segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A LEI DO DISTRATO


Fruto do Projeto de Lei (PL) sob o n.º 1.220/15, de autoria do Deputado Federal Celso Ubirajara Russomanno, conhecido por atuar em matérias referentes à Direito do Consumidor, a Lei sob o n.º 13.786/2018, conhecida como Lei do Distrato, foi publicada em 28/12/18, alterando dispositivos das Leis sob os números 4.591/64 e 6.766/79.

A referida Lei regulamenta pontos importantes com relação aos contratos de compra e venda de imóveis, principalmente no que se refere aos requisitos necessários que devem estar ali expressos, e no caso de desistência do negócio, estabelecendo critérios objetivos de distrato e penalidades, tanto para o comprador como vendedor.

Ocorre que a Lei não foi idealizada com o propósito de beneficiar as incorporadoras, ao revés, foi proposta com o intuito de regulamentar entendimento sobre o valor que deveria ser reembolsado ao adquirente do imóvel do caso de desistência.

O PL tinha o propósito de regulamentar, exclusivamente, “(...) a desistência do contrato de incorporação imobiliária com a retenção de até 10% (dez por cento) do valor pago por parte da incorporadora.”, estabelecendo 3 (três) artigos, em cuja justificativa assim se apresentava: “A desistência de compra de imóveis na planta tem se tornado um tormento ao consumidor em face da ausência de norma legal que regulamente a questão. Atualmente os Tribunais de todo o País e as Ações Civis Públicas propostas pelo Ministério Público vem estabelecendo como justa a possibilidade de retenção pelas incorporadoras do valor de 10% (dez por cento) sob o título de ressarcimento de custos, todavia, algumas empresas ofertam a devolução de quantias menores aos consumidores, obrigando-os a procurarem o judiciário”.

Em que pese a boa intenção do Deputado, pode-se dizer que o Projeto de Lei, depois da conversão: “saiu pela culatra”.

Sem ser objeto de análise na presente resenha, apenas para ilustrar o ditado popular, o § 5º do art. 67-A da Lei sob o n.º 4.591/64, incluído pela Lei sob o n.º 13.786/18, prevê que, no caso de desfazimento do contrato, por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, o incorporador restituirá os valores pagos pelo comprador, admitindo-­se retenção de até 50% (cinquenta por cento) da quantia paga.

O presente ensaio não pretende imiscuir-se sobre toda a legislação, restringindo-se, para o momento, aos incisos de relevo dispostos no art. 35-A da Lei sob o n.º 4.591/64, acrescidos pela Lei do Distrato.

O dispositivo estabelece requisitos que devem ser indicados no quadro-resumo dos contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas, integrantes de incorporação imobiliária.

Ou seja, apenas nos casos de incorporação imobiliária há a necessidade de descrição, no quadro-resumo, dos requisitos estabelecidos nos incisos do art. 35-A.

Conforme definição prevista na Lei sob o n.º 4.591/64: considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

A controvérsia já se inicia nesse ponto, pois, estabelecer requisitos obrigatórios que devem estar previsto no quadro-resumo tem o condão de inflar o contrato, sem necessidade prática, já que algumas informações não são tão relevantes que mereçam destaque.

De qualquer forma, a exigência retrata transparência ao adquirente, que já nas primeiras folhas do contrato dispõe de uma visão ampla do escopo do negócio, concretizando direitos básicos do consumidor discriminados no art. 6º da Lei sob o n.º 8.078/90 (CDC).

Ponto importante, que merece destaque no quadro-resumo, refere-se à necessidade de que o valor a título de comissão de corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário deve estar expressa.

Trata-se de celeuma há muito discutida nos tribunais, que julgavam, de forma diversa, se o valor a título de comissão de corretagem deveria estar expresso no contrato de compra e venda de imóvel ou se poderia ser estabelecido em contrato apartado, como se observa nos seguintes excertos (destaques nosso):

DIREITO CIVIL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO ADEQUADA.

1 - Comissão de corretagem. Promessa de compra e venda de imóvel. A informação sobre a obrigação de o consumidor arcar com a comissão de corretagem em contratos de promessa de compra e venda de imóvel deve ser prévia e destacada do valor da aquisição, conforme entendimento fixado no STJ em sede de recurso repetitivo (REsp 1599511 / SP 2016/0129715-8 Relator (a) Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO). No caso, o contrato relativo à corretagem foi assinado posteriormente ao contrato de promessa de compra e venda, o qual não contém qualquer informação acerca do pagamento da verba de intermediação.Tal circunstância impede a transferência para o promitente comprador da obrigação de arcar com a comissão de corretagem.
(...)

