No Brasil existem dois tipos de financiamento para a compra de imóvel na planta.
O primeiro tipo é o mais comum, geralmente chamado de repasse, representa o financiamento que o comprador deve obter para o pagamento da parcela final perante a incorporadora após o término das obras no empreendimento, através de banco de sua livre escolha ou carta de consórcio imobiliário.
As incorporadoras que não fazem uso do crédito associativo angariam o valor necessário à construção do empreendimento mediante empréstimo perante algum Banco, seja privado ou público, através da transferência dos créditos a receber dos compradores, cedendo as unidades em garantia hipotecária à entidade financeira.
O segundo tipo é o chamado crédito associativo, através do qual um banco público abre uma linha de crédito para financiamento da produção de empreendimento habitacional, mediante recursos do FGTS, com financiamento direto às pessoas físicas. A incorporadora-vendedora, uma vez obtido o financiamento, formará um grupo de pessoas (associados), cujos financiamentos, FGTS e subsídio do Governo Federal (se houver!) somarão o custo da obra, que poderá ser ou não dividida em fases, a depender do porte do empreendimento imobiliário.
O grande problema experimentado por quase todos aqueles que compram imóvel na planta nesse sistema de financiamento imobiliário é que ninguém explica o que realmente significa isso, seja porque os próprios corretores, em sua quase totalidade, simplesmente desconhecem esse tipo de financiamento ou porque não têm interesse em revelar ao comprador o que é o crédito associativo com a necessária profundidade no decorrer do relacionamento com a incorporadora e o agente financeiro!
Quem pode solicitar o crédito associativo é a incorporadora ou construtora, bem como entidades organizadoras de direito público ou privado voltadas para a produção de unidades habitacionais.
Os consórcios não podem solicitar o crédito associativo por faltar-lhes personalidade jurídica, não podendo figurar como entidade organizadora e nem como vendedor de terreno.
Até o presente momento, na figura do crédito associativo no Brasil, somente se vê a Caixa Econômica Federal (CEF) ou o Banco do Brasil (BB), sendo que a CEF possui algo em torno de 90% de todos os contratos de financiamento imobiliário nessa categoria.
É praxe no mercado imobiliário a existência do crédito associativo apenas para empreendimentos de baixo padrão, normalmente em bairros mais afastados nas grandes cidades, tanto é que a própria CEF determina sua existência para o atendimento das necessidades habitacionais das famílias de baixa renda.
As modalidades do crédito associativo são quatro:
a) construção em terreno de propriedade da própria incorporadora
b) compra de terreno e construção do empreendimento sobre o mesmo
c) produção em lotes de terreno urbanizados
d) reabilitação de empreendimentos urbanos
Na prática, as figuras a e b são as mais presentes no mercado imobiliário da construção civil, sendo raríssima a ocorrência das figuras c e d.
Há incorporadoras que só vendem imóveis residenciais na planta mediante o chamado crédito associativo.
Não existe a figura do crédito associativo para empreendimentos comerciais e não há bancos privados operando nessa modalidade de financiamento.
A CEF ou o BB fazem análise minuciosa acerca da viabilidade do futuro empreendimento junto à incorporadora ou construtora, pactuando a liberação do valor necessário à realização de forma parcelada (e nunca à vista!), mediante análise do cronograma de obras com participação constante do departamento de engenharia do Banco, a fim de apurar se os valores concedidos realmente foram bem aplicados na construção, evitando a aplicação de juros para os compradores-associados.
Cumpre ressaltar que o comprador NUNCA tem acesso ao cronograma de obras, sendo certo que esse documento fica restrito apenas à incorporadora e ao Banco.
O que muda para o comprador no crédito associativo é que ele assina o Contrato de Financiamento imobiliário DURANTE a fase de construção e o banco efetua a transferência do financiamento imobiliário para a vendedora. Já na figura do repasse, o comprador somente assina o Contrato de Financiamento imobiliário após o término das obras, quando então pagou à incorporadora algo em torno de 30% a 40% do preço, porém, ele tem a certeza de que aquela obra existe e está entregue.
Mesmo o comprador financiando com a CEF durante a fase construtiva, quem responde pelo empreendimento, inclusive sobre qualidade construtiva e prazo de entrega da obra é a incorporadora-vendedora e não o banco.
No crédito associativo o comprador paga muito pouco para a incorporadora, representando aproximadamente 10% a 20% apenas, iniciando o financiamento imobiliário dos outros 90% ou 80% perante o Banco durante a fase construtiva do empreendimento.
