Temos visto um procedimento que parece ter se tornando em senso comum para os profissionais que atuam na administração de imoveis alugados. Com o objetivo de garantir uma melhor proteção ao proprietário do imóvel a ser locado, tem-se dado preferencia para proceder à caução do imóvel da pessoa que se oferece como garantidor da locação.
Esta opção parece ser a mais segura, pois aparenta estabelecer um vinculo inviolável, mantendo no imóvel dado em garantia um “gravame” que o relaciona à locação enquanto esta vigorar.
A interpretação geral é de que a caução mantém a ligação entre o bem caucionado e a locação, em qualquer condição, seja em caso de alienação, seja em caso de bem de família, seja lá qual for a circunstancia, pois se entende que caução é garantia real.
Mas será mesmo a melhor opção, a mais segura? Gostaria de propor uma analise acerca dessa garantia locatícia, comparando-a com a fiança, verificando sua eficacia e seu conceito.
Comecemos por sua eficacia, verificando o pensamento de nossos juízes.
Analisando a jurisprudência em São Paulo, verificamos que o Tribunal de Justiça tem mantido as decisões de primeiro grau, as quais são favoráveis ao reconhecimento da caução de bem imóvel como garantia real, equiparando-a até mesmo a uma hipoteca.
Inclusive permitindo a penhora do imóvel caucionado, mesmo quando este se trata de bem de família. Porque, no entendimento dos tribunais paulistas, caução se equipara a fiança, e portanto entra no rol das exceções previstas na Lei 8.009/90.
Contudo, se a questão chegar ate o STJ, poderemos ver um entendimento muito diferente. Esta Corte Superior firmou entendimento de que a Lei 8.009/90 possui caráter social, pois estabelece uma proteção à moradia da unidade familiar, e portanto seu rol de exceções é taxativo, e não exemplificativo. Destarte, a lei deve ser interpretada restritivamente.
Nas palavras da Exma. Sra. Ministra JANE SILVA:
RECURSO ESPECIAL Nº 866.027 - SP (2006/0150380-3)
RELATORA: MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG)
EMENTA:
PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. VIOLAÇÃO LEGAL. DEMONSTRAÇÃO CIRCUNSTANCIADA. IMPRESCINDIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. COMPROVAÇÃO. LOCAÇÃO. CAUÇÃO. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA.
“Tenha-se em conta, também, para esclarecer a questão sob exame, que referida lei acrescentou o inciso VII ao artigo 3º da Lei 8.009/90, a qual dispõe acerca da impenhorabilidade do bem de família. Confira-se, a propósito, o teor desse dispositivo:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...) VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Nesse contexto, tratando-se de caução, em contratos de locação, não há que se falar na possibilidade de penhora do imóvel residencial familiar, pois não incluída entre as hipóteses permissivas à privação da posse.
De fato, considerando que a possibilidade de expropriação do imóvel residencial é exceção à garantia da impenhorabilidade, a interpretação às ressalvas legais dever ser restritiva, sobretudo na hipótese sob exame, em que o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem a dúvidas.
Por outro lado, a própria Lei 8.245/91, que acrescentou ao artigo 3º, acima referido, a fiança locatícia como exceção à impenhorabilidade, prevê, como distintas garantias, caução e fiança (artigo 37, incisos I e II, respectivamente). Nesse diapasão, pode-se inferir, do confronto das leis em tela, no que interessa, o seguinte:
1) a regra da impenhorabilidade do bem de família, de que trata a Lei 8.009/90, não é absoluta, pois comporta exceções;
2) tais exceções estão previstas, taxativamente, nos incisos do artigo 3º da própria Lei 8.009/90;
3) a possibilidade de penhora, cuidando-se de caução prestada em contrato de locação, não está elencada nos incisos do artigo 3º.
Nessa linha de pensamento, tenho comigo que, nos casos de caução prestada para garantia de contrato de locação, nos termos da Lei 8.245/91, não é possível o desapossamento do imóvel caracterizado como bem de família, de onde resulta a violação perpetrada pelo tribunal de origem, consubstanciada na equiparação, no caso, para fins de penhora, de caução e fiança, ou seja, dos incisos I e II, do artigo37, da Lei 8.245/91.
Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento, para desconstituir a penhora do imóvel caracterizado como bem de família, objeto de caução, nos termos acima explicitados, prosseguindo-se a execução como entender de direito.”
Portanto se pode ver que o vinculo inviolável que se pensava existir no caso de caução de bem imóvel cai por terra sob o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Ao menos quando o imóvel caucionado se tratar de bem de família, sua penhora será vedada, de modo que não se verifica uma garantia real nessa modalidade de garantia locatícia.
O entendimento do STJ se fundamenta, como visto, na interpretação da “letra fria da Lei”. No parecer da Ministra, o tribunal de instancia inferior errou ao equipar a modalidade de garantia locatícia “caução de bem imóvel” com a modalidade de garantia locatícia “Fiança”. Vejamos o trecho:
“... De onde resulta a violação perpetrada pelo tribunal de origem, consubstanciada na equiparação, no caso, para fins de penhora, de caução e fiança...”
Vemos assim que a Ministra diferencia uma modalidade de garantia locatícia da outra, ao contrario de muitos profissionais que atuam no ramo imobiliário. Vejamos outro trecho que corrobora esse pensamento:
“(...) em que o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem a dúvidas.
Por outro lado, a própria Lei 8.245/91, que acrescentou ao artigo 3º, acima referido, a fiança locatícia como exceção à impenhorabilidade, prevê, como distintas garantias, caução e fiança (artigo 37, incisos I e II, respectivamente)...”.