(TJ-DF 20170710039519 DF 0003951-19.2017.8.07.0007, Relator: FABRÍCIO FONTOURA BEZERRA, Data de Julgamento: 06/11/2017, 1ª TURMA RECURSAL, Data de Publicação: Publicado no DJE : 17/04/2018 . Pág.: 594/601)
RECURSO INOMINADO. OBRIGACIONAL E RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ALEGAÇÃO DE COBRANÇA INDEVIDA A TÍTULO DE COMISSÃO DE CORRETAGEM. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CORRETAGEM QUE FOI DEVIDAMENTE FIRMADO PELAS PARTES. RESTITUIÇÃO INDEVIDA. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO IMPROVIDO.

1. Narram as partes autoras que após firmarem contrato de compra e venda de imóvel residencial, uma funcionária da construtora entregou-lhes um contrato de prestação de serviços de corretagem imobiliária, ocasião em que, com medo de perder o negócio, se viram obrigados e assinar. Pugnam pela condenação da parte ré ao pagamento de R$ 16.256,40 (dezesseis mil e duzentos e cinquenta e seis reais, quarenta centavos) a título de repetição de indébito, referentes ao valor indevidamente cobrado pela comissão.

2. Sentença que julgou improcedente a ação, fundamentando que a cobrança a título de comissão de corretagem fora devida.

3. Analisando o conjunto probatório trazido aos autos, verifica-se que os autores anuíram ao contrato de prestação de serviços de corretagem imobiliária acostado às folhas 42-48.
(...)

5. Portanto, segue indeferido pedido de repetição de indébito, uma vez que as cobranças e o pagamento foram devidos.
(...)

(TJ-RS - Recurso Cível: 71007629959 RS, Relator: Fabio Vieira Heerdt, Data de Julgamento: 25/10/2018, Terceira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/10/2018)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESISTÊNCIA PELOS COMPRADORES. RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. POSSIBILIDADE. MULTA CONTRATUAL. INCIDÊNCIA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. CONTRATO ESPECÍFICO DE SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO DE CORRETAGEM FIRMADO NA DATA DA AQUISIÇÃO. RESTITUIÇÃO DA QUANTIA PAGA. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
(...)

V- Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. Precedentes do STJ Resp. Repetitivo Nº 1.551.951 - SP (2015/0216201-2).

VI- Evidenciado que os consumidores assinaram contrato específico de corretagem, no dia da aquisição do imóvel, depreendendo-se que contratou os serviços de intermediação de corretagem oferecidos pelo Apelado, sendo, portanto, incabível a restituição de tal valor.

VII- Não prospera o pedido de inclusão na sentença de compensação por dano moral, porquanto os fatos, da forma como descritos na inicial, não são aptos a caracterizá-lo.

VIII- Os ônus sucumbenciais fixados em consonância com os termos do artigo 85, do CPC/2015, ensejando a sua manutenção. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (Classe: Apelação,Número do Processo: 0532416-58.2014.8.05.0001, Relator (a): Roberto Maynard Frank, Quarta Câmara Cível, Publicado em: 30/11/2016 )
(TJ-BA - APL: 05324165820148050001, Relator: Roberto Maynard Frank, Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: 30/11/2016)

Sem se adentrar na controvérsia sobre quem deve suportar a comissão de corretagem, se o adquirente ou a incorporadora, o fato é que o dispositivo é bem-vindo, coibindo diversas ações judiciais a serem propostas sobre o assunto.

Outro dispositivo que merece menção é o inciso VI, que estabelece a necessidade de previsão, no quadro-resumo, das consequências do desfazimento do contrato, seja por meio de distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do incorporador.

Primeiramente, cabe diferenciar o distrato da resolução contratual, em que pese a diferenciação não ter influência sobre a mensdo dispositivo.

Em síntese, a resolução é uma das modalidades de extinção do contrato quando sobrevém uma inexecução, ou seja, acontece no caso em que há inadimplemento, cuja consequência está prevista nos arts. 475 ou 478 da Lei 10.406/02 (Código Civil), dependendo do caso.