É praxe em Contratos de Financiamento na modalidade do crédito associativo perante CEF a existência e entrega ao comprador de um anexo denominado: Planilha de Evolução Teórica, na qual existem DUAS planilhas.
A primeira e menor planilha contempla valores mensais para o comprador pagar à CEF DURANTE A FASE DE CONSTRUÇÃO do empreendimento.
Nessa primeira planilha de valores a pagar à CEF durante a fase de construção do empreendimento, verificando o último mês de pagamento, constata-se que aquele é o prazo pactuado entre a CEF e a incorporadora para o término das obras.
Na segunda e maior planilha aparecem os valores a pagar à CEF referente à fase de amortização, que é quando o empreendimento está ou teoricamente deveria estar pronto e tudo o que o comprador paga, amortizará seu financiamento bancário.
Porém, nem sempre isso acontece e aí está o problema do crédito associativo.
Quando a incorporadora atrasa a entrega do empreendimento, após o vencimento da última prestação do comprador à CEF, referente à planilha de pagamentos durante a fase de construção, no mês seguinte dá-se início à cobrança dos chamados juros de medição (ou juros de obra) perante todos os compradores, o que é absurdo, já que todos os associados pagarão a mais para o banco por um erro cometido exclusivamente pela incorporadora-vendedora no cronograma de obras, geralmente porque precisou obter mais dinheiro para a conclusão do empreendimento.
Nessa situação, os compradores que possuem o mesmo prazo de entrega do imóvel e o mesmo fluxo financeiro no Contrato de Financiamento perante o banco, através das duas planilhas (fase de construção e fase de amortização), não só deixam de ingressar no financiamento propriamente dito, como pagarão juros para a entidade financeira, cujo valor não será objeto de qualquer abatimento sobre o saldo devedor já financiado.
Por exemplo, imaginemos que o comprador A assinou um Contrato de Compromisso de Venda e Compra perante a incorporadora B no dia 20 de janeiro de 2011, com prazo de entrega do imóvel previsto para o mês de dezembro de 2013, já inclusa a cláusula de tolerância de 180 dias, vindo a assinar o Contrato de Financiamento com a CEF no dia 20 de outubro de 2011.
No anexo denominado Planilha de Evolução Teórica, na planilha de valores a serem pagos à CEF durante a fase de construção, consta que o último pagamento ao banco será no dia 20 de dezembro de 2013.
Ocorre que a incorporadora atrasou o cronograma de obras, descumprindo o prazo máximo pactuado com o comprador e com o banco, de modo que no mês de janeiro de 2014, o comprador pagará um valor ao Banco que não será abatido do financiamento.
Considerando que a modalidade de financiamento é o crédito associativo e a vendedora utilizou mais dinheiro do banco do que o inicialmente previsto, necessitará de maior quantia para finalizar a obra, só que quem paga esse empréstimo a mais são os compradores-associados, através de rateio mensal, a depender do valor necessário à finalização do empreendimento.
Quanto mais tempo demorar para o término das obras, mais dinheiro os compradores serão obrigados a ratear perante o banco, que é quem disponibiliza esse valor a maior para a incorporadora responsável pelas obras.
Dependendo do atraso, os compradores pagam somas altíssimas a título de juros de medição, os quais, repita-se, não são abatidos do financiamento.
Outra constatação é que não se tem uma exata dimensão de quando a obra estará realmente pronta, pois o comprador fica na dependência total da incorporadora, sendo obrigado a contar com maior agilidade administrativa e logística, porém, nem sempre isso acontece.
Caso o imóvel não seja entregue dentro do prazo estipulado e o comprador comece a pagar juros de medição ao banco, poderá ingressar com ação de indenização por perdas e danos (materiais e morais), a fim de solicitar a aplicação de uma indenização por cada mês de atraso da incorporadora, bem como a restituição dos juros de medição até o término das obras, além de eventual indenização por danos morais pelo atraso.
Sumariamente: o chamado crédito associativo é a pior forma para qualquer pessoa adquirir um imóvel, pois caso ocorra atraso na entrega após o término do prazo previsto no cronograma de obras, todos os compradores-associados pagarão valores a mais perante o Banco por erro da vendedora, sendo que esses valores não amortizarão em nada o financiamento já contraído.
Ivan Mercadante Boscardin - Advogado especialista em Direito Imobiliário e Consumidor.
O texto compõe a obra do autor intitulada: “Artigos Jurídicos sobre Direito Imobiliário”
Fonte: Artigos JusBrasil
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