Resumo: O objetivo deste estudo é a reflexão dos efeitos jurídicos do pacto antenupcial, desde a sua primeira regulamentação no Brasil até a legislação atualmente em vigor.
Sumário: 1) Conceito de pacto antenupcial; 2) Histórico; 3) Regimes de bens e exigibilidade ou não do pacto antenupcial; 4) Análise temporal do pacto antenupcial após a vigência da Lei de Divórcio; 5) Registro do pacto antenupcial; 6) Mudança de regime de bens; 7) Conclusão.
O pacto ou convenção antenupcial é um contrato solene realizado antes do casamento, por meio do qual as partes dispõem sobre o regime de bens que vigorará entre elas na constância da sociedade conjugal. Em regra, a escolha do regime de bens é livre, de acordo com a vontade dos contraentes, podendo preservar interesses patrimoniais e econômicos. O artigo 1639 do Código Civil confirma tal autonomia quando preconiza que “é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”.
O costume de convencionar o regime de bens remonta ao século XVII, sendo que a obrigatoriedade da escritura pública data de 1784, nas palavras do professor Benedicto Jorge Farah. Ainda, complementa que Clóvis Beviláqua, autor do anteprojeto do Código Civil de 1916, “manteve a obrigatoriedade da escritura pública, para a lavratura do pacto antenupcial, no artigo 299 do seu Projeto”. Daí ser um engano compreender que a convenção antenupcial somente repercute sobre os negócios jurídicos celebrados entre cônjuges, ou destes com terceiros, após o advento da Lei Federal nº. 6.515/77, denominada Lei de Divórcio. A exigência de pacto antenupcial por escritura pública era evidente já na redação original do artigo 256, parágrafo único, inciso I, do Código Civil de 1916, que segue transcrito:
“Art. 256 – É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
Parágrafo único – São nulas tais convenções:
I – não se fazendo por escritura pública.”
Como se assevera, o pacto antenupcial é um ato jurídico acessório frente ao casamento. Se o casamento não se concretizar, não tem validade, pois os efeitos do regime de bens entre os cônjuges começam a vigorar a partir da data do casamento, no termos do parágrafo primeiro do artigo 1639 do Codex atual. Da mesma forma, se o acessório segue o principal, a extinção do casamento torna sem efeito a convenção antenupcial.
O princípio da variedade do regime de bens regulamenta o casamento no Brasil, sendo quatro os tipos previstos no Estatuto Civil, a saber: o da comunhão universal, o da comunhão parcial, o da separação e o da participação final nos aquestos. Um aspecto importante é que, nos regimes legais de bens, não se exige o pacto antenupcial para realização do casamento. Entretanto, a análise temporal do casamento é fundamental para definir se ele deveria ser antecedido de convenção antenupcial, posto que a definição dos regimes legais, ou supletivos, sofreu alterações no último século. Para tanto, abordaremos cada regime de bens.
Comunhão universal de bens: Neste regime comunicam-se todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e respectivas dívidas, na forma do artigo 1667 do Código Civil, ressalvadas as exceções do artigo seguinte. Desde a vigência do Código Civil de 1916 até o advento da Lei Federal 6.515/77, que entrou em vigor no dia 26/12/1977, este regime era o legal. Assim, os casamentos realizados no referido período dispensam o pacto antenupcial. Todavia, com a Lei de Divórcio, o regime legal passou a ser o da comunhão parcial de bens. Por consequência, os casamentos celebrados após o dia 26/12/1977 sob o regime da comunhão universal necessitam de pacto antenupcial. A ausência do ajuste pré-nupcial, neste caso, não invalida o casamento. Entretanto, aplicar-se-á o dispositivo legal do artigo 1640 do Código Civil atual, o qual dispõe que “não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”.
Comunhão parcial de bens: Somente se comunicam os bens adquiridos pelo casal, após a constância do casamento, conforme dispõe o artigo 1658 do Código Civil de 2002. A lógica temporal para exigência do pacto antenupcial neste regime é exatamente a contrária do previsto para o regime da comunhão universal. Logo, exige-se a convenção antenupcial apenas para os casamentos celebrados antes da Lei Federal nº. 6.515/77, que o instituiu como regime supletivo.
