O presente artigo tem por objeto o direito de seqüela nos contratos-meio particulares ordinários aptos à transmissão da propriedade imóvel. Busca-se neste artigo abranger a maioria dos contratos-meio particulares mais usuais para se transmitir a propriedade, a saber: Contrato de Compra e Venda, Compromisso de Compra e Venda, Contrato do Promitente Comprador, Contrato Cessão de Direitos e Doação.
Nos contratos estudados buscou-se estabelecer a forma de se adimplir o negócio iniciado por contrato particular pondo termo com o registro no respectivo registro de imóveis. Para isto, muitas vezes é necessário impetrar ação de obrigação de fazer para que se consiga o devido registro do imóvel avençado por contrato particular.
Destarte, tem-se como objetivo investigar o desfecho destas espécies de contratos quando não for possível, por uma causa superveniente, de se escriturar o imóvel para futuro registro.
1 CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA COM CLÁUSULA DE ARREPENDIMENTO
Vários são os nomes associados a este tipo de contrato, Compromisso de Compra e Venda em que se Pactuou Arrependimento ou Promessa de Compra e Venda em que se Pactuou Arrependimento, assim por uma questão de comodidade usar-se-á simplesmente Compromisso de Compra e Venda.
O Compromisso de Compra e Venda é tida pela doutrina como um contrato preliminar especial ou atípico. Deve ser visto e interpretado do ponto de vista negocial ou obrigacional, daí sua natureza ser obrigacional. Entretanto é um contrato dirigido ou regulamentado, que pressupõe a proteção da parte, em tese, mais fraca - o adquirente - mas resguardando com igual eficácia o alienante, em caso de inadimplemento.
Não há que se confundir o Compromisso de Compra e Venda com o Promitente Comprador, pois estes contratos surtem efeitos dissemelhantes no mundo jurídico.
Inicialmente, importa salientar que, o Contrato de Promitente Comprador, levado a registro tem natureza jurídica de Direito Real, reconhecido como tal pelo próprio Código Civil/02, Artigo 1.228, VII, enquanto o Compromisso de Compra e Venda está no mundo das obrigações mesmo se levado a registro, que neste caso terá tão somente efeito erga omnes.
O compromisso de Compra e Venda é uma promessa assumida pelas partes[1], de cunho preliminar, onde uma das partes compromete-se a efetuar um contrato de venda definitivo, dentro de determinado prazo, em favor de outrem, mediante pagamento de preço e cumprimento de cláusulas pré-escritas, tendo como característica principal a possibilidade de se constar cláusula de arrependimento.
A cláusula de arrependimento no Contrato de Compromisso de Compra e Venda pode se dar pelo arras e condições resolutivas ou cláusulas expressas, por exemplo. Consiste em permitir ao vendedor desfazer o negócio jurídico a qualquer tempo desde que indenize as perdas e danos sofridos pelo comprador e vice-versa. Porém, caso não conste cláusula de arrependimento no instrumento negocial, o mesmo será considerado irretratável, pois tal cláusula precisa estar expressa no contrato.
No Contrato de Compromisso de Compra e Vendas já estão presentes os requisitos de um contrato de transmissão definitivo. Portanto, não é uma fase preliminar de uma negociação ou contrato principal. É sim, um contrato perfeito e acabado e, portanto, regido pelas regras do Direito Obrigacional do Código Civil/02. Neste sentido, explica Venosa[2]:
“Cabe às partes fixarem sua vontade em mero contrato preliminar ou promessa de contratar no futuro, dentro do campo da autonomia da vontade obrigacional, ou efetivamente comprometerem-se a vender e comprar sob a égide da legislação protetiva.”
Destarte, resta esclarecer duas questões acerca deste contrato. A primeira questão diz respeito aos efeitos do registro do Compromisso de Compra e Venda. Se o Contrato de Compromisso de Compra e Venda não for registrado será obrigacional, com efeito somente entre as partes. Caso seja registrado, ainda será obrigacional, porém, com efeito erga omnes. A veemência, aqui, da questão obrigacional é realmente deixar claro que não ocorrerá Direito Real, com o registro do Contrato de Compromisso de Compra com cláusula de arrependimento.
