Recentemente deparei-me com situações no escritório acerca de alienação de imóveis por pessoas jurídicas e seus efeitos tributários, particularmente no tocante à tributação federal e especificamente no tocante ao que se define como ganho de capital, para fins de imposto sobre a renda.
Em primeira linha, vale asseverar que dois conceitos contábeis, aqui analisados no âmbito da atividade imobiliária, são importantes para o entendimento da questão:
1. Ativo Permanente - rubrica contábil de registro dos imóveis de propriedade da pessoa jurídica mantidos para uso próprio, sejam dedicados ao operacional da empresa, às instalações administrativas ou mesmo ao aluguel;
2. Estoque (Ativo Circulante) - rubrica contábil de registro dos imóveis mantidos para venda no desempenho normal do objeto social da empresa que atua no segmento imobiliário.
Importante destacar ainda que esse assunto afeta também as empresas patrimonias, aquelas cuja intenção de criação é apenas de gestão e segregação de patrimônio. Isso porque o ponto determinante é o que consta como atividade (e o CNAE desta) na cláusula do objeto social do ato constitutivo da empresa. Nessa linha, a Receita Federal do Brasil vem considerando algumas patrimoniais como contidas na definição de empresa de atividade imobiliária. Ou seja, o presente tema não deve ser uma preocupação apenas das empresas imobiliárias em sentido formal.
Desse modo, se a empresa não exerce atividade imobiliária (exemplo, é apenas uma patrimonial de gestão de bens ou herança, ou ainda empresa de outro segmento com imóvel integralizado em seu capital), a regra de tributação é o conceito de ganho de capital, diga-se, a base de cálculo da exação tributária será a diferença entre o valor de aquisição e o valor de alienação.
No entanto, se é uma patrimonial que produz renda a partir de construção, aquisição e venda de imóveis, enquadra-se na definição de empresa do ramo imobiliário e pode se valer da ferramenta contábil do Estoque (Ativo Circulante) e seus efeitos tributários.
Significa dizer que o modo de atuação da patrimonial, ou seja, a destinação que ela dá aos imoveis do seu patrimônio social, definirá seu enquadramento pela Receita Federal para fins de exação do ganho de capital sobre a venda de tais bens.
Assim, em síntese, considerando o escopo econômico (que é a conduta normal esperada de uma empresa do segmento, segundo a RFB), uma pessoa jurídica com atividade de compra e venda de imóveis deve mantê-los na rubrica Estoque durante o exercício fiscal. E, por seu turno, manterá aqueles imóveis que não tem a intenção de vender na rubrica contábil Ativo Permanente. Esse é o entendimento da Receita.
Essa distinção de classificação fisco-contábil repercute em regras de tributação também diferentes sobre as operações com imóveis mantidos em Estoque (tratados como um produto), não apenas no caso de ganho de capital derivado de venda (a base de cálculo é apurada em percentual presumido sobre o valor da venda, porém incidem, além do IR e CSLL, também o PIS e a COFINS), como ainda na hipótese de receita de alugueis dos imóveis (a base de cálculo é 75% maior que a de imóvel em ativo permanente), isso em se tratando de empresa submetidas ao regime jurídico-tributário do lucro presumido.
Importante destacar ainda, nesse ponto, que, para o regime tributário do lucro presumido, a determinação do ganho de capital deve tomar por referência o valor contábil do imóvel (o custo de aquisição do bem, descontadas a depreciação e amortização acumuladas), sob pena de, inexistindo tais registros, ser aplicado simplesmente o valor de aquisição. Essa adoção do critério do valor contábil é um direito que não pode ser esquecido pelo contribuinte e muito menos negado pela Receita Federal.
Assim sendo, a princípio, manter o imóvel no ativo permanente é melhor para alugar, porém pode vir a ser menos vantajoso para a venda, mesmo sem a incidência de PIS e COFINS, já que o Imposto de Renda incide diretamente sobre o ganho de capital e não sobre uma base de cálculo presumida. Essa análise, efetivamente, depende do caso concreto e envolve todas essas variáveis.
Na prática operacional de empresas desse segmento a questão essencial está justamente na dinâmica de migração de tais imóveis de uma rubrica de classificação contábil para outra; e ainda a interpretação que a Receita Federal tem dado a esses movimentos escriturais, sob o prisma da análise do real escopo econômico para tais alterações contábeis.