É perfeita a visão da Ministra, pois caução não se constitui em fiança. Realmente aparenta ser, mas aqueles que operam o Direito devem saber reconhecer a diferença. Quantas vezes já ouvimos um advogado dizendo que, para garantir a locação, “optou por caucionar o imóvel do fiador”. Não existe caução de imóvel de fiador. Ou é fiador ou é caucionante. Pois fiador pode ter seu imóvel penhorado, mesmo sendo bem de família, na forma da lei 8.009/90. E caucionante, como visto, não sofrerá esta perda.
Claro que não são apenas os advogados que incorrem neste erro de interpretação. Também muitos de nossos juízes não veem a distinção entre fiança e caução. Vejamos abaixo:
“35 Câmara
APELAÇÃO C/ REVISÃO - Nº 1024288- 0/6
Comarca de GUARULHOS 5º. V. CÍVEL
Processo 2953/02
O autor celebrou a locação com XXXX de Souza, pelo contrato de fls. 17/21, mediante as condições constantes no instrumento, aos 25 de junho de 1998. E, no contrato, houve a prestação de fiança, tendo os fiadores, dado em caução, um imóvel sito no município de Arujá, Comarca de Santa Izabel, devidamente registrada a garantia no Registro de Imóveis competente (...).”
Naturalmente que já estamos saindo do quesito eficacia e entrando no outro quesito, o conceito. Mas há um momento em que os dois se misturam, como por exemplo, na questão da alienação do imóvel caucionado.
Para ser eficaz, a caução de bem imóvel deveria vedar a alienação do bem caucionado. Ou pelo menos estabelecer o direito de sequela, a fim de manter a garantia mesmo que o bem venha a pertencer a terceiro alheio à locação.
Mas essa eficacia existe? Verificando o procedimento de estabelecimento da caução, vemos que não há vedação legal à alienação do bem caucionado. Nem mesmo se, ao invés da caução, fosse firmada uma hipoteca, haveria vedação à venda do bem. É o que estabelece o artigo 1.475 da lei 10.406/2002, in verbis:
“Art. 1.475. É nula a cláusula que proíbe ao proprietário alienar imóvel hipotecado.”
É fato que a unica modalidade de garantia onde se exige a autorização do credor para proceder a venda do bem é a alienação fiduciária.
Portanto, o imóvel dado em caução para garantia de locação pode sim ser vendido a terceiros, caso se consiga um terceiro que se interesse em adquirir um bem em tal condição.
E o direito de sequela?
Sobre o direito de sequela, o mestre De Plácido e Silva nos ensina:
“O direito de sequela é característico dos direitos reais, podendo ser exercido sobre as coisas dadas em hipoteca, penhor, caução e anticrese.” - (Vocabulário Jurídico Conciso, 3ª edição, Editora Forense, 2012, página 540).
Sendo assim, a constituição de um Direito Real que permita o direito de sequela deve seguir a orientação da Lei 10.406/2002 – Código Civil - em seu artigo 1227:
“Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (...).”
Ocorre que a caução é AVERBADA à margem da matricula do imóvel dado em caução, e não REGISTRADA. É o procedimento disciplinado pela lei 8.245/91:
“Art. 38. A caução poderá ser em bens móveis ou imóveis.
§ 1º A caução em bens móveis deverá ser registrada em cartório de títulos e documentos; a em bens imóveis deverá ser averbada à margem da respectiva matrícula.”
Dessa forma vemos que a forma de se constituir a “caução de bem imóvel” a impede de ser um Direito Real, de modo que se perde também o direito de sequela. O próprio conceito da caução tira dela sua eficacia.
Então, ocorrendo a alienação, como fica a garantia do proprietário do imóvel locado?
Ela se perderá, e deverá ser substituída pelo locatário. Caso não seja, o locador poderá propor o desfazimento da locação. É o que vemos na Lei do Inquilinato, no artigo 40, in verbis:
“Art. 40. O locador poderá exigir novo fiador ou a substituição da modalidade de garantia, nos seguintes casos:
(...);
VII - desapropriação ou alienação do imóvel.”
“Parágrafo único. O locador poderá notificar o locatário para apresentar nova garantia locatícia no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de desfazimento da locação.”
Quando confundimos “caução de bem imóvel” com “fiança”, incorremos em um erro grave que pode vir a prejudicar o proprietário do imóvel alugado. Caução e fiança não são a mesma coisa, as duas modalidades são distintas, e as duas são especies, pertencentes ao gênero “garantias da locação”.
Para escolher a garantia mais eficaz, devemos analisar caso a caso, com bastante cuidado.
Para ajudar a decidir entre fiança e caução, podemos sugerir o seguinte: Para uma locação onde a garantia é uma pessoa com patrimônio, se este patrimônio se resumir a um único imóvel, devemos escolher a garantia “fiança”, pois esta permitira a penhora do bem mesmo que este seja o chamado bem de família.
Mas caso o patrimônio se constitua em mais de um imóvel, podemos pressupor que mesmo sendo alienado algum dos imoveis, o dinheiro dessa venda não se evapora, mas sera empregado na aquisição de outros imoveis. De modo que, uma vez pedida a penhora, não encontraremos um caucionante com um único imóvel constituído em bem de família, impenhorável aos olhos do STJ. Daí poderemos escolher a modalidade “caução de bem imóvel” para garantir a locação.
De toda maneira, a melhor caução é aquela que recai sobre imóvel comercial, como por exemplo, os conjuntos em edifícios comerciais. Obviamente que não seria o único imóvel que serve de residencia para a família.
Por fim, fica o alerta: “caução de bem imóvel” não é garantia real.
Bons negócios a todos, e forte abraço!
Fernando Pereira
Fonte: Artigos JusBrasil
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