Assim como as montadoras, as incorporadoras não levarão boas lembranças de 2014. Até julho, a venda de imóveis novos acumula uma queda de 49% na cidade de São Paulo – o maior mercado do País. Para Cláudio Bernardes, presidente do Secovi-SP, que representa as empresas do setor, este é um sinal de que os mecanismos que estimularam as vendas, nos últimos anos, se esgotaram. “Chegamos ao limite”, afirma. Para Bernardes, atuar no mercado imobiliário brasileiro, atualmente, é como andar em um trem-fantasma: “a cada curva, você leva um susto”. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista à Dinheiro:
DINHEIRO – Até julho, a cidade de São Paulo registrou queda de 49% nas vendas de imóveis novos, e de 21% no volume de lançamentos. Como o senhor avalia o ano, até agora?
BERNARDES - Nós já sabíamos que este seria um ano mais complicado por vários motivos: o Carnaval tardio, as eleições, a Copa do Mundo. O que nós não previmos era uma queda mais acentuada da economia, como aconteceu. Isso, obviamente, impactou negativamente o mercado. Sofremos quedas maiores às que imaginávamos que pudessem ocorrer.
DINHEIRO – Qual é o principal argumento dos clientes, hoje, para não fechar a compra do imóvel?
BERNARDES - É a insegurança com o seu emprego. É o ponto que está pegando mais. Ninguém sabe direito o que vai acontecer. Essa insegurança adia a compra. Isso também adia um pouco o investimento. O empresário se recente de algumas questões. Os investidores estrangeiros, por exemplo, que participam de empreendimentos no Brasil, ficam muito apreensivos com essas questões e põem o pé no freio nos lançamentos. Por outro lado, os lançamentos que foram retardados, em função de Copa do Mundo, tendem a se recuperar um pouco nesse segundo semestre. Os dados preliminares de agosto já revelam que houve uma melhora, mas não temos uma esperança de que essa retomada venha a recuperar as perdas do primeiro semestre.
DINHEIRO – Essa melhora é suficiente para rever a projeção de 25% de queda nas vendas de imóveis novos, neste ano?
BERNARDES - Talvez fique em torno de 25% mesmo. Entre 20% e 25% de queda.
DINHEIRO – O Fipezap mostra que o preço dos imóveis está desacelerando. No acumulado até agosto, a alta é de 4,8%, apenas 0,8 ponto percentual acima da inflação.
BERNARDES - Trata-se de uma redução no ritmo de aumento.
DINHEIRO – Não vai haver queda de preços?
BERNARDES - Dentro destas condições macroeconômicas, o espaço para o aumento de preços não existe hoje. O preço tem algumas componentes básicas: os custos; o equilíbrio de oferta e demanda; e a capacidade de pagamento do cliente. Isto é um tripé. E, hoje, nós estamos batendo na capacidade de pagamento. Estamos chegando ao limite. Esse é um fato. Muita gente me pergunta como os preços subiram em ritmo superior ao do aumento da capacidade de pagamento. A questão é que houve mecanismos que possibilitaram que os preços subissem. O preço aumentou, porque os custos e a demanda subiram. E como você resolver o outro ponto, que é a capacidade de pagamento? Foram desenvolvidos mecanismos para adequar essa capacidade à mesma renda. Como? Diminuindo a taxa de juros, aumentando prazos... uma série de mecanismos. Agora, nós esgotamos esses mecanismos que fizeram com que o mercado pudesse se adequar à capacidade de pagamento.
DINHEIRO – O senhor já afirmou que é preciso haver condições para voltar a confiar no Brasil, e que é preciso recolocar o País nos trilhos. Quais são os elementos que corroeram essa confiança? Onde estão os trilhos?
BERNARDES - A confiança é corroída, à medida que você vê desgoverno. Que você vê a corrupção correndo solta. Você vê insegurança jurídica na operação das nossas empresas. É uma série enorme de fatores que vão levando a um ponto em que os empresários desistem. Aí, param de gerar empregos e riquezas no País. Você vê pessoas que têm uma capacidade enorme para criar um monte de empregos dizendo que não vão continuar. Isso é muito triste. O Brasil precisa voltar aos trilhos em todas essas questões. Como é que se faz isso? Não tem uma fórmula mágica. Se estamos nessa situação, é fruto também um pouco da própria cultura e da história da população. O Tiririca é o candidato a deputado federal com mais intenções de voto em São Paulo, um estado que é protagonista no desenvolvimento do Brasil. Precisamos perguntar o que nós queremos do País. Precisamos de alguém com visão para investir pesadamente em educação. Não temos alternativa.