O segundo ponto é a discussão da possibilidade da compulsoriedade da outorga via judicial nos casos de Compromisso de Compra e Venda em que se pactuou arrependimento.
Inicialmente, temos que caminhar no sentido de que o contrato foi devidamente adimplido, senão não há o menor sentido discutir o assunto. A questão é, quitado o contrato, por algum motivo não consegue o comprador escriturar e conseqüentemente registrar. O que fazer?
Têm-se duas alternativas: na primeira o Compromisso de Compra e Venda está devidamente registrado, lembrando que a conseqüência disto é tão somente o efeito erga omnes, então entende-se que neste caso cabe seguramente, indubitavelmente a compulsoriedade da outorga da escritura por via judicial, via uma ação de obrigação de fazer.
Na segunda alternativa tem-se o Compromisso de Compra e Venda que não foi registrado, o verdadeiro contrato de gaveta. Em princípio poderia causar alguma dúvida, todavia neste caso tem-se que levar em consideração a questão social. Esta questão tornou-se de fácil entendimento, posto que já existem entendimentos que não obrigam o registro da promessa de compra e venda para que o adquirente possa defender seus direitos, podendo obter compulsoriamente a escritura caso haja recusa por parte do alienante.
Neste norte verifica-se que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já proferiu decisão acerca do tema[3]. O argumento do Tribunal está imbuído de um caráter social, pois disserta que no nosso país, principalmente nas camadas pobres da população, um grande número de negócios são efetuados de maneira menos formal, e até absolutamente informal.
Compram-se e vendem-se pequenos terrenos e casas de diversas maneiras, por emissão de recibos, sinais de arras, compromissos de compra e venda ou ainda por cessão de posse, redigidos da mais singela forma. E é muitíssimo comum que esses documentos não venham a ser registrados no Registro de Imóveis. Como conseqüência disto, e ainda com base no que afirma o Tribunal de Justiça de Santa Catarina[4], seria uma verdadeira injustiça alegar que o comprador, após ter quitado o imóvel adquirido, tenha obstado o seu direito de adquirir a propriedade do imóvel pelo fato de não haver registrado o Contrato de Compromisso de Compra e Venda.
Desse modo, também deve ser entendido que a ação de outorga compulsória interposta pelo adquirente com o intuito de que seja reconhecido o seu direito de tornar-se proprietário do imóvel adquirido seja possível. A ação de obrigação de fazer, neste caso, nada mais é do que o exercício do adquirente para fazer valer o seu direito de seqüela.
Ora, se o promitente comprador quitou o imóvel, cumpriu com a principal obrigação que lhe conferia, não pode uma formalidade impedi-lo de transformar este contrato em público e posteriormente registrar. Desse modo, ao ser quitado, o Contrato de Compromisso de Compra e Venda passou a ser um contrato perfeito e acabado que traz em seu corpo a obrigação de haver um contrato definitivo, com natureza obrigacional, cabendo assim ação de obrigação de fazer.
2 CONTRATO DO PROMITENTE COMPRADOR
A Promessa de Compra e Venda em que não se pactuou arrependimento foi denominada pelo Código Civil de 2002 de “o Direito do Promitente Comprador” do Imóvel, o que doravante chamaremos de Contrato do Promitente Comprador, tomando proporção de Direito Real. O que caracteriza este tipo de contrato é o não arrependimento, a irretratabilidade.
Para se entender o motivo que o legislador elevou este contrato a Direito Real deve-se analisar a sua trajetória histórica.
Tudo se iniciou pelo Decreto-Lei 58/37 o qual instituiu eficácia erga omnes ao contrato de Promessa de Compra e Venda o qual não se pactuava arrependimento, através do registro do mesmo, atribuindo-o posteriormente Direito Real[5],[6].
Ou seja, celebrado o contrato de Promessa de Compra e Venda, desde que não pactuada cláusula de arrependimento e levado o mesmo a registro, passa a ter eficácia perante todos (erga omnes) e torna-se Direito Real, mas somente se aplicava a uma parcela dos imóveis, aqueles pertencentes a loteamentos.