Topograficamente, o distrato encontra-se em seção apartada da cláusula resolutória, que prevê o instituto da resolução, logo, com este não se confunde.

Trata-se de resilição bilateral que, na verdade, tem as mesmas características de um contrato, em que se celebra um novo negócio pondo fim ao anterior, conforme art. 472 do Código Civil: “O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.”

Em adendo, se levarmos em consideração a técnica jurídica, um distrato atrelado a um contrato de compra e venda de imóvel deve ser manejado por meio de escritura pública, nos termos do art. 108 cc o art. 472 do Código Civil.

De qualquer sorte, o dispositivo sob análise apenas determina requisitos que devem compor o quadro-resumo de um contrato de compra e venda de imóvel, não detalhando a forma do instrumento contratual.

Por fim, outro inciso de relevo, um tanto obscuro, refere-se à possibilidade de arrependimento do negócio no prazo de 7 (sete) dias, nestes termos:
(...)

Art. 35-A (...)
(...)

VIII - as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial;
(...)

Primeiramente, o dispositivo procurar estabelecer um paralelo entre as contratações estabelecidas fora do estabelecimento comercial, nos termos do art. 49 do CDC, como nas compras realizadas por meio da internet, com as firmadas fora do domicílio da incorporada, como os estandes de vendas de imóveis, que é o caso das imobiliárias.

Ocorre que esse paralelo não existe.

O prazo de desistência, estabelecido no CDC, fundamenta-se no fato de que o consumidor só vai dispor do produto tempos depois da compra, não tendo conhecimento efetivo sobre o objeto adquirido, tanto que o prazo de 7 (sete) dias de arrependimento tem seu termo inicial a partir do recebimento do produto.

Esse arrependimento é bem retratado quando do julgamento do REsp 1534519/DF, em que o Relator, Ministro Benedito Gonçalves, ensina que “ O direito de arrependimento resguardado e regulado pelo artigo 49 do CDC derivara da necessidade de ser assegurado ao consumidor, nas compras não presenciais, a faculdade de refletir sobre a adequação do produto ou serviço que adquirira e da necessidade da aquisição frente às suas expectativas de consumo, emergindo da sua gênese que, ao invés de traduzir prerrogativa volvida a assegurar o distrato imotivado do contrato, traduz asseguração do direito de o consumidor arrepender-se quando adquire bem ou serviço em situação que não lhe permitira aferir com precisão e exatidão o que adquirira,consoante sucede nas vendas efetuadas pela via eletrônica, por telefone ou através de simples mostruários ou catálogos, redundando em escolha sem contato presencial com o produto.” (destaque nosso).

Ao revés, como seria no caso da aquisição de um imóvel? O adquirente teria direito a desistir da compra em que momento? Quando tiver imitido no imóvel adquirido? E se o imóvel lhe foi disponibilizado anos depois, o que acontece com todas as parcelas e demais despesas pagas?

A legislação não esclarece esse ponto, dispondo que nos contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador, o adquirente tem o direito de exercer o arrependimento em 7 (sete) dias, com a devolução de todos os valores eventualmente antecipados, inclusive a comissão de corretagem, porém, não esclarece qual o termo inicial para o exercício do arrependimento, limitando-se a informar que cabe ao adquirente demonstrar o exercício tempestivo do direito de arrependimento por meio de carta registrada, com aviso de recebimento, considerada a data da postagem como data inicial da contagem do prazo.

Como está posto, caso não haja definição precisa sobre o termo inicial para a contagem do prazo, abre-se a possibilidade de o incorporador vir a suportar o custo administrativo da negociação tempos depois da contratação, reembolsando todos os valores pagos pelo adquirente.

Por tudo, em que pese algumas incongruências estabelecidas na Lei, da análise fugaz dos incisos do art. 35-A, depreende-se que as informações que devem compor o quadro-resumo dos instrumentos contratuais elencados no dispositivo obedecem às determinações estampadas no CDC, minimizando possíveis ações judiciais que tenham por objeto o descumprimento do art. 31 da Lei consumerista.

Patrick Teixeira - Advogado, Sócio fundador do escritório Advocacia Teixeira. Especialista em Direito Imobiliário, Civil e Tributário.
Fonte: Artigos JusBrasil

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