DINHEIRO – O senhor concorda com o presidente da Fiesp, Benjamin Steinbruch, de que só louco investe no Brasil hoje?
BERNARDES - Nós almoçamos juntos, outro dia, e tivemos essa conversa. Eu cheguei à conclusão de que ele não está nem certo, nem errado. Acho que ele forçou um pouco a tinta, mas o risco que você corre aqui é muito alto. Quando empresários estrangeiros veem o que acontece aqui, dizem que as dificuldades não compensam o retorno de se investir aqui. Eles preferem investir em outros lugares, onde ganham menos, mas têm mais sossego. O mercado imobiliário é como um trem-fantasma: a cada curva, você leva um susto. Estamos acostumados, porque vivemos aqui. Mas, os estrangeiros questionam, e só podemos responder: realmente, não é normal, mas é o que temos aqui.
DINHEIRO – O Secovi trabalha com cenário de ajustes macroeconômicos em 2015? Há muita polêmica sobre se teremos crise ou não no ano que vem.
BERNARDES - O Brasil não escapa de um ajuste em 2015. Muito se tem feito. Acho que o Brasil passou por um momento de bonança econômica. O mundo estava em crise e nós estávamos bem. A Receita Federal bateu recordes de arrecadação. Mas o governo também bateu recordes de gastos. Se a gente não fizer um ajuste nas contas públicas, não tem saída. O ajuste vai ter que ser feito. O preço não é barato, mas é muito mais barato cortar na carne do governo, do que cortar na da população. É muito mais barato acabar com o desperdício nas contas públicas, do que parar de operar a Santa Casa de São Paulo, por exemplo. Agora, isso terá reflexos, num primeiro momento. Eu acho que, se tivermos um governo com vontade de resolver nosso problema, teremos um 2015 difícil.
DINHEIRO – Nesse cenário, como o mercado imobiliário pode se proteger?
BERNARDES - Não é só o mercado imobiliário, mas a economia toda está com o mesmo problema. Aí, vem a questão complicada tomar decisões. Cortar investimentos implica reduzir os empregos, interromper o desenvolvimento tecnológico, etc. No nosso caso, esse é um problema sério. Como o setor pode, por exemplo, contribuir para reduzir o preço dos imóveis? Podemos mexer bastante nos custos. Principalmente na faixa de baixo padrão, que é onde está a maior demanda, precisa de inovação tecnológica. Só se consegue investir em tecnologia, se puder amortizar esse investimento. Mas você pega, por exemplo, o pessoal que investiu em novas tecnologias para o Minha Casa, Minha Vida. E agora? Vai mudar o governo? O programa vai continuar? O que eles fazem com esse investimento? Aí, ninguém investe, porque não tem certeza. Se você não investe, não consegue diminuir o custo. Aí, as pessoas não conseguem comprar. Precisa aumentar o subsídio. Custa mais para o governo. Vira uma espiral sem fim.
DINHEIRO – Como o senhor avalia o Minha Casa, Minha Vida?
BERNARDES - Com todos os problemas que ele possa ter tido, é um programa extremamente importante. Estamos resgatando uma dívida social extremamente complicada. Quem não tem casa não tem uma série de outras coisas. Começa pela educação, saúde, autoestima. Não dá. Tem que ter casa e tem que ter subsídio. A gente subsidia estrada. Tem que subsidiar moradia. Na faixa de zero a três salários mínimos, a pessoa não tem como pagar por um imóvel. E quem tem que pagar isso é todo mundo. Não adianta a gente não querer dividir essa conta, porque se for dessa forma, vai se pagar de outro: com assaltos, violência, criminalidade. Não tem saída. Nós temos que fazer isso. Nessa área habitacional, a gente está no caminho certo. Há uma série de ajustes que precisam ser feitos, mas acho que isso faz parte da volta aos trilhos.