Separação de bens: o descrito regime subdivide-se em separação obrigatória e separação convencional de bens. Inicialmente, convém salientar que na modalidade obrigatória a própria lei impõe o regime de bens, excepcionando a norma que prevê a liberdade de escolha do regime de bens pelos nubentes. Deste modo, o artigo 1641 do Código Civil enuncia que “é obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II - da pessoa maior de sessenta anos; III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial”. Assim, é possível concluir que o regime de separação obrigatória também constitui regime legal de bens, não sendo exigível o pacto antenupcial para a realização do casamento. Em sentido contrário, na separação convencional de bens, os contraentes manifestam livremente a sua opção pelo referido regime. Contudo, como não se trata de regime legal, é indispensável a lavratura de escritura pública de pacto antenupcial para a realização do matrimônio.
Participação final nos aquestos: o presente regime foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio pelo Código Civil de 2002. A respeito da matéria Nicolau Balbino Filho ensina que “no regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, constituído dos bens que cada um possuía ao casar e os por ele adquiridos a título oneroso, que subsiste até a dissolução da sociedade conjugal”. É considerado híbrido, haja vista que na constância do matrimônio aplicar-se-ão as disposições da separação de bens, mas com a dissolução da sociedade conjugal cada cônjuge terá direito à metade dos bens adquiridos pelo casal a título oneroso, em consonância com o artigo 1672 do Código Civil. Quer dizer, na vigência do casamento as disposições aplicáveis serão as do regime de separação de bens. Porém, com a extinção da sociedade conjugal, o parâmetro legal passa a ser o regime da comunhão parcial de bens. Por não se tratar de regime legal, os efeitos jurídicos dele decorrentes dependerão da lavratura do instrumento público de pacto antenupcial.
Conforme exposto acima, o regime legal após a publicação da Lei Federal nº. 6.515/77, que entrou em vigor no dia 26/12/1977, passou a ser o da comunhão parcial de bens. No entanto, não é absoluta a presunção de existência do pacto antenupcial para os casamentos celebrados sob o regime da comunhão universal de bens após a mencionada data. O que justifica esta afirmação é a validade da certidão de habilitação anterior à lei. O artigo 181, parágrafo 1º, do Código Civil de 1916, previa que a habilitação dos pretendentes para se casar era válida por 3 (três) meses. Por este motivo, muitos casamentos ocorridos até o dia 24/03/1978 foram celebrados sob o regime da comunhão universal de bens, sem a lavratura da escritura de convenção antenupcial, desde que a referida certidão tivesse sido expedida até o dia 24/12/1977. Observe-se que o dia 25/12/1977 não foi considerado, por tratar-se do feriado natalino, ocasião em que o registro civil não fornece certidão de habilitação. Essa interpretação gerou efeitos patrimoniais distintos para os cônjuges que optaram pelo regime da comunhão universal de bens, pois a definição do regime de bens se dá a partir da celebração do casamento e não com a expedição da certidão de habilitação. Mesmo que a certidão tivesse sido expedida antes da vigência da Lei nº. 6.515/77, o pacto antenupcial não poderia ser dispensado. Por conseqüência, não havendo convenção, passou a vigorar, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial, nos termos do artigo 1640 do Código Civil, sendo necessário que essa circunstância conste no assento de casamento e respectivas certidões.
