segunda-feira, 8 de setembro de 2014

DEFINIR RATEIO DA TAXA DE CONDOMÍNIO EXIGE MATEMÁTICA E LÓGICA


Muitos defendem a aplicação da fração ideal como critério de divisão do rateio de despesas do condomínio de unidades diferentes, ou seja, constituído de apartamentos tipo e de cobertura ou nos prédios comerciais compostos por salas e lojas no térreo, apesar de não saberem a origem de sua criação, como ela é calculada e para que serve. Esse problema é mais grave nos edifícios comerciais, onde, às vezes, as lojas pagam mais que as salas por serviços que somente estas últimas utilizam. Diante de argumentações superficiais e confusas daqueles que defendem o rateio pela fração ideal, fica evidente que essas pessoas não leram o Livro “Condomínio e Incorporações”, de autoria do jurista Caio Mário da Silva Pereira, que criou em 1964 a Lei nº 4.591, onde expõe os desafios em definir o que seria “fração ideal”.

Chega a ser cômico o relato do Civilista Caio Mário na pág.99, onde cita que os juristas europeus, há séculos, defendiam que a fração ideal seria maior para as unidades que tivessem mais janelas, que fossem mais altas (só havia prédio com até 4 andares) e, que as unidades menos ensolaradas, sem reformas ou de fundos teriam fração ideal menor.

Há 47 anos, de forma brilhante, Caio Mário, criou a regra da fração no art. 12 da lei nº 4.591/64, que até hoje consiste na mais avançada lei do mundo na área condominial, a qual possibilitou a divisão das despesas da construção nas incorporações, onde, logicamente, a unidade maior paga mais que a menor pela sua construção.

A razão da criação da fração ideal tem como finalidade básica propiciar ao adquirente do imóvel que ainda não existe, saber exatamente quantum pagará pelo custo de sua unidade, conforme o seu tamanho. Trata-se de aquisição de propriedade. Essa regra não tem nenhuma ligação quando se trata de rateio de despesas da taxa de condomínio, previsto no art. 24, que diz respeito às áreas comuns (portaria, áreas de lazer, garagem, corredores, telhado, faxina, zelador), pois estas são utilizadas igualmente por todas as unidades, independente de seu tamanho.

Refletir para entender

Mudar conceitos não é fácil, pois exige mente aberta, vontade de aprender (o que dá muito trabalho e exige capacidade) e disposição em trocar ideias sem preconceitos.

A cobertura e o apartamento com área privativa custam mais que o apartamento tipo, então pagam a mais IPTU, bem como ITBI no ato da transferência da propriedade. A mesma regra ocorre com lojas no térreo onde a torre é composta por salas, havendo dezenas de acórdãos que isentam as lojas de pagar despesas (portaria, elevadores, limpeza, etc) que são geradas apenas pelas salas. Da mesma forma, um automóvel Gol custa metade do valor de um Chevrolet Cruze, sendo pago 4% do preço do carro referente ao IPVA. Entretanto, ao abastecer, cada proprietário paga o mesmo valor pela gasolina e pelo óleo. Ao trafegar na estrada (semelhante à portaria, corredores do prédio), pagam o mesmo valor pelo pedágio, bem como a hora de estacionamento, pois são automóveis, apesar de padrões diferentes têm a mesma destinação, a mesma capacidade de carga, da mesma forma que os apartamentos, que apesar de diferentes, têm a mesma finalidade residencial. Absurda é a alegação do defensor da fração ideal no rateio de despesas de manutenção, que diz que o apartamento de cobertura/área privativa comporta mais pessoas, como se esta unidade se prestasse a uma pensão, pois a própria convenção prevê seu uso somente unifamiliar. Pesquisas do setor imobiliário comprovam ser comum o apartamento de cobertura ter menos moradores (média de 3) do que os apartamentos tipo que são ocupados por 4 pessoas em média, pois são ocupados por casais mais jovens com filhos menores.

O defensor da fração ideal utiliza o argumento de que a cobertura deve pagar mais pelo uso do elevador, ignorando a lei municipal que obriga a instalação deste equipamento que valoriza todo o prédio, caso neste ocorra um desnível de mais de 11 metros de altura entre a unidade e a portaria, como por exemplo, em Belo Horizonte-MG. Logicamente, a maioria dos prédios não possui apartamento de cobertura, mas ninguém comete a insensatez de aumentar o valor da taxa de condomínio conforme o andar do apartamento, o que prova que o rateio igualitário é mais sensato. A cobrança a maior de qualquer taxa somente se justifica sobre a despesa e somente se esta efetivamente for gerada em excesso por determinada unidade.