DINHEIRO – As 350 mil unidades novas que o governo anunciou para o Minha Casa, Minha Vida são suficientes?
BERNARDES - É um paliativo. São suficientes apenas para que se garanta um processo de transição. Se não houver isso, as empresas serão obrigadas a parar tudo, despedir todo mundo. Desmontar o esquema de produção. Essas 350 mil unidades servem para não interromper o processo, até que o novo governo tome pé da situação e veja o que vai fazer. Agora, um percentual grande das unidades está alocado em regiões metropolitanas, onde o programa não funciona, devido aos limites de financiamento. Depende do aporte, por exemplo, do Casa Paulista [programa do governo estadual], aqui em São Paulo. Então, é preciso cada vez mais que o estado faça aportes para que o programa saia.
DINHEIRO – Quais são os principais pontos do documento que o Secovi encaminhou aos candidatos à Presidência?
BERNARDES - Fizemos um diagnóstico de todos os setores. Tudo é complicado, mas, talvez, a produção seja a etapa da cadeia da construção que apresente os problemas mais urgentes. Se você pega, por exemplo, a parte de loteamento, licenciamento, incorporação... é onde estão os maiores gargalos.
DINHEIRO – Com relação à insegurança jurídica, um dos principais pontos era a alienação fiduciária, que já foi resolvido. Onde está a insegurança jurídica, atualmente?
BERNARDES - Ela está espalhada por muitos pontos da operação. Um exemplo aconteceu em Campinas [SP], há dois anos. Quando as empresas começaram a sair de São Paulo, muitas foram para lá. Então, você encontra um terreno bom, estuda as características, vê a legislação, compra o terreno, e faz o projeto. Aprova na prefeitura, conforme a lei vigente. Lança no mercado. Vende. Começa a construção. Aí, vem um promotor público e diz que não pode. Que a lei que está em vigor há 12 anos não vale. Que ela foi proposta há 12 anos pelo Legislativo, mas deveria ser proposta pelo Executivo e, portanto, não é válida. Ele entra com uma ação para demolir os prédios. O processo já está no Supremo Tribunal Federal. Aí, eu pergunto: que segurança tem o empresário para investir, se não tem certeza se uma lei vale? Essa lei está em vigor, mas eu cumpro ou não cumpro? Isso é o limite da insegurança jurídica que vivemos no País. Isso tem acontecido também em legislação ambiental. Como você explica? Não tem explicação. Simplesmente, não dá.
DINHEIRO – Como o setor está lidando com os imóveis estocados? Há uma estimativa de que as maiores incorporadoras têm R$ 29 bilhões em estoques de imóveis prontos.
BERNARDES - O estoque médio, na cidade de São Paulo, é de 18 mil unidades. É um estoque confortável, para regular o mercado. Esse estoque está com uma tendência de aumentar um pouquinho, mas não passou muito dos 19 mil.
DINHEIRO – Em todo o caso, as incorporadoras estão fazendo promoções, campanhas.
BERNARDES - São dois estoques diferentes. Estou falando de um estoque que é reposto. Vendeu um, entrou outro. Esse estoque das promoções é um pouco diferente. Trata-se de unidades remanescentes nos empreendimentos. Umas unidades em um prédio ou outro. Depois que sai do período de lançamento, a velocidade de venda dessas unidades é muito menor. A empresa vai levar mais tempo para vender, mas precisa cuidar do imóvel, pagar condomínio, administrar. O que as incorporadoras preferem fazer? Calcular quanto isso custaria até vender pelo preço de tabela, fazer um desconto no preço à vista e tirar do estoque.
DINHEIRO – Mas isso passa, para o mercado, um sinal de que o setor está perdendo o ritmo de vendas.
BERNARDES - Sim, passa esse sinal. Essa abordagem de marketing não é a melhor. A propaganda oferece descontos a partir de 40%. Aí, o cliente vai conferir e vê que só tem uma unidade nessas condições. Mas a imagem é a que fica. Isso é a batalha do mercado. Todos os empresários do setor admitem que essa prática não é boa, mas que precisam vender. Então, se um faz promoção e dá desconto, o outro tem de fazer para não ficar para trás. Isso não passa uma imagem da realidade. Passa uma ideia até de que o preço vai cair, e isso não é bom para o mercado. Se você for a um estande, no lançamento, você vai ver que o preço dos imóveis não caiu 40%.