Não é demais frisar que até então se tinha um contrato, que por força de uma lei especial, consistia em um direito real sobre imóvel, mas não previsto no Código Civil, nos quais reuniam-se as seguintes características: contrato particular ou público; levado a registro, imóvel loteado (loteamento); sem cláusula de arrependimento, e só então tornava-se Direito Real.
Na realidade, buscando o legislador proteger o adquirente, instaurou tal procedimento burocrático que, dada a realidade em que vivemos, muitas vezes termina por impedir o adquirente de conseguir a propriedade plena do imóvel adquirido. Outro ponto é que tal procedimento burocrático (leia-se registro da promessa de compra e venda) tornou-se pressuposto para que o adquirente pudesse pedir a outorga de escritura ou, em caso de negativa do vendedor, a adjudicação compulsória, hoje ação de obrigação de fazer.
Neste mesmo caminho em 1979 publicou-se a Lei nº 6.766, a qual veio dispor sobre o Parcelamento do Solo Urbano e que estabeleceu um grande avanço aos contratos de Promessa de Compra e Venda, e que assim dispõe:
“Artigo 25. São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito real oponível a terceiros.”
A partir desta Lei começou uma corrente doutrinária no sentido de levar o raciocínio imbuído nela para todas as espécies de imóveis. Assim, muitos acórdãos surgiram dando aos contratos de Promessa de Compra e Venda no qual não se pactuava arrependimento, devidamente registrado, eficácia de Direito Real.
Com o passar dos anos as decisões foram seguindo o caminho de que não só a Promessa de Compra e Venda em que não se Pactuou Arrependimento devidamente registrado poderia ser requerida a compulsoriedade da escritura, mas também aquela que se mantinha em poder dos promitentes pelas causas mais diversas. Desta forma a jurisprudência tem entendido que tal procedimento (registro) é desnecessário, acabando por impedir o verdadeiro “proprietário” de registrar (agora no registro de imóveis) o imóvel adquirido em seu nome. Neste sentido Venosa[7] relata sobre o direito de seqüela do adquirente:
“O compromisso registrado confere ao adquirente direito de seqüela, permitindo-lhe reivindicar a propriedade ao cumprir o compromisso, exigindo a outorga de escritura pela adjudicação compulsória. Essa execução específica de outorga de escritura aqui decantada não fica afastada nem mesmo perante a ausência de registro, ou de outros requisitos no contrato, pois no caso torna-se viável recorrer à ação de conhecimento, com índole cominatória, de obrigação de fazer, para obtenção de decisão nos termos do art. 639 do CPC. Nesta última hipótese, a sentença produzirá os mesmos efeitos do contrato cuja conclusão foi recusada” (RSTJ 28/419, RT 591/94, 617/82, 619/100).
A discussão que se firmou durante anos foi no sentido de definir a natureza da ação de adjudicação compulsória. A jurisprudência vem firmando entendimento de que a ação de adjudicação compulsória tem natureza pessoal, posto que a promessa de compra e venda, ainda que não registrada, gera efeitos obrigacionais[8]. Observa-se:
“A promessa de venda gera efeitos obrigacionais, ainda que não formalizada por instrumento particular e não registrada. Mas a pretensão à adjudicação compulsória é de caráter pessoal, restrita assim aos contratantes, não podendo prejudicar os direitos de terceiros, que entrementes hajam adquirido e obtido o devido registro em seu nome, no ofício imobiliário”[9].
Infere-se que o entendimento jurisprudencial vinha seguindo o que há muito prega a doutrina, no sentido de que o direito do adquirente de exercer o seu direito de seqüela via ação de obrigação de fazer, uma vez que o adquirente cumpriu sua obrigação no contrato, conforme pactuado e, portanto, independentemente de registro, deve ter seu direito de pleno proprietário reconhecido.
Destarte, desde o Decreto-Lei 58/37 até o Código Civil de 2002 os Contratos de Promessa de Compra e Venda em que não se pactuou arrependimento, devidamente registrado, utilizados em loteamento tinham a eficácia de Direito Real, todavia os acórdãos já vinham apontando para que a aquisição de qualquer tipo de propriedade adquirida por esta espécie de contrato também tinha eficácia de Direito Real.
