Na ampla problemática dos condomínios e empreendimentos assemelhados como loteamentos fechados, avulta mais recentemente a questão da hospedagem curta proporcionada pelo sistema denominado Airbnb.
Esse sistema consiste em uma plataforma on-line de hospedagem pela qual os interessados podem se hospedar em quarto ou imóvel inteiro (casa ou apartamento) por curta temporada. Utiliza um imóvel normal, e não uma pousada ou local específico para hospedagens. O sistema possui uma classificação do hóspede por estrelas. Os pagamentos são realizados por plataforma de cartão de crédito.
O maior entrave para a utilização generalizada dessa modalidade diz respeito aos condomínios estritamente residenciais. Esta, como inúmeras inovações sociais trazidas nesta contemporaneidade, gera inquietação aos moradores, principalmente pela quebra de segurança, sem falar na interferência do sossego e no eventual tumulto da vida condominial.
Não existe ainda uma regulamentação legal nem uma proibição expressa na lei para esse tipo de prática. Em princípio, o instituto seria regulado pela Lei n. 11.771/2008, que trata da hospedagem para turismo, mas essa lei está voltada para estabelecimentos de hotelaria. Não se amolda, em absoluto para conjuntos residenciais comuns. A Lei do Inquilinato (arts. 48 a 50 da Lei n. 8.245/1991) prevê a locação por temporada por até 90 dias, mas dirige-se a outra classe de inquilinos, e não a hóspedes. A locação por temporada se destina a lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras no imóvel do locatário e situações símiles, como dispõe o art. 48. Porém, há que se ressaltar que na locação por temporada há locatários, e não hóspedes. Essa compreensão é fundamental. A locação por temporada somente se perfaz com contrato escrito, pois exige o prazo determinado, sendo incompatível o contrato verbal.
Nos condomínios, na situação do Airbnb e dos congêneres que certamente surgirão no mundo globalizado, o “hospedeiro” está locando não apenas sua unidade, mas toda parte comum do condomínio. A primeira questão já se posta para esses hospedes no tocante à utilização dos bens de uso comum, como piscinas, salão de festas, sala de ginástica etc. Já aqui surge uma inquietação compreensível dos condôminos em sua vida social, e não apenas sob o aspecto da segurança.
O zelador e o síndico não são recepcionistas hoteleiros e não estão preparados para tal, não sendo esse seu mister.
Os condomínios estritamente residenciais não têm permissão para explorar comercialmente suas unidades, caracterizando essa hospedagem como um desvio de finalidade, para dizer o mínimo.
Os condôminos atingidos por essa situação devem decidir em assembleia sobre a proibição, até que se faça expressamente menção do fato em alteração da convenção, embora tecnicamente não nos pareça necessário, ainda que seja mais conveniente para espargir dúvidas, pois não se sabe por ora para onde baloiçam exatamente os ventos dos tribunais.
Não resta dúvida, contudo, que a questão é sensível e polêmica, exigindo pronta intervenção do intérprete.
Caberá ao síndico a primeira palavra no sentido de impedir a entrada e saída de pessoas, que irão certamente tumultuar a vida condominial. Uma deliberação assemblear para respaldar o síndico será, em princípio, a primeira medida, com ampla divulgação aos partícipes da vida condominial.
Note que essa discussão não causa problemas apenas entre nós, mas também no Exterior.
Se levarmos a questão para o nível constitucional, tudo girará em torno da função social da propriedade. Mormente nos condomínios de apartamentos e assemelhados, os poderes do proprietário encontram maiores restrições legais e de equidade, pela própria natureza dessa modalidade de propriedade. Cada propriedade deve ser utilizada de acordo com sua função social.
Destarte, parece-nos evidente que a utilização desses condomínios não pode ter função de hotelaria, por sua própria natureza, por não estar destinado a tal, porque não tem mínima condições de atuar nesse ramo, que tem finalidade lucrativa. Todavia, por vezes o caso concreto terá particularidades que mereçam melhor estudo, o que não deve alterar a regra geral que aqui expomos, com o devido respeito às vozes dissonantes. A aplicação do Direito exige sempre bom senso e equilíbrio, mormente levando-se em conta que a acomodação legislativa desse fato social ainda levará algum tempo.
A solução mais eficiente nos parece ser a previsão ou proibição de hospedagem pela natureza do condomínio na sua convenção. A verdade patente é que o condomínio estritamente residencial não se amolda e esse tipo de hospedagem.
A insistência em utilizar essa hospedagem sem o aval do condomínio é infração à sua finalidade, acarretando ao condômino recalcitrante a tipificação de antissocial, sujeitando-o às penalidades definidas no Código Civil (arts. 1.226, 2º, e 1.337). Analisamos detidamente essas hipóteses e penalidades em nossa obra Direitos Reais (cap. 15).
A convivência em edifícios e condomínios é muito mais complexa do que simples direitos de vizinhança. Os primeiros julgados sobre o tema têm sufragado majoritariamente a opinião aqui exposta. Alentado parecer da OAB de São Paulo – Comissão Especial de Direito Condominial, é da mesma opinião.
Aguardemos que as partes que eventualmente conflitem nessa área consigam a melhor solução.
Silvio Venosa
Fonte:GEN Jurídico
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