Fonte: Márcio Juliboni / ISTO É DINHEIRO
DINHEIRO – Até julho, a cidade de São Paulo registrou queda de 49% nas vendas de imóveis novos, e de 21% no volume de lançamentos. Como o senhor avalia o ano, até agora?
BERNARDES - Nós já sabíamos que este seria um ano mais complicado por vários motivos: o Carnaval tardio, as eleições, a Copa do Mundo. O que nós não previmos era uma queda mais acentuada da economia, como aconteceu. Isso, obviamente, impactou negativamente o mercado. Sofremos quedas maiores às que imaginávamos que pudessem ocorrer.
DINHEIRO – Qual é o principal argumento dos clientes, hoje, para não fechar a compra do imóvel?
BERNARDES - É a insegurança com o seu emprego. É o ponto que está pegando mais. Ninguém sabe direito o que vai acontecer. Essa insegurança adia a compra. Isso também adia um pouco o investimento. O empresário se recente de algumas questões. Os investidores estrangeiros, por exemplo, que participam de empreendimentos no Brasil, ficam muito apreensivos com essas questões e põem o pé no freio nos lançamentos. Por outro lado, os lançamentos que foram retardados, em função de Copa do Mundo, tendem a se recuperar um pouco nesse segundo semestre. Os dados preliminares de agosto já revelam que houve uma melhora, mas não temos uma esperança de que essa retomada venha a recuperar as perdas do primeiro semestre.
DINHEIRO – Essa melhora é suficiente para rever a projeção de 25% de queda nas vendas de imóveis novos, neste ano?
BERNARDES - Talvez fique em torno de 25% mesmo. Entre 20% e 25% de queda.
DINHEIRO – O Fipezap mostra que o preço dos imóveis está desacelerando. No acumulado até agosto, a alta é de 4,8%, apenas 0,8 ponto percentual acima da inflação.
BERNARDES - Trata-se de uma redução no ritmo de aumento.
DINHEIRO – Não vai haver queda de preços?
BERNARDES - Dentro destas condições macroeconômicas, o espaço para o aumento de preços não existe hoje. O preço tem algumas componentes básicas: os custos; o equilíbrio de oferta e demanda; e a capacidade de pagamento do cliente. Isto é um tripé. E, hoje, nós estamos batendo na capacidade de pagamento. Estamos chegando ao limite. Esse é um fato. Muita gente me pergunta como os preços subiram em ritmo superior ao do aumento da capacidade de pagamento. A questão é que houve mecanismos que possibilitaram que os preços subissem. O preço aumentou, porque os custos e a demanda subiram. E como você resolver o outro ponto, que é a capacidade de pagamento? Foram desenvolvidos mecanismos para adequar essa capacidade à mesma renda. Como? Diminuindo a taxa de juros, aumentando prazos... uma série de mecanismos. Agora, nós esgotamos esses mecanismos que fizeram com que o mercado pudesse se adequar à capacidade de pagamento.
DINHEIRO – O senhor já afirmou que é preciso haver condições para voltar a confiar no Brasil, e que é preciso recolocar o País nos trilhos. Quais são os elementos que corroeram essa confiança? Onde estão os trilhos?
BERNARDES - A confiança é corroída, à medida que você vê desgoverno. Que você vê a corrupção correndo solta. Você vê insegurança jurídica na operação das nossas empresas. É uma série enorme de fatores que vão levando a um ponto em que os empresários desistem. Aí, param de gerar empregos e riquezas no País. Você vê pessoas que têm uma capacidade enorme para criar um monte de empregos dizendo que não vão continuar. Isso é muito triste. O Brasil precisa voltar aos trilhos em todas essas questões. Como é que se faz isso? Não tem uma fórmula mágica. Se estamos nessa situação, é fruto também um pouco da própria cultura e da história da população. O Tiririca é o candidato a deputado federal com mais intenções de voto em São Paulo, um estado que é protagonista no desenvolvimento do Brasil. Precisamos perguntar o que nós queremos do País. Precisamos de alguém com visão para investir pesadamente em educação. Não temos alternativa.