Em particular, o alerta da Receita dispara em mudanças abruptas entre rubricas contábeis como, por exemplo, de um imóvel mantido em Ativo Permanente durante anos para fins de aluguel (o que induz a uma menor tributação sobre a renda de alugueis) e migrado para Estoque meses antes de sua venda (o que induz a menor tributação na receita de venda, mediante base de cálculo presumida, diferente da regra do ganho de capital inerente à classificação em Ativo Permanente).
Em tais circunstâncias, a Receita Federal tende a não enxergar o chamado escopo econômico, vislumbrando apenas a exclusiva intenção de reduzir a carga tributária e assim desqualifica/desconsidera o ato jurídico (art. 116, § único, do Código Tributário Nacional) para aplicar a regra fiscal (ganho de capital) ao fato concreto que entende materializar a realidade (imóvel sempre dedicado ao ativo permanente durante a operação da empresa). Isso vem ocorrendo em julgamentos do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, a esfera administrativa julgamentos de autos de infrações tributárias federais.
Ainda no esquadro do escopo econômico que a Receita Federal busca identificar nas vendas de imóveis praticadas por essas empresas, está o que se define como a análise da efetiva finalidade da aquisição do imóvel, ou seja, se aquele bem específico fora originalmente comprado para alienação futura, diga-se, se foi sempre tratado com um sentido de mercancia.
Desta forma, ao atribuir esse foco de análise na realidade material das relações jurídicas travadas pelas empresas imobiliárias, o Fisco Federal coloca em segundo plano o aspecto formal da atividade imobiliária registrada como objeto social da pessoa jurídica em seus atos constitutivos. Desse modo, para a Receita não basta constar a atividade imobiliária da cláusula do contrato/estatuto social, a operação em si é que será o foco de análise específica em busca do escopo econômico, diga-se, da finalidade de lucro no negócio jurídico.
Ainda nessa linha, a Receita Federal tem entendido que o mero recebimento de alugueis pelo imóvel já o descaracterizaria como ativo circulante e este não poderia figurar na rubrica contábil Estoque, para fins tributários em posterior venda.
Surge, então, o ajuste fino do ponto de discussão e que deve ser o centro das atenções das partes envolvidas: definir se o imóvel tinha ou não alta probabilidade de venda e a partir disso, identificar se, em dado momento, deveria estar ainda classificado como Ativo Permanente ou se já deveria ter sido transferido para o Ativo Circulante (Estoque). Esse é aspecto material da relação jurídica tributária que, diante de sua razoabilidade, caso não acatado na esfera administrativa pela Receita, tem grande força para ser levado a uma subsequente análise do Judiciário.
A verdade é que uma premissa inafastável não pode ser esquecida pela Receita Federal e pelos operadores do Direito na análise de tais questões: o Direito Tributário é de sobreposição. E assim sendo, particularmente para a nossa análise, recai sobre relações jurídicas privadas definidas pelo direito civil ou empresarial, do que decorre então, por lógica juridica, que não pode desvirtuá-las para que caibam no esquadro das suas definições próprias. Isso é o que emana dos termos do art. 110 do Código Tributário Nacional.
Então, a quem cabe dizer se um determinado imóvel tinha ou não alta probabilidade de venda em dado momento? Quem detém a competência técnica sobre o assunto, seria o mercado imobiliário ou seria a Receita Federal? Essa é a pergunta de um milhão de dólares, ou até mais! Diga-se, esse é o ponto fulcral da questão que pode vir a ser objeto de perícia, seja administrativa, seja judicial.
Há aspectos particulares ainda em se tratando de empresa sujeita ao regime tributário do lucro real. Nesse caso, como o ganho de capital é obtido por meio da determinação do lucro líquido do exercício fiscal, existe a possibilidade até de se reduzir a tributação ou mesmo afastar por completo a exação sobre esse ganho de capital, na medida em que um eventual prejuízo fiscal no período (e 2018, nesse particular, gerou muito prejuízo nesse mercado) pode ser deduzido na apuração do lucro líquido.
Desta forma, há sim a necessidade de um cauteloso planejamento tributário sobre essas questões, diante da grande possibilidade de aplicação, por parte do Fisco Federal, de normas antielisivas sobre as operações de venda de imóveis referidas, mas também não se deve temer o exercício do justo direito à menor tributação permitida por lei.
David Luduvice - Sócio do Luduvice, Cal & Alpire Advogados e procurador fiscal de Salvador.
Fonte: Bahia Notícias
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