A oponibilidade em relação a terceiros do pacto antenupcial não nasce com expedição do traslado, primeira cópia fiel e integral da escritura pública, pelo serviço notarial. Para que os seus efeitos não fiquem restritos aos nubentes, o artigo 1657 do Código Civil dispõe que “as convenções antenupciais não terão efeito perante terceiros senão depois de registradas, em livro especial, pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges”. Esta exigência legal é confirmada pela Lei Federal nº. 6.015/73 quando em seu artigo 244 prescreve que “as escrituras antenupciais serão registradas no Livro número 3 do cartório do domicílio conjugal, sem prejuízo de sua averbação obrigatória no lugar da situação dos imóveis de propriedade do casal, ou dos que forem sendo adquiridos e sujeitos a regime de bens diverso do comum, com a declaração das respectivas cláusulas, para ciência de terceiros”. Então, cabe ressalvar que a lavratura da escritura pública é apenas o primeiro passo para confirmar os efeitos da convenção antenupcial.
Com o advento do Código Civil de 2002, as normas que regem o casamento também sofreram alterações quanto à possibilidade de mudança do regime de bens. Anteriormente, a imutabilidade do regime de bens era absoluta, sendo que o artigo 230 do Código Civil de 1916 determinava que “o regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável”. Esta regra foi flexibilizada pelo artigo 1639, parágrafo 2º, do Código Civil atual, quando dispõe que “é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”. Assim, é perfeitamente possível a modificação do regime de bens, após a realização das núpcias, desde que comprovada perante a autoridade judicial as razões do pedido e a preservação dos eventuais direitos de terceiros.
A modificação do regime de bens após a realização do matrimônio divide a doutrina em relação à exigibilidade do pacto antenupcial, se o regime posterior for diverso do legal, ou supletivo. Neste sentido, o conceituado registrador João Pedro Lamana Paiva discorre que “a realização de escritura pública de pacto acerca do regime de bens adotado por ocasião de alteração pelos cônjuges vem a proteger e resguardar tanto o casal, como terceiros, preservando a publicidade e segurança jurídica exigidas quando da escolha do regime de bens, além de ser requisito de formalização de regime patrimonial determinado por lei”. Com a devida vênia, discordamos deste entendimento. Inicialmente, por questões de semântica, pois se o pacto é pré-nupcial, resta descaracterizada a sua formalização uma vez celebrado o casamento. De outro modo, o controle de jurisdição exigido para a mudança do regime de bens não se restringe aos requisitos processuais, devendo o juiz competente observar o aspecto material ao proferir a decisão de mérito, o que permite a proteção aos direitos de terceiros. Por fim, embora a atividade notarial e registral tenha por finalidade a segurança jurídica, este princípio é de ordem pública, devendo ser observado pelas autoridades judiciais, inclusive. Tal princípio é a base do sistema constitucional, estando presente já no preâmbulo da Constituição da República de 1988.
Conclui-se, pelo exposto, que a noção dos direitos e obrigações inerentes a cada regime de bens não é suficiente para resguardar os interesses patrimoniais e econômicos dos cônjuges, fazendo-se imperiosa a análise dos demais requisitos legais, o que abrange a exigência ou dispensa do pacto antenupcial e, sobretudo, dos aspectos temporais, para eficácia do regime de bens escolhido pelo casal, após a realização das núpcias.
Referências bibliográficas
CENEVIVA, Walter. Lei de registros públicos comentada. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
FARAH, Benedicto Jorge. Regime de bens. Disponível em:
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: A advogada Fabiana Domingues, autora do livro Regime de Bens e Pacto Antenupcial, diz que, apesar de comum em países como os Estados Unidos, essas cláusulas com multas para certos comportamentos e indenizações pelo tempo de casamento não são usuais porque no Brasil a lei é restrita ao conteúdo patrimonial do pacto e não há jurisprudência ainda sobre o tema. "Mas, pessoalmente, acredito que é possível acrescentar algumas cláusulas assim, como um pedido de indenização, por parte de um dos noivos, caso ocorra o rompimento do casamento em determinadas circunstâncias".
O pacto antenupcial deve ser necessariamente feito por escritura pública, no cartório de notas, e posteriormente levado ao cartório de registro civil onde será realizado o casamento. Após o casamento, o pacto deve ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis do primeiro domicílio do casal para produzir efeitos perante terceiros e também será averbado na matrícula dos bens imóveis do casal.
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