DINHEIRO – O senhor concorda com o presidente da Fiesp, Benjamin Steinbruch, de que só louco investe no Brasil hoje?
BERNARDES - Nós almoçamos juntos, outro dia, e tivemos essa conversa. Eu cheguei à conclusão de que ele não está nem certo, nem errado. Acho que ele forçou um pouco a tinta, mas o risco que você corre aqui é muito alto. Quando empresários estrangeiros veem o que acontece aqui, dizem que as dificuldades não compensam o retorno de se investir aqui. Eles preferem investir em outros lugares, onde ganham menos, mas têm mais sossego. O mercado imobiliário é como um trem-fantasma: a cada curva, você leva um susto. Estamos acostumados, porque vivemos aqui. Mas, os estrangeiros questionam, e só podemos responder: realmente, não é normal, mas é o que temos aqui.
DINHEIRO – O Secovi trabalha com cenário de ajustes macroeconômicos em 2015? Há muita polêmica sobre se teremos crise ou não no ano que vem.
BERNARDES - O Brasil não escapa de um ajuste em 2015. Muito se tem feito. Acho que o Brasil passou por um momento de bonança econômica. O mundo estava em crise e nós estávamos bem. A Receita Federal bateu recordes de arrecadação. Mas o governo também bateu recordes de gastos. Se a gente não fizer um ajuste nas contas públicas, não tem saída. O ajuste vai ter que ser feito. O preço não é barato, mas é muito mais barato cortar na carne do governo, do que cortar na da população. É muito mais barato acabar com o desperdício nas contas públicas, do que parar de operar a Santa Casa de São Paulo, por exemplo. Agora, isso terá reflexos, num primeiro momento. Eu acho que, se tivermos um governo com vontade de resolver nosso problema, teremos um 2015 difícil.
DINHEIRO – Nesse cenário, como o mercado imobiliário pode se proteger?
BERNARDES - Não é só o mercado imobiliário, mas a economia toda está com o mesmo problema. Aí, vem a questão complicada tomar decisões. Cortar investimentos implica reduzir os empregos, interromper o desenvolvimento tecnológico, etc. No nosso caso, esse é um problema sério. Como o setor pode, por exemplo, contribuir para reduzir o preço dos imóveis? Podemos mexer bastante nos custos. Principalmente na faixa de baixo padrão, que é onde está a maior demanda, precisa de inovação tecnológica. Só se consegue investir em tecnologia, se puder amortizar esse investimento. Mas você pega, por exemplo, o pessoal que investiu em novas tecnologias para o Minha Casa, Minha Vida. E agora? Vai mudar o governo? O programa vai continuar? O que eles fazem com esse investimento? Aí, ninguém investe, porque não tem certeza. Se você não investe, não consegue diminuir o custo. Aí, as pessoas não conseguem comprar. Precisa aumentar o subsídio. Custa mais para o governo. Vira uma espiral sem fim.
DINHEIRO – Como o senhor avalia o Minha Casa, Minha Vida?
BERNARDES - Com todos os problemas que ele possa ter tido, é um programa extremamente importante. Estamos resgatando uma dívida social extremamente complicada. Quem não tem casa não tem uma série de outras coisas. Começa pela educação, saúde, autoestima. Não dá. Tem que ter casa e tem que ter subsídio. A gente subsidia estrada. Tem que subsidiar moradia. Na faixa de zero a três salários mínimos, a pessoa não tem como pagar por um imóvel. E quem tem que pagar isso é todo mundo. Não adianta a gente não querer dividir essa conta, porque se for dessa forma, vai se pagar de outro: com assaltos, violência, criminalidade. Não tem saída. Nós temos que fazer isso. Nessa área habitacional, a gente está no caminho certo. Há uma série de ajustes que precisam ser feitos, mas acho que isso faz parte da volta aos trilhos.
DINHEIRO – As 350 mil unidades novas que o governo anunciou para o Minha Casa, Minha Vida são suficientes?
