segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Posse de imóvel público: Concessão de Uso Especial para fins de Moradia


Como já dito em posts anteriores, a aquisição de imóveis públicos pelo instituto da usucapião é vedada no nosso ordenamento jurídico.

Entretanto, há uma discussão sobre a legitimidade dessa vedação, pois, se a propriedade deve cumprir sua função social e o Estado não o faz, não poderia o cidadão dar função social a propriedade e adquiri-la pela usucapião?

Existe uma teoria minoritária que acredita que deveria sim ser permitido a usucapião de imóveis abandonados pelo poder público e que o cidadão, dê a ele sua função social, segundo Aflaton Castanheira Maluf, seria "fundamental uma nova interpretação teleológica, seguida de uma mutação constitucional, a fim de englobar a função social, também, as propriedades públicas" (2018, p. 21), assim, seria possível, entrar na discussão sobre usucapir ou não imóveis públicos.

Contudo, essa interpretação desejada pelo autor seria uma utopia para cumprimento do direito fundamental a propriedade e moradia. O STJ recentemente julgou que, além dos bens públicos, imóveis que sejam usados para prestação de serviços públicos também serão imprescritíveis, assim, impossíveis de serem usucapidos.

Por outro lado, a falta de registro no Ofício de Imóveis não presume que o imóvel seja público, devendo o Estado provar a sua titularidade, senão, será considerada terra privada com possibilidade de usucapir.

Visando unir a função social e o direito fundamental a moradia, a Constituição Federal instituiu a Concessão Especial para fins de Moradia (CUEM), mesmo que não foi bem regulamentada na época.

O Estatuto da Cidade tentou regulamentar a CUEM, entretanto, o presidente em exercício daquele tempo Fernando Henrique vetou os artigos que tratavam do assunto e em seguida editou em 2001 uma medida provisória sobre o tema. De lá pra cá, houve varias alterações nos procedimentos pela Lei de Regularização Fundiária, sendo a última alteração em 2017 pela Lei 13.465.

A redação do art. 1 da MP 2.220 de 2001, alterado pela lei 13.465/2017 informa que: "Aquele que, até 22 de dezembro de 2016, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área com características e finalidade urbanas, e que o utilize para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural"

Essa nova redação prolongou o prazo limite para comprovação da moradia, pois inicialmente, só teria direito a CUEM aquele que até 30 de junho de 2001 tivesse cumprido os requisitos, assim, agora, mesmo quem começou uma ocupação até 21 de dezembro de 2011, terá possibilidade de receber a Concessão Especial para fins de Moradia.

O art. 2 da MP 2.220/2001 informa que a população de baixa renda, que ocupe imóvel nas mesmas características anteriores, entretanto, maior de 250m², desde que, ao dividir o imóvel pelo número de possuidores não ultrapasse aos 250m² , também será possível a CUEM.

Em ambas as hipóteses a concessão será feita a título gratuito, entretanto, na segunda hipótese há mais um requisito, "baixa renda". Além disso, a CUEM só será concedida uma única vez ao beneficiário.

A concessão de uso especial para fins de moradia estenderá aos herdeiros, desde que esses estejam na posse do imóvel na abertura da sucessão. Poderá ser transferida a título gratuito ou oneroso, e só será perdida se o concessionário obter nova concessão urbana ou rural ou dar finalidade diversa daquela que recebeu ao imóvel.

Importante entender que, o que será passado aos herdeiros, doado ou alienado é a concessão de uso especial para fins de moradia e não a propriedade do imóvel.

Em hipótese da ocupação ser área de risco, o Poder Público deverá garantir ao possuidor o direito a CUEM em outro local.

O meio de conseguir a CUEM deve ser pelo meio administrativo, entretanto, caso a Administração Pública não se pronuncie em até doze meses do pedido, poderá o possuidor requerer seu direito via judicial.

A referida MP informa que a sentença do Juízo será declaratória, com isso, é possível entender que o direito a concessão de uso especial para fins moradia é adquirido pelo cumprimento dos requisitos e não após processo administrativo ou judicial, assim, os efeitos retroagem ao tempo que cumpriu os requisitos, vez que será declarado via sentença um direito existente e essa sentença poderá ser levada ao registro no Ofício de Imóveis da cidade.

A dúvida persiste quanto ao caráter declaratório nas situações em que os possuidores ocupam lugares de risco, pois, conforme falado, nessas situações o Poder Público deve conceder o direito em outro lugar que dê segurança. Se na sentença o juízo apenas declarar o direito, entendo que deverá o possuidor requerer ao mesmo Juízo, com base naquela sentença, que o Estado consiga também um local seguro para exercer o seu direito, pois apenas a declaração do direito nesse caso seria ineficiente.

A concessão de uso também poderá ser dada para fins comerciais, entretanto, nessa hipótese, o caráter é facultativo (art. 9. MP 2.220/2001), assim, creio não ser possível exigir perante ao judiciário que seja reconhecido o direito a concessão de uso, apesar de que, pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, nada impede a propositura da ação com esse objetivo.

Caso tenha dúvidas sobre a sua posse, entre em contato com um advogado especialista para sanar as suas dúvidas. 

O direito não é uma ciência exata e nem poderia ser, pois lida com a vida humana social, dessa forma, cada caso deve ser estudado especificadamente com base nos parâmetros legais.

Ramon RicardoAdvogado especialista em direito imobiliário, registral e notarial e direito contratual empresarial e cível. Graduado na Escola Superior Dom Helder Câmera Especialista em Direito das Sucessões e Família pela FGV Especialista em Direito contratual empresarial pela CERs e Damásio Pós graduando em Direito imobiliário, registral e notarial na Escola Superior de Advocacia.

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