Filho meu, se ficaste por fiador do teu companheiro, se deste a tua mão ao estranho,... (Provérbio 6:1). Não pretendendo içar uma discussão religiosa, respeitando, sobretudo, as diversas reflexões bíblicas, acreditamos que o fato de uma pessoa afiançar outra não a torna uma pecadora. Não podemos considerar, também, o afiançado um pecante. Pelo contrário, nos dias atuais, este instrumento de garantia em favor do cumprimento de uma determinada obrigação ainda é a melhor opção dentre as modalidades de garantia locatícia, tornando-se, em determinadas situações, indispensável.
A fiança, a qual não se assemelha com o aval, é uma espécie de caução fidejussória ou pessoal, baseada na confiança, fidúcia depositada na pessoa do garante, o fiador,[1]sendo certo que esta fidúcia apontará sempre para o patrimônio do garantidor, o qual responderá pela obrigação não cumprida.
Nesse sentido, o que o texto sagrado, em linhas anteriores citado, ensina-nos é que precisamos ser prudentes nas nossas decisões, agindo como responsáveis e conscientes acerca das consequências de se afiançar alguma obrigação contraída por alguém.
É manifesto que muitas pessoas (físicas ou jurídicas) necessitarão recorrer, algum dia, a um fiador, sobretudo nos alugueis não residenciais, nos quais, na maioria das vezes, o valor dos alugueis e do imóvel objeto da locação é bastante considerável e o locador (o proprietário ou a imobiliária) exigirá garantidores.
Percebe-se que no mercado de locação de imóveis residenciais e não residenciais (comerciais) a tendência é a exigência do fiador. Sim, exigência, pois o proprietário (locador) não é obrigado (e, na maioria das vezes, nem deve) a celebrar um contrato de locação sem a presença de um ou mais garantes.
A Lei de Locação (nº 8.245/1991) assevera que “no contrato de locação, pode (deverá) o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia, caução, fiança, seguro fiança, cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento” (art. 37). Todavia, esse dispositivo vedou a contratação de mais de uma modalidade de garantia.
Conquanto na praxe locatícia as administradoras (imobiliárias) exigem dois garantes, um fiador com “renda” comprovada, cuja remuneração auferida seja quatro vezes o valor do aluguel, e um fiador proprietário de um imóvel, cuja matrícula esteja registrada, preferencialmente, na cidade do bem locado, aquela legislação não limitou a quantidade de fiadores e não estipulou a forma de como escolhê-los, cabendo à empresa administradora esse encargo de, na medida do possível, selecionar bons fiadores.
Por isso é importante os proprietários delegarem a administração de imóveis a profissionais capacitados técnico e juridicamente que, além de verificar a idoneidade dos contratantes, formalizarão um contrato de locação capaz de assegurar aquela nova relação ex locato, nos moldes da realidade imobiliária e judiciária.
É importante salientar, também, que a obrigação do fiador, em regra, é subsidiária à obrigação do locatário, ou seja, “primeiramente responderão os bens do afiançado”[2]. Contudo, como se disse, essa é uma regra, cuja exceção beneficia o proprietário numa demanda judicial, uma vez que a obrigação do fiador passará a ser solidária.
Outra situação que traz maior garantia ao proprietário e mais tormento ao fiador, é o fato de o imóvel residencial de propriedade do fiador ter sido excluído do rol de impenhorabilidade do bem de família (Lei nº 8.009/1990). Sendo assim, o imóvel residencial do fiador será objeto de expropriação judicial.
Outrossim, considerada um contrato acessório, “porque não existe sem o contrato principal e se extingue com a extinção das obrigações deste”[3], contratada a fiança, o fiador não pode desistir de prestá-la até a indeterminação do contrato, mesmo que a amizade do garante e do afiançado tenha se rompido, por exemplo. O locatário poderá apresentar novo fiador e pedir a sua substituição durante o prazo determinado do contrato. Contudo, o locador precisará anuir. Logo, o fiador não possui o direito de se arrepender, como possui o consumidor em determinadas situações.
Existem diversas outras peculiaridades que envolvem direitos e deveres das partes contratuais num contrato de locação. Todavia, o objetivo do presente texto é, de maneira simplória, trazer à reflexão que ser fiador pode não ser uma boa ideia. Todavia, ter por perto um garante é necessário, pois não se aconselha nos dias atuais ter-se uma relação ex locato sem a presença de fiadores, seja um, dois, três, quatro, cinco no mesmo contrato.
Dessa maneira, de acordo, também, com os ensinamentos bíblicos, os quais asseguram que nós tomemos decisões prudentes e conscientes, podemos dizer um “não” a um conhecido que necessita ser afiançado, cujo escopo, às vezes, é resguardar uma amizade. Porém, deve-se evitar (conforme, é claro, o caso concreto) dizer um “sim” ao locatário que se esquiva de lhe apresentar “bons” fiadores. Afinal, “quem não deve (ou não vai ficar devendo) não teme”.
[1] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Contratos em espécie. Volume 3. Quarta edição. Editora Atlas. São Paulo. 2004, p. 428.
[2] VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada. Doutrina e Prática. Décima primeira edição. Editora Atlas. São Paulo. 2012, p. 167.
[3]VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada. Doutrina e Prática. Décima primeira edição. Editora Atlas. São Paulo. 2012, p. 167.
Allan Milagres - Graduado em Direito pela PUC Minas. Pós Graduado em Direito Processual Civil pela PUC Minas. Especialista em Direito Imobiliário. Advogado e palestrante.
Fonte: Artigos JusBrasil
Nota do Editor:
Complementando a introdução do autor para reflexão aos candidatos a fiador: “Não sejas daqueles que fazem tratos rapidamente, nem dos que saem por fiadores de dívidas. Se não tens para pagar, por que arriscas tua cama de debaixo de ti?” / Provérbios 22:26 e 27
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