BERNARDES - É um paliativo. São suficientes apenas para que se garanta um processo de transição. Se não houver isso, as empresas serão obrigadas a parar tudo, despedir todo mundo. Desmontar o esquema de produção. Essas 350 mil unidades servem para não interromper o processo, até que o novo governo tome pé da situação e veja o que vai fazer. Agora, um percentual grande das unidades está alocado em regiões metropolitanas, onde o programa não funciona, devido aos limites de financiamento. Depende do aporte, por exemplo, do Casa Paulista [programa do governo estadual], aqui em São Paulo. Então, é preciso cada vez mais que o estado faça aportes para que o programa saia.
DINHEIRO – Quais são os principais pontos do documento que o Secovi encaminhou aos candidatos à Presidência?
BERNARDES - Fizemos um diagnóstico de todos os setores. Tudo é complicado, mas, talvez, a produção seja a etapa da cadeia da construção que apresente os problemas mais urgentes. Se você pega, por exemplo, a parte de loteamento, licenciamento, incorporação... é onde estão os maiores gargalos.
DINHEIRO – Com relação à insegurança jurídica, um dos principais pontos era a alienação fiduciária, que já foi resolvido. Onde está a insegurança jurídica, atualmente?
BERNARDES - Ela está espalhada por muitos pontos da operação. Um exemplo aconteceu em Campinas [SP], há dois anos. Quando as empresas começaram a sair de São Paulo, muitas foram para lá. Então, você encontra um terreno bom, estuda as características, vê a legislação, compra o terreno, e faz o projeto. Aprova na prefeitura, conforme a lei vigente. Lança no mercado. Vende. Começa a construção. Aí, vem um promotor público e diz que não pode. Que a lei que está em vigor há 12 anos não vale. Que ela foi proposta há 12 anos pelo Legislativo, mas deveria ser proposta pelo Executivo e, portanto, não é válida. Ele entra com uma ação para demolir os prédios. O processo já está no Supremo Tribunal Federal. Aí, eu pergunto: que segurança tem o empresário para investir, se não tem certeza se uma lei vale? Essa lei está em vigor, mas eu cumpro ou não cumpro? Isso é o limite da insegurança jurídica que vivemos no País. Isso tem acontecido também em legislação ambiental. Como você explica? Não tem explicação. Simplesmente, não dá.
DINHEIRO – Como o setor está lidando com os imóveis estocados? Há uma estimativa de que as maiores incorporadoras têm R$ 29 bilhões em estoques de imóveis prontos.
BERNARDES - O estoque médio, na cidade de São Paulo, é de 18 mil unidades. É um estoque confortável, para regular o mercado. Esse estoque está com uma tendência de aumentar um pouquinho, mas não passou muito dos 19 mil.
DINHEIRO – Em todo o caso, as incorporadoras estão fazendo promoções, campanhas.
BERNARDES - São dois estoques diferentes. Estou falando de um estoque que é reposto. Vendeu um, entrou outro. Esse estoque das promoções é um pouco diferente. Trata-se de unidades remanescentes nos empreendimentos. Umas unidades em um prédio ou outro. Depois que sai do período de lançamento, a velocidade de venda dessas unidades é muito menor. A empresa vai levar mais tempo para vender, mas precisa cuidar do imóvel, pagar condomínio, administrar. O que as incorporadoras preferem fazer? Calcular quanto isso custaria até vender pelo preço de tabela, fazer um desconto no preço à vista e tirar do estoque.
DINHEIRO – Mas isso passa, para o mercado, um sinal de que o setor está perdendo o ritmo de vendas.
BERNARDES - Sim, passa esse sinal. Essa abordagem de marketing não é a melhor. A propaganda oferece descontos a partir de 40%. Aí, o cliente vai conferir e vê que só tem uma unidade nessas condições. Mas a imagem é a que fica. Isso é a batalha do mercado. Todos os empresários do setor admitem que essa prática não é boa, mas que precisam vender. Então, se um faz promoção e dá desconto, o outro tem de fazer para não ficar para trás. Isso não passa uma imagem da realidade. Passa uma ideia até de que o preço vai cair, e isso não é bom para o mercado. Se você for a um estande, no lançamento, você vai ver que o preço dos imóveis não caiu 40%.
Fonte: Márcio Juliboni / ISTO É DINHEIRO
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