quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

A PROBLEMÁTICA DA CONSOLIDAÇÃO DE SOCIEDADES IMOBILIÁRIAS EM RECUPERAÇÃO

Em excepcional artigo que inaugurou a coluna Migalhas Edilícias em julho de 2018 (As atuais fronteiras do Direito Imobiliário), André Abelha, partindo de uma hipotética situação, mostrou aos leitores como o Direito Imobiliário é multidisciplinar, exigindo dos seus profissionais noções e conhecimentos de muitas áreas.

Corroborando o que foi objeto de constatação pela personagem do artigo, a jovem advogada Alice, há mais um campo que, nos dias de hoje, tem forte relação com a área imobiliária: o Direito Recuperacional.

Esta ligação se faz cada vez mais latente em razão da profunda crise econômica vivida em nosso país, que atingiu em cheio o mercado de imóveis. Após experimentar anos de crescimento e investimentos (o boom imobiliário), o setor sofreu em demasia com a crise que assolou os negócios e as operações das construtoras, incorporadoras e loteadoras.

A crise, atrelada ao fortalecimento do instituto da recuperação, que se deu, dentre outros, pela atuação firme dos tribunais estatuais e do Superior Tribunal de Justiça, fizeram com que muitas empresas do ramo se valessem dessa ferramenta para tentarem se soerguer, mantendo-se vivas.

Um dos grandes conglomerados empresariais que ingressou com pedido judicial de recuperação foi o Grupo PDG. Em 23/02/2017 a ação foi distribuída para a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da comarca de São Paulo, SP. Para citar novamente a personagem, Alice precisaria conhecer mais um tema para bem atender sua cliente Sofia: a consolidação processual e substancial.

O citado pedido de recuperação foi formulado por 512 pessoas jurídicas! A holding do Grupo PDG, juntamente com as sociedades de propósito específico ("SPEs"), foram juntas buscar no Poder Judiciário uma guarida para que o grupo empresarial em crise pudesse se soerguer. Esse elevado número de empresas no polo ativo se explica porque a constituição de uma SPE para cada empreendimento é uma realidade no mercado imobiliário.

Verificou-se, então, no caso, a chamada consolidação processual, que permite o processamento em conjunto do pedido de recuperação judicial de várias sociedades do mesmo grupo econômico, de modo a configurar um litisconsórcio ativo, com apresentação de distintos planos de recuperação judicial ("PRJ"). As disposições do plano não afastam a regra da autonomia patrimonial de cada uma delas, as quais continuam respondendo com seus ativos pelas dívidas contraídas perante seus respectivos credores.

Mas, há casos, em que além da consolidação processual, ocorre a consolidação substancial ou material, que permite o tratamento das autoras litisconsortes como uma única entidade, com apresentação de um plano único que contemplará os ativos do grupo econômico para pagamento de todos os credores, indistintamente, de forma a desconsiderar a individualidade e autonomia patrimonial de cada empresa do grupo.

Então, é possível ter empresas do mesmo grupo em recuperação (i) com a preservação de suas personalidades jurídicas e autonomias, cada uma apresentando um plano de recuperação que contemplará seus ativos e será decidido por seus credores (consolidação processual) ou (ii) com a desconsideração de suas autonomias e individualidades e apresentação em conjunto de um plano unitário que congregará todos os ativos do grupo em recuperação e será votado por todos os credores das empresas (consolidação substancial).

É fato que consolidar todos os credores e todas as dívidas das empresas pode ser benéfico para um grupo de credores e prejudicial para outro, a depender de cada situação concreta, pois os ativos de uma empresa podem ser mais valiosos do que os da outra; uma empresa pode estar mais endividada do que a outra etc. Por isso, o tema é usualmente debatido pelos personagens que atuam no processo de recuperação.

Mas quem define, no caso concreto, se haverá consolidação?

A Lei de Recuperação Judicial e Falência (lei 11.101/05 "LRF") é silente quanto à regulamentação de recuperação judicial de grupos econômicos, não havendo qualquer definição do conceito de consolidação substancial, tampouco a estipulação de critérios objetivos para sua adoção em casos concretos.

