Entender qual é o verdadeiro papel da convenção condominial nunca foi tão necessário. Atualmente o judiciário vem se deparando com conflitos que não tem legitimidade para resolver, isso porque, esses caberiam a convenção condominial. Não é raro, sentenças ou acórdãos frustrarem as partes, justamente por esse motivo. Buscam a tutela jurisdicional, para assunto de legitimidade apenas da Convenção Condominial. Isso se dá primeiramente porque não será possível ao Juízo conhecer sobre qualquer análise de mérito acerca das deliberações da assembleia, pois se tratam de deliberações voluntárias com força contratual, salvo flagrante ilegalidade, ou incompatibilidade com a legislação superior, bem como vícios relativos aos aspectos formais de convocação de assembleia ou quorum. Outra questão é o fato da convenção Condominial possuir força normativa, pois assemelha-se a um contrato com cláusulas aceitas pelas partes, por livre manifestação de vontade.
Neste sentido, Caio Mario da Silva Pereira possui um posicionamento a respeito do tema:
“(...) dada a sua própria natureza, as regras de comportamento de cada edifício têm sentido normativo. Obrigam aos que compõem aquele condomínio e aos que habitam o edifício ou dele se utilizam, ainda que eventualmente (...)”
“se define como a manifestação de vontade dotada de força obrigatória e apta a pautar um comportamento individual”.
Arnaldo Rizzardo, por sua vez esclarece que:
“a convenção constitui a lei interna do condomínio, que é adotada para reger as relações de convivência dos condôminos, de uso das áreas exclusivas e comuns, e de conduta individual dos moradores, com a discriminação dos direitos e das obrigações a que todos ficam sujeitos, mais especificamente é o ato normativo interno do microssistema do condomínio aprovado pela vontade dos condôminos, em assembléia, destinando-se a regular as relações ente os condôminos, mas estendendo-se a sua aplicação a terceiros que freqüentarem o prédio ou forem ocupantes de unidades”.
Desta forma, podemos compreender que a convenção condominial é uma declaração de vontade, que produzirá efeitos não somente aos seus subscritores, mas também aos seus sucessores e sub-rogados, contemplando, ainda, aqueles que transitarem ou participarem do condomínio de alguma forma. Nesse sentido, a legislação se manifesta em relação aos requisitos necessários para os efeitos da convenção, sejam eles Inter Partes (entre as partes) ou Erga Omnes (para todos).
O art. 1.333, do CC, estabelece que para que os efeitos da convenção sejam Erga Omnes é necessário o registro da convenção em cartório e com o quorum necessário.
Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.
Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Ou seja, a convenção será registrada no Cartório de Registro de Imóveis unicamente para ser oponível contra terceiros, tendo, portanto, um caráter Erga Omnes (para todos). Se não registrada, mas aprovada em assembléia geral de condôminos regular, seguindo os moldes do art. 1.333, ela faz lei entre os condôminos, passando a disciplinar as relações internas do condomínio, tendo então apenas o caráter inter partes. Esse entendimento é objeto de súmula, portanto, pacificado.
STJ - Súmula 260 A convenção de condomínio aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular as relações entre os condôminos
Relevante salientar o artigo 1.334 do Código Civil, pois ele elenca qual o múnus da convenção condominial, lembrando que não se esgotam no artigo em pauta.
Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:
I – a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;
II – sua forma de administração;
III – a competência das assembléias, forma de sua convocação e quórum exigido para as deliberações;
IV – as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;
V – o regimento interno.
A Convenção Condominial possui caráter normativo, e deve respeitar a hierarquia da Pirâmide Normativa de Hans Kelsen , que tem a Constituição Federal no Topo, e na sequencia as Emendas a Constituição, as Leis Complementares, Leis Ordinárias, Leis Delegadas e Medidas Provisórias, Decretos Legislativo e Resoluções e Atos Administrativos. Nesse sentido, havendo conflito entre uma norma da convenção e uma norma da pirâmide citada prevalecerá a segunda. A liberdade da capacidade normativa de uma Convenção Condominial esta limitada as leis da Pirâmide de Kelsen.
