A Lei 10.931/04, que regula o patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias, foi publicada com a finalidade de proporcionar maior segurança aos adquirentes. Todavia, existem riscos aos quais os promissários compradores estão expostos, ainda que sejam bastante reduzidos em comparação com outras formas de aquisição de bens imóveis financiados. A legislação precisa de novas mudanças para atingir os objetivos para os quais foi criada, pois apresenta diversos pontos vulneráveis.
O artigo 31-A da Lei 4.591/64 – a chamada Lei de Condomínio e Incorporações – faculta ao incorporador a afetação patrimonial; ou seja, não o obriga a aderir ao regime. Contudo, uma vez efetivada a adesão, as obrigações provenientes da construção e dos encargos fiscais, trabalhistas e previdenciários permanecem vinculadas ao patrimônio de afetação até que sejam devidamente quitadas. As receitas devem ser destinadas de modo exclusivo à conclusão do empreendimento, de modo que o incorporador não pode utilizar os valores para investir em outros projetos.
Assim, outros credores que não investiram na obra não conseguirão penhorar os bens afetados, pois estes são inatingíveis por dívidas não relacionadas à construção, já que o regime de afetação protege o patrimônio destinado à incorporação. Ao contrário, o patrimônio pessoal do empreendedor poderá vir a responder por danos e prejuízos que ele causar ao empreendimento imobiliário. Nesse sentido, observa-se um avanço na legislação, ainda que possa ser considerado insuficiente.
Por outro lado, a Lei de Condomínio e Incorporações permite o registro da incorporação, ainda que o imóvel esteja gravado de ônus real ou dívida fiscal. Entretanto, impõe a obrigação do incorporador, se estiver respondendo a processo que possa comprometê-lo, mencionar esta condição nos documentos de ajuste, consoante o disposto no artigo 37 da referida norma. Tais dispositivos propiciam uma falsa sensação de segurança aos adquirentes, mas, na prática, dão ensejo à realização de empreendimentos que não são totalmente seguros.
Apesar da previsão contida no artigo 32, alínea ‘‘b’’, da lei retromencionada, que exige diversas certidões relativas a ônus reais, débitos fiscais, protestos, cíveis e criminais, com a finalidade proteger os adquirentes, é importante salientar a brecha existente em seu parágrafo 5º, que permite a construção da edificação em terreno penhorado ou hipotecado. Nessas condições, não há segurança na realização do negócio, pois o promissário comprador fará a aquisição de um bem imóvel que já está comprometido com outros credores.
Além disso, a previsão contida no artigo 31-A, parágrafo 3º, da mesma lei, permite à incorporadora hipotecar o terreno para obter financiamento no curso da construção, sem a autorização dos adquirentes. Nesse sentido, a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que “a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.
Outro fator que merece destaque é a falta da imposição de sanção aos incorporadores que desviarem os recursos do patrimônio de afetação, visto que não existe um órgão fiscalizador específico para realizar as vistorias necessárias e aplicar as limitadas penalidades descritas na Lei do Condomínio e Incorporações. Assim como os outros profissionais possuem conselhos e códigos de ética correspondentes à sua profissão, faz-se imprescindível a criação de um órgão que regulamente e registre o número de inscrição dos incorporadores e faça o acompanhamento dos profissionais que desenvolvem a atividade de incorporação.
O Poder Judiciário vem aplicando a Lei 10.931/04 em todos os casos em que ela aparentemente servirá de incentivo para que os incorporadores decidam a pautar suas atitudes com base na boa-fé, na moral e nos bons costumes, adimplindo as suas obrigações contratuais e os pactos firmados. Tal posicionamento é indispensável para que a legislação sobre esta matéria continue evoluindo, no sentido de que os direitos dos promissários compradores, bem como os seus investimentos, sejam integralmente protegidos pelos sistemas legislativo e judiciário.
A jurisprudência atual evidencia que ainda ocorrem diversos litígios entre incorporadoras imobiliárias e compradores de unidades autônomas. Todavia, os adquirentes vêm sendo beneficiados e, na maioria dos casos, conseguem obter o reembolso dos valores investidos em obras que não são entregues dentro do prazo. As cláusulas abusivas são anuladas, dando lugar a decisões judiciais mais justas e equitativas.
Por tais razões, fica evidente que é necessária a máxima cautela antes de realizar um negócio que envolve incorporação imobiliária, patrimônio de afetação e grandes quantias em dinheiro. Além do mais, é interessante avaliar todos os fatores, com a consulta de profissional especializado na área, para compreender os pontos positivos e negativos. O auxílio de advogado especialista é indispensável, pois ele poderá opinar a respeito da viabilidade do negócio e de possíveis situações conflitantes.
Marisângela de Mello - Advogada especializada em Direito Imobiliário de Cesar Peres Advocacia Empresarial (CPAE), em Porto Alegre (RS).
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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