Antes de ingressar no tema do presente artigo, é preciso definir o papel do corretor, que é o profissional registrado oficialmente no CRECI - Conselho Regional de Corretores de Imóveis (art. 2º da Lei nº 6.530/78[1]), que aproxima duas, ou mais partes em torno de um único objetivo comum, que é a compra e venda de um imóvel.
No mesmo sentido, o artigo 3º da Lei 6.530/78 determina que o corretor é aquele que serve de “intermediário na compra, venda, locação e permuta de imóveis, podendo, ainda, opinar quanto à comercialização imobiliária”. Ainda, o Código Civil tratou de disciplinar a função do corretor em seu artigo 722, ao determinar que “uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”.
Em relação ao pagamento da comissão de corretagem, o Código Civil determina em seu art. 725 que “a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes”, ou seja, realizada a intermediação entre o comprador e o vendedor, ainda que esses desistam do negócio, é devido o pagamento da comissão ao corretor.
Passada tal definição, resta o seguinte questionamento: mas de quem é a obrigação de efetuar o pagamento da comissão de corretagem, do vendedor ou do comprador?
A regra geral é que o pagamento da comissão de corretagem é devido a quem contratou o profissional, o qual, usualmente, é o vendedor, podendo, entretanto, ser transferida a outra parte interessada na realização do negócio mediante cláusula contratual expressa no contrato.
Contudo, uma prática muito utilizada no mercado imobiliário em stand de vendas de construtoras/incorporadoras e que por diversas vezes foi levada ao Poder Judiciário, é a transferência da obrigação de pagamento da comissão de corretagem ao consumidor.
O questionamento girava em torno da tese de que a cobrança seria abusiva, pois para ser caracterizada a atividade do corretor, era necessária a autonomia desse profissional do vendedor, ou seja, não deveria existir qualquer vínculo entre o corretor e a construtora/incorporadora, tendo em vista que estaria configurada a função de vendedor, e não corretor propriamente dito. E desse modo, não haveria mediação pelo corretor nas vendas de imóveis na planta, mas clara subordinação ao vendedor.
Assim, inconformados com a cobrança, os consumidores que adquiriam imóveis na planta, ingressavam com ações para discutir a legalidade da cobrança da comissão de corretagem e da taxa SATI (Serviço de Assessoria Técnica Imobiliária), essa última não é o objeto do presente estudo.
Por consequência dos inúmeros casos existentes no Judiciário acerca da matéria, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.599.511/SP[2], fixou o entendimento de que é válida a transferência do pagamento da comissão de corretagem pelo consumidor, exigindo-se apenas clareza do contrato nessa atribuição, com o custo previamente informado, devendo as construtoras/incorporadoras especificarem o valor total da aquisição da unidade autônoma e o valor da comissão de corretagem, e que dessa forma, não haveria qualquer prejuízo ao consumidor.
A grande reclamação dos consumidores era a omissão dessa informação pelas construtoras/incorporadoras, e tal estratégia contrariava os deveres de informação e transparência, e, excepcionalmente, nesses casos, o consumidor teria o direito de exigir o cumprimento da proposta pelo preço ofertado, não sendo permitida a cobrança apartada da comissão de corretagem (art. 30 do CDC[3]).
Ainda, muitos juristas discordam do entendimento do STJ, pois não haveria mediação de um corretor, mas sim uma subordinação dos profissionais as construtoras/incorporadoras, e por consequência, ocorreria uma violação ao Código de Defesa do Consumidor por se tratar uma venda casada, ou seja, o negócio apenas seria pactuado mediante o pagamento da comissão de corretagem pelo consumidor, sem a possibilidade de discussão do contrato de adesão.
Em um resumo do tema, as construtoras/incorporadoras podem transferir a obrigação de pagamento da comissão de corretagem aos consumidores, desde que esteja previamente informado no contrato e detalhado o valor do imóvel e o valor da comissão de corretagem.
Por fim, destaca-se a exceção ao caso de se o valor da comissão de corretagem não for previamente informado, é cabível sua restituição ao consumidor, no prazo de 3 (três) anos, a contar da data do pagamento.
[1] Art 2º O exercício da profissão de Corretor de Imóveis será permitido ao possuidor de título de Técnico em Transações Imobiliárias.*
[2] RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM ESTANDE DE VENDAS. CORRETAGEM. CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. VALIDADE. PREÇO TOTAL. DEVER DE INFORMAÇÃO. SERVIÇO DE ASSESSORIA TÉCNICO-IMOBILIÁRIA (SATI). ABUSIVIDADE DA COBRANÇA.
I - TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015:
1.1. Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.
1.2. Abusividade da cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel.
II - CASO CONCRETO:
2.1. Improcedência do pedido de restituição da comissão de corretagem, tendo em vista a validade da cláusula prevista no contrato acerca da transferência desse encargo ao consumidor.
Aplicação da tese 1.1.
2.2. Abusividade da cobrança por serviço de assessoria imobiliária, mantendo-se a procedência do pedido de restituição. Aplicação da tese 1.2.
III - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
(STJ - REsp: 1599511 SP 2016/0129715-8, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 24/08/2016, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 06/09/2016)
[3] Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
Carolinne Maia - Advogada, sócia do escritório Bauer & Maia Advocacia.
Fonte: Artigos JusBrasil
NOTA DO EDITOR:
*Hoje já existem os Cursos Superiores de Gestão em Negócios Imobiliários, que também possibilitam o exercício profissional.
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