O código Civil determina que a convenção condominial só possa ser alterada mediante a aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos, o mais importante desse artigo a meu ver não é o quorum, pois esse é um requisito de forma, o mais importante é a possibilidade de se alterar uma convenção, visto que muitas são antigas, não se encaixando as novas necessidades do condomínio, outras são convenções copiadas, feitas por pessoas alheias as particularidades reais que cada condomínio possui.
Art. 1.351. Depende da aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos a alteração da convenção; a mudança da destinação do edifício, ou da unidade imobiliária, depende da aprovação pela unanimidade dos condôminos. (Redação dada pela Lei nº 10.931, de 2004)
Vale ressaltar que para o exame do Juiz referente a um assunto de condomínio, deve ser comprovado que foram respeitados e utilizados todos os procedimentos e requisitos legais, bem como, todos os instrumentos normativos disponíveis Condominiais, a Assembléia, os registros em ata e demais documentos, bem como a exata observação dos quoruns, a própria Convenção do Condomínio, e tudo o que esta ao alcance dos condôminos.
A importância do respeito aos quoruns é fundamental, caso contrário configura-se vicio no procedimento, podendo inclusive anular uma assembléia.
No código civil, o artigo 1.350, trata especificamente da Assembléia Geral Ordinária, que ocorre obrigatoriamente uma vez por ano e é focada na prestação de contas, aprovação das despesas dos últimos 12 meses e a previsão orçamentária para o próximo ano. Muitos condomínios aproveitam essa assembléia para fazer a eleição de síndico, subsíndico e conselho fiscal e também alterações na convenção de condomínio.
Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembléia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.
1º Se o síndico não convocar a assembléia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo.
2º Se a assembléia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino.
Nessa mesma lógica cito a jurisprudência em epigrafe, onde, acerca do dispositivo legal mencionado, o Desembargador Agostinho Teixeira, relator, determina um prazo para a sindica prestar contas referente ao seu mandato, bem como delibera a respeito da ilegitimidade de terceiros em fazer aquilo em que a lei obriga ao sindico, vejamos:
“(...) não se fazendo possível a convocação da reunião, as deliberações assembleares serão substituídas por decisão judicial: qualquer condômino, caso frustrada a possibilidade de convocação da assembléia, poderá deduzir em juízo para que se decida acerca dos temas que deveriam ser deliberados em assembléia mormente a aprovação ou não da prestação de contas e do orçamento para o exercício seguinte ”.
Quanto aos demais réus, subsíndico e conselheiros fiscais, nem o Código Civil nem a Convenção do Condomínio lhes estendem a obrigação de prestar contas.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, monocraticamente, com aplicação do artigo 557, § 1º A, do CPC, para julgar procedente o pedido em relação à primeira ré, ALINE BASTOS FIDALGO, que deverá prestar as contas, em forma mercantil, referente ao mandato de 2011-2012, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de não Ihe ser lícito impugnar as que o autor apresentar. Em relação aos demais réus, julgo improcedente o pedido e condeno o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00, observada a gratuidade de justiça. “Mantida a condenação por litigância de má fé”. Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 2014. Desembargador AGOSTINHO TEIXEIRA
DORIO PEREIRA ajuizou ação de prestação de contas contra ALINE BASTOS FIDALGO E OUTROS. Diz que, na qualidade de condômino, pode exigir dos réus (síndica, subsíndica e conselheiros fiscais), a prestação de contas referente ao período em que administraram o condomínio. Houve contestação (fls. 118/129 e 187/194). A sentença extinguiu o processo, sem resolução de mérito, por ilegitimidade ativa (fls. 256/259). O autor opôs embargos de declaração com o seguinte fundamento: ¿na parte dispositiva da sentença, houve uma frase que se iniciou pela letra ¿P¿ seguida de reticências (.), tornando o julgado obscuro por evidente falta de complementação¿ (fl. 277). Os declaratórios foram rejeitados e o embargante condenado por litigância de má-fé ao pagamento de multa de 1% e verba indenizatória de 10% sobre o valor da causa. Segundo o magistrado, ¿causa perplexidade os embargos de declaração de fls. 277, porquanto o P constante de fls. 259 significa "Publique-se", o que se aprende desde os bancos escolares. Os embargos de declaração de fls. 277 são meramente procrastinatórios. E a litigância de má-fé, como já dito, é evidente¿ (fls. 286/287). Apela o autor insurgindo-se contra a condenação por litigância de má-fé. Assevera que o art. 1.350, § 2º, do Código Civil lhe confere legitimidade para pleitear a prestação de contas do síndico (fls. 290/295). Contrarrazões em prestígio do julgado (fls. 307/311). É o relatório. Não há dúvidas de que os embargos declaratórios opostos eram manifestamente infundados e despidos da boa-fé que deve orientar as partes na condução do processo (arts. 14, II e 17, VI, do CPC). Considero, assim, evidenciada a litigância de má-fé. Mantenho, desse modo, a condenação imposta. No tocante à legitimidade ativa, dispõe o art. 1.348, VIII, do Código Civil que o síndico deve prestar contas à assembleia. Daí porque, em regra, o condômino não teria legitimidade para exigir a prestação de contas. Entretanto, no caso dos autos, a síndica (primeira ré) confessou não ter prestado contas referentes ao mandato 2011/2012, uma vez que a assembleia convocada para tal fim não foi concluída (fls. 36 e 188). É incontroverso, portanto, que não houve prestação de contas. Nesse caso, sobressai a legitimidade subsidiária do condômino, nos termos do art. 1.350, § 2º, do Código Civil, de postular judicialmente a apresentação do balanço: ¿Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno. § 1o Se o síndico não convocar a assembleia, um quarto dos condôminos poderá fazê-lo. § 2o Se a assembleia não se reunir, o juiz decidirá, a requerimento de qualquer condômino. Ao comentar o referido dispositivo legal, Luiz Edson Fachin explica que: ¿(.) não se fazendo possível a convocação da reunião, as deliberações assembleares serão substituídas por decisão judicial: qualquer condômino, caso frustrada a possibilidade de convocação da assembleia, poderá deduzir em juízo para que se decida acerca dos temas que deveriam ser deliberados em assembleia, mormente a aprovação ou não da prestação de contas e do orçamento para o exercício seguinte¿. No mesmo sentido o art. 27 da Lei 4.591/64, segundo o qual, ¿se a assembleia não se reunir para exercer qualquer dos poderes que lhe competem, 15 dias após o pedido de convocação, o Juiz decidirá a respeito, mediante requerimento dos interessados¿. Quanto aos demais réus, subsíndico e conselheiros fiscais, nem o Código Civil nem a Convenção do Condomínio lhes estendem a obrigação de prestar contas. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, monocraticamente, com aplicação do artigo 557, § 1º-A, do CPC, para julgar procedente o pedido em relação à primeira ré, ALINE BASTOS FIDALGO, que deverá prestar as contas, em forma mercantil, referente ao mandato de 2011-2012, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de não Ihe ser lícito impugnar as que o autor apresentar. Em relação aos demais réus, julgo improcedente o pedido e condeno o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00, observada a gratuidade de justiça. Mantida a condenação por litigância de má-fé. (TJ-RJ - APL: 00581643020128190002 RJ 0058164-30.2012.8.19.0002, Relator: DES. AGOSTINHO TEIXEIRA DE ALMEIDA FILHO, Data de Julgamento: 27/02/2014, DÉCIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 07/03/2014 00:00)
A convenção sem dúvida é a lei maior dentro do condomínio edilício e, por lei, tem o poder de regulamentar questões internas para a bom convívio entre os moradores. Sendo assim, todos os que adquirem parte do domínio ali existente comprometem-se a cumpri-la. Por seu caráter estatutário, obriga os proprietários, e todos aqueles que adentrarem a propriedade privada.
É muito importante observar que todo o conteúdo normativo da Convenção Condominial tem o múnus de limitar o direito de propriedade dos moradores, para garantir a segurança, a saúde e o sossego desses, bem como o bom convívio entre os condôminos, assegurando um equilíbrio entre direitos e deveres, não permitindo que o direito de propriedade de um se sobreponha ao direito dos demais.
É consenso entre os operadores do direito a natureza jurídica contratual normativa da convenção.
MIGUEL ZAIM – (Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Palestrante, Especialista em Direito Imobiliário, Direito e Processo Penal, Direito e Processo Civil, Direito Constitucional, Direito Tributário, e Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB Mato Grosso).
Fonte: Artigos Jus Navigandi
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