sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

O SUPERAQUECIMENTO DO DIREITO IMOBILIÁRIO NO BRASIL E A CRESCENTE INADIMPLÊNCIA NA ENTREGA DO BEM IMÓVEL PELAS INCORPORADORAS


O direito imobiliário é o ramo que está em constante evolução no cenário brasileiro. A comercialização de sonhos no que tange à construção de casas e prédios modernos por toda cidade, leva ao adquirente a contratação na aquisição de um imóvel na planta que, aparentemente parece ser um excelente negócio que, quase sempre, se apresenta muito vantajoso do ponto de vista econômico.

Com toda a dimensão no mercado imobiliário, as construtoras com inúmeros projetos não conseguem concluir no prazo acordado em via contratual. Nessa espécie de contrato, por um lado, há o compromisso da construtora de fornecer o imóvel no termo estabelecido em cláusula e de outro, o comprador que se encontra na posição de consumidor, como destinatário final, o qual assume o compromisso de pagar o preço acordado, sendo partes, portanto, fornecedor e consumidor, conforme previsão dos artigos 2º e 3º do CDC. Sendo assim, com o atraso na entrega da obra, a relação de compra e venda, resulta em transtornos variados, frustração e prejuízos para o adquirente.

Com a incidência deste tema, foram sobrestados e analisados recursos com a mesma matéria, buscando um entendimento erga omnes, a fim de unificar as diversas divergências sobre as possíveis multas que geram com o atraso na entrega do imóvel, sejam elas, Cláusula Penal e/ou Lucro Cessante.

Inicialmente, esclarece-se que, a cláusula penal ou multa contratual, seja ela moratória ou reparatória busca indenizar as partes que sofreram inadimplementos em um contrato. Esta multa só incide, quando o atraso na entrega imobiliária é fato incontroverso devendo indenizar a parte ou as partes pelos danos materiais sofridos. Já o lucro cessante é o prejuízo que o descumprimento contratual resulta na interrupção de qualquer das atividades de uma empresa, de um profissional liberal ou de uma pessoa comum.

Para a entrega do bem imóvel, é assegurado um prazo de tolerância às construtoras de 180 (Cento e oitenta dias) da data acordada em via contratual. Este prazo, busca suprir os possíveis atrasos por motivo de caso fortuito ou força maior. Desta forma, a obrigação principal é executar a obra, conforme pactuado no ato da contratação e entrega-la até o prazo limite.

Com base no atraso injustificado do imóvel por parte das incorporadoras, o STJ publicou dois temas de tamanha relevância para o direito imobiliário de recursos repetitivos, que assim foram sobrestados, são eles: Tema 970 e 971. A tese firmada foi que para efeito do art. 1.036 do CPC/15, a cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes. Além disso, no contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.

Assim, analisando o contrato no seu perfil funcional, qual seja, sua finalidade, no que tange o mercado imobiliário habitacional, a cláusula penal não tem uma função punitiva, mas sim compensatória/ indenizatória. Quando se pensa na não acumulação da multa com lucros cessantes, associa-se aos princípios basilares de uma relação contratual, sejam eles: o princípio da segurança jurídica; o princípio da função social do contrato que, busca evitar que a liberdade contratual seja exercida de maneira abusiva, garantindo o equilíbrio entre as partes; o princípio da boa-fé objetiva, que conforme preleciona Maria Helena Diniz, “este princípio deve estar associado ao interesse social, uma vez que as partes devem agir com lealdade, retidão e probidade.”; o princípio do equilíbrio contratual, na medida em que estabelece reciprocidade entre as partes, os quais convivem harmonicamente com a autonomia da vontade, e por fim, o princípio do pacto sunt servanda.

Quando se pensa na acumulação da cláusula com o lucro cessante, claramente se observa o bis in idem, haja vista que, conforme se verifica no artigo 402 CC, a cláusula penal, estabelece que as perdas e danos devidas ao credor, abrange além do que perdeu, o que deixou de lucrar. Portanto, em consonância com o entendimento do Tema 970, torna-se correta a não acumulação do Lucro cessante com a Cláusula Penal. A indenização deve ser medida pela extensão dos prejuízos sofridos pelo lesado, ou seja, recompondo o patrimônio do lesado e tornando-o indene da situação lesiva por ele experimentado.

Há de se levar em consideração, a natureza da cláusula penal e não apenas o rótulo a ela dado no contrato. Se a cláusula penal incide todos meses, tendo como base de cálculo o valor do total do contrato, vale dizer, o valor do imóvel, é certo que se destina a coibir a mora da empresa na entrega do imóvel, mas também compensa o prejuízo sofrido mensalmente com a privação do uso imóvel, cujo valor locatício, como é notório, não ultrapassa no mercado, em regra, de 0,5% a 1% ao mês do valor do bem

Nesse diapasão, constitui equívoco frequente simplesmente inverter, sem observar a técnica própria, a multa moratória referente à obrigação do adquirente de dar (pagar), para então incidir em obrigação de fazer, resultando em indenização pelo inadimplemento contratual em montante exorbitante, desproporcional, a ensejar desequilíbrio contratual, em indevido benefício do promitente comprador. Assim, nos casos de obrigações de natureza heterogênea (por exemplo, obrigação de fazer e obrigação de dar), impõe-se sua conversão em dinheiro, apurando-se valor adequado e razoável para arbitramento da indenização pelo período de mora.

A inversão, para determinar a incidência do mesmo percentual sobre o preço total do imóvel, incidindo a cada mês de atraso, não constitui, em verdade, simples “inversão da multa moratória”, podendo, isto sim, representar valor divorciado da realidade de mercado, a ensejar enriquecimento sem causa do Adquirente do imóvel.

A inversão da cláusula penal acaba por não considerar o valor da parcela inadimplida por parte do consumidor ao longo do contrato, adotando como base o valor integral deste, ensejando enriquecimento sem causa da parte consumidora, o que se verifica um desequilíbrio na relação contratual, e comprometendo, inclusive, o financeiro da construtora para a conclusão da construção do empreendimento. A abusividade às avessas é evidente. Não condiz com o princípio da equivalência contratual e a previsão legal constituída no código de defesa do consumidor, que busca a manifestação da efetiva igualdade e o equilíbrio da relação consumerista em si.

Acredita-se então que, cabe ao Poder Judiciário a intervenção no âmbito da relação contratual visando o reequilíbrio e a proteção de ambas as partes conforme os princípios basilares.
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Cibele Navarro é sócia do escritório Mota Pedreira Advogados Associados.
Marcelo Mota é sócio do escritório Mota Pedreira Advogados Associados.
Fonte:Migalhas

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