Abra-se um parêntese para mencionar que o projeto de lei 10.220/2018, que visa alterar a LRF, traz textualmente no art. 69 disposição a respeito da consolidação. O projeto estabelece os parâmetros para reconhecimento da consolidação processual e substancial que pretendem não somente a unificação das relações de credores e do plano de recuperação judicial, mas até mesmo a desconsideração da personalidade jurídica dos agentes econômicos envolvidos e a apuração de responsabilidade criminal nos casos de confusão entre ativos ou passivos ou de envolvimento das recuperandas em fraude que imponha tal medida.

Não havendo definição legal da aplicação da consolidação substancial, cabe à jurisprudência preencher essa lacuna, o que sem dúvida gera insegurança jurídica.

Na prática, as empresas em recuperação fazem sua escolha, ao apresentarem aos credores e ao Juízo um ou mais planos de recuperação, cabendo (i) ao Poder Judiciário, para os que defendem ser ele o competente, dizer se a escolha está certa ou errada; (ii) ou aos credores, para aqueles que sustentam a competência do credor, decidir se o plano deve ou não ser único.

No Rio de Janeiro, por exemplo, a 14ª Câmara Cível entendeu, na recuperação judicial do Grupo OSX, que deveriam os credores decidir a respeito da unificação de ativos e passivos para fins de pagamento de todos os credores do grupo econômico. O mesmo aconteceu na recuperação judicial do Grupo Oi, quando a 8ª Câmara Cível, ao reformar a decisão de primeiro grau que havia permitido a apresentação da forma consolidada do Plano, determinou que o Administrador Judicial consultasse os credores na Assembleia Geral de Credores sobre a consolidação.

Em São Paulo, nas recuperações judiciais dos Grupos OAS e Rede Energia os respectivos juízos e credores aceitaram a apresentação de um único plano de recuperação por acreditarem ser essa a melhor forma de atendimento dos interesses dos envolvidos em razão da alta interdependência entre as empresas do grupo. Na recuperação do Grupo Viver, o Juízo acatou a consolidação substancial, excluindo as sociedades que instituíram patrimônio de afetação.

Voltando ao exemplo do Grupo PDG, as Recuperandas apresentaram, num primeiro momento, planos de recuperação judicial separados para cada SPE com patrimônio de afetação, e um plano de recuperação judicial unificado para o restante do grupo (holding e SPEs sem patrimônio de afetação), ou seja, um misto de consolidação processual e consolidação substancial. Ao final das negociações com os credores, foi apresentado um plano unificado para todas as sociedades do grupo econômico, preservando-se os patrimônios de afetação, plano este que restou aprovado na Assembleia Geral de Credores realizada em novembro de 2017.

Certamente o assunto patrimônio de afetação renderia um artigo próprio, mas cabe aqui tão somente destacar o acórdão proferido em setembro de 2018 pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo no caso PDG, que entendeu que a recuperação judicial é incompatível com a situação de SPEs dotadas de patrimônio de afetação, na esteira do art. 31-A, §1º da lei 4.591/64, segundo o qual "o patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva".

Citando o renomado Melhim Chalhub (e sua obra Incorporação Imobiliária), os julgadores entenderam que as empresas do grupo poderiam se valer do instituto da recuperação judicial "malgrado sem o patrimônio de afetação", "enquanto universalidades próprias e com específica destinação".

Então, como se viu, as sociedades imobiliárias podem se utilizar do instituto da recuperação judicial (ou mesmo extrajudicial) para tentar reorganizar sua realidade econômico-financeira junto aos seus credores. Em caso de grupo econômico, ante o silêncio da lei, a possibilidade de se verificar a consolidação processual (planos segregados para cada uma das empresas a serem votados por seus respectivos credores) ou substancial (plano unitário a ser votado por todos os credores) vai depender das peculiaridades do caso concreto e do entendimento pontual do Poder Judiciário sobre a competência para definir a questão.

Enfim, é indubitável que ter conhecimento sobre o Direito Recuperacional é importante para o advogado que atua com Direito Imobiliário. A realidade é que o aprendizado nunca tem fim. Ainda bem!
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Samantha Mendes Longo é membro do grupo de trabalho criado pelo CNJ para contribuir com a modernização e efetividade da atuação do Poder Judiciário nos processos de recuperação judicial e falência. Membro-consultora da Comissão Especial de Falências e Recuperação Judicial do Conselho Federal da OAB. Presidente da Comissão de Relação com o Poder Judiciário da OAB/RJ. Professora da EMERJ. Sócia de o escritório Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados.
Fonte: Migalhas Edilícias

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