Todo mundo dizia a Juvenal que ele tinha de vender o belo e grande terreno de sua propriedade, todo arborizado, situado num subúrbio da cidade, e o argumento que usavam era atemorizador, terrível: 'Não há força humana que garanta a tua posse, a tua propriedade, se invadirem o imóvel, vão alegar um tal direito de moradia e tu perdes o teu próprio direito, que também é garantido nas leis'. Talvez houvesse algum exagero no conselho, mas 'seguro morreu de velho' e a venda foi decidida.
Uma corretora ficou encarregada de procurar o comprador, e três apareceram. O melhor preço - bem mais alto do que os outros - foi oferecido por uma empresa, que queria erguer um supermercado no local. Pagaria R$ 2 milhões: um milhão de entrada e o restante em 20 prestações consecutivas. As negociações evoluíram, e Juvenal foi aconselhado a dizer que estava tudo bem, mas ele assinaria uma promessa de compra e venda e só outorgaria a escritura definitiva após ter recebido a totalidade do preço. A empresa endureceu, manteve a proposta, alegou que precisava obter, de imediato, a escritura definitiva de compra e venda, na qual constaria que o vendedor tinha recebido todo o preço, dando quitação, ficando ressalvado, entretanto, que metade do preço havia sido pago em dinheiro e a outra metade era representada por notas promissórias, de números e valores equivalentes às prestações que ficavam faltando pagar.
Juvenal consultou seu advogado, e este perguntou: 'Mas as notas promissórias serão emitidas com o caráter pro soluto ou pro solvendo? O homem jamais havia escutado essas expressões vindas do latim e não tinha a mínina idéia do que significavam. O advogado - muito culto, por sinal - deu as explicações; ele acha, inclusive, que entenderam alguma coisa, mas, como é meu amigo - e não paga consulta -, deu um telefonema e pediu que eu lhe dissesse, tintim por tintim, o que aquilo queria dizer. Respondi que naquele momento estava muito ocupado, mas prometi falar por esta coluna, o que estou cumprindo.
Sim, pode ser celebrada uma escritura definitiva de compra e venda, em que parte do preço não é imediatamente paga, em moeda corrente, e vai ser quitada no futuro, ficando as prestações, todavia, garantidas por notas promissórias. Essas notas promissórias podem ser emitidas com o caráter pro soluto e pro solvendo, e a diferença dessas funções é como o céu e a terra, o verde e o vermelho, a montanha e o mar. Parece incrível, mas já vi pessoas fazerem negócios vultosos envolvendo notas promissórias desses tipos sem ter conhecimento, exatamente, do que representavam, o que era uma coisa e o que a outra era. Assinaram contratos sem saber o que faziam.
No primeiro caso - pro soluto -, as promissórias são entregues e recebidas 'como pagamento', ' a título de solução', 'dando quitação'. A compra e venda, assim sendo, é irrevogável e irretratável, fica perfeita e acabada. Se as ditas notas promissórias, afinal, não forem pagas, o contrato respectivo não pode ser atacado, não pode ser desfeito, permanece firme e inabalável. Aquele que comprou o bem continua sendo dono dele, restando ao vendedor recorrer à Justiça, executar o título de crédito, tentar receber o que lhe é devido.
No segundo caso, isto é, se as notas promissórias ficaram vinculadas à escritura de compra e venda com o caráter pro solvendo, a situação é completamente diferente: os títulos não se tornam autônomos, não se desligam do negócio respectivo, o preço só se considera real e definitivamente pago depois de saldada a última das notas promissórias. Como ensina Orlando Gomes, as promissórias pro solvendo não foram emitidas para extinguir a dívida oriunda do contrato de compra e venda, mas tão-somente para reforçá-la, para facilitar a obtenção do numerário. E, afinal, se essas notas promissórias não forem pagas? - O vendedor poderá atacar a própria compra e venda e considerar o contrato extinto e resolvido, com as graves conseqüências que este fato acarreta.