O autor Caio Mário da Silva Pereira, na obra “Condomínio e Incorporações” tece comentários que evidenciam a complexidade do rateio e que exige um estudo profundo para entender que a fração ideal pode gerar divisões injustas no caso do rateio de despesas de conservação e manutenção, razão que motivou o legislador a criar o artigo 24, que deixa evidente que ao artigo 12 da Lei nº 4.591/64 destina-se ao rateio do custo da obra, conforme texto a seguir transcrito:

A situação relativamente ao logradouro público influi sobremaneira, dizendo-se “apartamento da frente” o que tem serventia sobre rua ou praça e “apartamento dos fundos” o que a tem sobre pátio ou área interna e, naturalmente, os primeiros valem mais do que os segundos.
O andar em que se situa é outro elemento importante na composição do preço, costumando-se emprestar maior valor aos andares mais altos do que aos mais próximos do chão, pelo incômodo maior que estes sofrem. Mas, nos prédios não servidos de elevadores a mesma regra se não aplica, porque os mais altos obrigam a galgar as escadas.
Outros fatores secundários são igualmente levados em conta: dar para outro terraço comum; existir ou estar projetada obra pública que melhore a situação do apartamento; não haver certas janelas, portas, vãos ou varandas; a melhor ou pior serventia de luz; a qualidade dos materiais empregados etc.
Fréderic Aéby manda levar em consideração a área, a disposição das peças em relação ao conjunto, a orientação, a altura etc., para a fixação do valor originário
Poirier apresenta um esquema de divisão de valores em que o rés-do-chão e o andar imediatamente superior representam cada um 25% do valor do edifício; os dois andares seguintes 20% cada, a divisão é, usualmente, mais complicada.
Frédéric Denis esquematiza os direitos sobre a propriedade indivisa, assim como a proporção na partilha dos encargos comuns, atribuindo ao rés-do-chão, zero; primeiro andar, 100 por mil; segundo andar, 120 mil; terceiro 145 por mil; quarto 175 por mil; quinto 210 por mil; e sexto 250 por mil.
Entre nós, tanto o critério do escritor belga como o do francês são inaceitáveis (PEREIRA, 1999: 98-99).

Até os legisladores do Código Civil de 2002 cometeram dois erros graves ao definirem no parágrafo 3º do art. 1.331 que “a fração ideal no solo e nas outras partes comuns é proporcional ao valor da unidade imobiliária” e que o rateio somente poderia ser pela fração ideal no inciso I, do art. 1.336. Diante dos equívocos e da insensatez, ao perceberem que esses dispositivos ferem a lógica da fração ideal que se baseia na área construída, conforme ABNT, em 2004, a Lei nº 10.931, deu nova redação aos referidos dispositivos. Assim, eliminou o vínculo da fração ideal com o valor do imóvel e inseriu no inciso I, que trouxe a frase “salvo disposição ao contrário” para confirmar que o rateio pela fração ideal deve ser evitado em determinados casos, para não afrontar os artigos 884 e 2.035 do CC.

Segundas intenções

Como advogado especializado em direito imobiliário, ao ser contratado para participar de assembleias, surpreendo-me ao presenciar proprietários, que se transformam em “legisladores”, pois criam “leis” para justificar seus propósitos, às vezes, inconfessáveis. E, o pior, há pessoas presentes, que imbuídas pela boa-fé acabam acreditando no “saque”, outras fingem que está certo o falso argumento, pois lhe convém manter a situação injusta e irracional, que penaliza o dono da unidade que é maior. Há, ainda aquelas nada dizem para não melindrar e evitar conflitos com o vizinho “inventor de leis” que se mostra o “senhor de tudo e de todos” e que, geralmente, é agressivo e não gosta de quem reside numa unidade melhor do que a dele.

Diante desse cenário é compreensível a enorme dificuldade dos proprietários de cobertura, de áreas privativas ou de lojas, que são minoria, fracassarem na tentativa de sensibilizar a enorme maioria representada pelos apartamentos tipo ou salas em alterar a cláusula da convenção que determina o rateio pela fração ideal, que resulta em taxas com valores abusivos, que geram expressiva desvalorização das unidades maiores.

Diante dos princípios gerais consagrados pela Constituição Federativa e pelo Código Civil de proibir a contratação de forma lesiva, com base no parágrafo único do art. 2035 do CC que determina “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”, não há como essa cláusula de um contrato consagrar uma lesão, configurada pelo enriquecimento ilícito (art. 884 CC) facilmente provado por uma perícia realizada por um engenheiro.

Felizmente, os magistrados com base numa reflexão mais profunda sobre a matéria, bem como numa perícia que confirma que todas as unidades gastam igualmente ou que é impossível afirmar que as unidades maiores utilizem ou consumam mais que as demais unidades, têm anulado o rateio pela fração ideal que acarreta enriquecimento ilícito.

Kênio de Souza Pereira-Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG.Consultor Jurídico e Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais e do SECOVI-MG.Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis. Representante em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário.
Fonte: Emorar

Nenhum comentário:

Postar um comentário