciclo virtuoso deste segmento.
O que precisamos é estarmos atentos para que a onda de pessimismo não se torne realidade e, mesmo cientes da importância de o setor imobiliário continuar crescendo em patamares positivos, termos clareza de que, no momento, não é possível e nem recomendável que a inclinação da curva se mantenha nos mesmos patamares dos últimos 10 anos.
Enfim, não queremos retornar ao antigo modelo stop and go, ou seja, nosso compromisso é com o crescimento sustentável.
Teotonio Costa Rezende - Diretor de Habitação da Caixa Econômica Federal, Mestre em Gestão e Estratégia de Negócios e graduado em Economia, Ciências Contábeis e Administração de Empresas. Atua no setor financeiro há quase 40 anos, 34 dos quais dedicado ao setor habitacional.
Fonte:Click Habitação
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