Por ultimo, tive de alertar ao caro Juvenal: tanto num caso como no outro, o vendedor só pode fazer um negócio assim, definitivo de compra e venda e não de promessa de compra e venda, se tiver muita confiança no comprador.
Fonte: Zeno Veloso - Advogado
Uma corretora ficou encarregada de procurar o comprador, e três apareceram. O melhor preço - bem mais alto do que os outros - foi oferecido por uma empresa, que queria erguer um supermercado no local. Pagaria R$ 2 milhões: um milhão de entrada e o restante em 20 prestações consecutivas. As negociações evoluíram, e Juvenal foi aconselhado a dizer que estava tudo bem, mas ele assinaria uma promessa de compra e venda e só outorgaria a escritura definitiva após ter recebido a totalidade do preço. A empresa endureceu, manteve a proposta, alegou que precisava obter, de imediato, a escritura definitiva de compra e venda, na qual constaria que o vendedor tinha recebido todo o preço, dando quitação, ficando ressalvado, entretanto, que metade do preço havia sido pago em dinheiro e a outra metade era representada por notas promissórias, de números e valores equivalentes às prestações que ficavam faltando pagar.
Juvenal consultou seu advogado, e este perguntou: 'Mas as notas promissórias serão emitidas com o caráter pro soluto ou pro solvendo? O homem jamais havia escutado essas expressões vindas do latim e não tinha a mínina idéia do que significavam. O advogado - muito culto, por sinal - deu as explicações; ele acha, inclusive, que entenderam alguma coisa, mas, como é meu amigo - e não paga consulta -, deu um telefonema e pediu que eu lhe dissesse, tintim por tintim, o que aquilo queria dizer. Respondi que naquele momento estava muito ocupado, mas prometi falar por esta coluna, o que estou cumprindo.
Sim, pode ser celebrada uma escritura definitiva de compra e venda, em que parte do preço não é imediatamente paga, em moeda corrente, e vai ser quitada no futuro, ficando as prestações, todavia, garantidas por notas promissórias. Essas notas promissórias podem ser emitidas com o caráter pro soluto e pro solvendo, e a diferença dessas funções é como o céu e a terra, o verde e o vermelho, a montanha e o mar. Parece incrível, mas já vi pessoas fazerem negócios vultosos envolvendo notas promissórias desses tipos sem ter conhecimento, exatamente, do que representavam, o que era uma coisa e o que a outra era. Assinaram contratos sem saber o que faziam.
No primeiro caso - pro soluto -, as promissórias são entregues e recebidas 'como pagamento', ' a título de solução', 'dando quitação'. A compra e venda, assim sendo, é irrevogável e irretratável, fica perfeita e acabada. Se as ditas notas promissórias, afinal, não forem pagas, o contrato respectivo não pode ser atacado, não pode ser desfeito, permanece firme e inabalável. Aquele que comprou o bem continua sendo dono dele, restando ao vendedor recorrer à Justiça, executar o título de crédito, tentar receber o que lhe é devido.
No segundo caso, isto é, se as notas promissórias ficaram vinculadas à escritura de compra e venda com o caráter pro solvendo, a situação é completamente diferente: os títulos não se tornam autônomos, não se desligam do negócio respectivo, o preço só se considera real e definitivamente pago depois de saldada a última das notas promissórias. Como ensina Orlando Gomes, as promissórias pro solvendo não foram emitidas para extinguir a dívida oriunda do contrato de compra e venda, mas tão-somente para reforçá-la, para facilitar a obtenção do numerário. E, afinal, se essas notas promissórias não forem pagas? - O vendedor poderá atacar a própria compra e venda e considerar o contrato extinto e resolvido, com as graves conseqüências que este fato acarreta.
Por ultimo, tive de alertar ao caro Juvenal: tanto num caso como no outro, o vendedor só pode fazer um negócio assim, definitivo de compra e venda e não de promessa de compra e venda, se tiver muita confiança no comprador.
Fonte: Zeno Veloso - Advogado
Adorei os comentários. Elucidaram todas as minhas dúvidas. Flávia Meira.
ResponderExcluirAdorei os comentários. Elucidaram todas as minhas dúvidas. Flávia Meira.
ResponderExcluirMuito bom, apenas no parágrafo final é que acho que houve um equívoco: "... o vendedor só pode fazer um negócio assim, definitivo de compra e venda e não de promessa de compra e venda, se tiver muita confiança no vendedor" (NÃO SERIA "se tiver muita confiança no COMPRADOR"?) Abraços
ResponderExcluirGrato por sua participação!
ExcluirPrezado Marcos Mascarenhas, você está de parabéns!
ResponderExcluirPrezado colega, excelente artigo, bastante esclarecedor, continue publicando jóias com esta.
ExcluirSimples, sem rebusques juridiquês, e em linguagem compreensível.
Janio Rocha
Prezado colega, excelente artigo, bastante esclarecedor, continue publicando jóias com esta.
ExcluirSimples, sem rebusques juridiquês, e em linguagem compreensível.
Janio Rocha
Nossa! Maravilhosa sua explicação, simples e direta, de fácil entendimento. Parabéns.
ResponderExcluirNossa! Maravilhosa sua explicação, simples e direta, de fácil entendimento. Parabéns.
ResponderExcluirNossa! Maravilhosa sua explicação, simples e direta, de fácil entendimento. Parabéns.
ResponderExcluirNossa! Maravilhosa sua explicação, simples e direta, de fácil entendimento. Parabéns.
ResponderExcluirparabéns pelo texto, muito bom e de fácil entendimento!
ResponderExcluirAjudou-me a entender o momento que estou vivendo. No meu caso seria recebimento, como parte de pagamento de um terreno, de uma nota promissória em "pro soluto", que permite transferir o terreno definitivamente para o comprador/construtora. Mas essa nota é no mesmo instante resgatada e novada (ou renovada) por um contrato de "dação de imóvel em pagamento", que por sua vez é afiançado por uma carta de fiança bancaria, de um banco de primeira linha. Em palavras simples, se a construtora não honrar a entrega de "de imóvel em dação", a fiança pode ser executada e eu recebo o dinheiro equivalente, ainda devido. Não é ideal, como em nenhum caso de dívida o é, mas ajuda bastante a diminuir os riscos e viabilizar negócios.
ResponderExcluirOla Marcos
ResponderExcluirPosso lavrar a escritura, estabelecendo que o saldo devedor será pago num determinado dia, sem contudo, vincular qualquer Nota Promissória. Ex: o saldo devedor de R$-30.000,00 será pago no dia 15/12/2013, mediante deposito na conta tal, em CARÁTER PRO SOLVENDO???
Mito bom! Obrigado!
ResponderExcluirNo caso de notas promissórias pro solvendo, a escritura será de " promessa de compra e venda", ou definitiva ? A execução é fácil ou demanda vários anos no judiciário ? O Registro de Imóveis como registra a escritura ?
ResponderExcluirGrato pela atenção
Rogerio
Muito obrigado. Solucionou minhas dúvidas. Abs.
ResponderExcluirMeu caro..gostei. Me permita...Curto, ....... e penetrante. Parabéns
ResponderExcluirSomente quem sabe de verdade consegue transmitir o conhecimento de maneira simples e perfeitamente apreensível. Parabéns professor!
ResponderExcluirSimples e claro. Muito bom
ResponderExcluirNão concordo. A escritura definitiva SOMENTE pode ser lavrada com a NF pro soluto, justamente por seu caráter autônomo. Não existe escritura com NF pro solvendo - a escritura é definitiva, não é? Então como ela poderia ser atacada. Lembro que a NF pro soluto é utilizada em larga escala nas incorporações imobiliárias com permuta.
ResponderExcluirParabéns.
ResponderExcluirArtigo ótimo! Eu nem consegui uma explicação tão boa assim em outro lugar. Meus parabéns, e continue a escrever tão bem. :D
ResponderExcluirMeu caro colega, bom dia.
ResponderExcluirParabéns pelo seu artigo muito esclarecedor.
fácil entendimento,show.
ResponderExcluirfácil entendimento,show.
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