Dias passaram e o Código Civil de 1916 foi revogado dando lugar ao Código Civil de 2002. Este trouxe no Artigo 1.225, inciso VII o Promitente Comprador como Direito Real[10], resolvendo toda a celeuma até então.
O Código Civil trouxe a implementação do Promitente Comprador nos artigos 1.417 e 1.418, a saber:
“Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.” (grifo nosso)
Neste sentido, o Contrato do Promitente Comprador é um Contrato de Compromisso de Compra e Venda no qual não se deve pactuar cláusula de arrependimento e necessário se faz o registro do mesmo no Cartório de Registro de Imóveis a fim de que o promitente comprador adquira o direito real de aquisição do imóvel. Ou seja, supridos tais pressupostos, o promitente comprador, após o registro do contrato, adquire o Domínio sobre o imóvel e, por conseguinte, efeito erga omnes.
Em caso de não cumprimento do contrato pelo promitente vendedor, o promitente comprador, titular do direito real de aquisição do imóvel, poderá exigir daquele, a outorga da escritura definitiva via ação de obrigação de fazer, em caso de recusa do promitente vendedor.
Destarte, apresenta-se um breve histórico normativo desta espécie de contrato:
Legislação | Descrição |
Decreto Lei 58/37 | Permite eficácia real ao compromisso de imóveis loteados. |
Lei 649/49 | Estendeu a eficácia real aos contratos de imóveis não loteados, desde que não contivessem cláusula de arrependimento devidamente registrado. |
Lei 6.014/73 | Instituiu a adjudicação compulsória. |
Lei 6.766/79 | Trata do parcelamento do solo urbano, consagrou a denominação “compromisso de compra e venda”. |
Lei 8.078/90 | Tornou nula qualquer cláusula de pacto comissório |
Lei 9.514/97 | Contratos de compra e venda com financiamento poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública. |
Lei 9.785/99 | Tornou título válido para registro, as cessões e as promessas de cessão, quando acompanhadas da prova de quitação. |
Artigo 1.225, Inciso VII, e artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil | Contempla a Promessa de compra e venda como direito real. |
3 COMPRA E VENDA
Inicia-se este tópico com a diferenciação apresentada por Gagliano e Filho[11] entre a Compromisso de Compra e Venda e a Compra e Venda em si:
“O Contrato de Compra e Venda é o contrato principal pelo qual uma das partes (vendedora) se obriga a transferir a propriedade de uma coisa móvel ou imóvel à outra (compradora), mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro (preço).”
“Já o Contrato de Promessa ou Compromisso de Compra e Venda é um contrato preliminar que tem como objeto um contrato futuro de venda e compra. Por meio dele, o vendedor continua titular do domínio que somente será transferido após a quitação integral do preço, constituindo excelente garantia para o alienante.”
Também Venosa[12] faz suas considerações a cerca do assunto:
“A compra e venda caracteriza-se, portanto, entre nós, como contrato consensual, com efeitos exclusivamente obrigacionais, tornando-se perfeita e acabada mediante o simples acordo de vontades sobre a coisa e o preço, nos termos do art. 482 (res, pretius, consensus).”
De maneira simplificada o Contrato de Compra e Venda é aquele no qual as partes contratantes (comprador e vendedor) firmam a obrigação, de maneira consensual, sobre a entrega de uma coisa (pelo vendedor ao comprador) mediante pagamento de preço determinado (pelo comprador ao vendedor). É, portanto, matéria abrangida pelo Direito Obrigacional, tipificada no Código Civil/02, nos artigos 481 a 532.
Para este estudo, o que nos interessa não é esgotar o assunto, posto que não é o objetivo neste momento. Entretanto, o que se ressalta é que a Compra e Venda, como matéria do Direito Obrigacional não gera, por si só, efeitos reais.
Importante consideração a respeito da Compra e Venda está descrita no Artigo 481 do Código Civil/02:
“Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.” (grifo nosso)
Frisa-se que o referido Artigo descreve claramente a transferência de domínio de certa coisa. Assim, infere-se que o contrato de compra e venda por si só, não transfere a Propriedade de coisa alguma, mas sim o Domínio.
Quando se trata de coisa móvel, a propriedade transfere-se com a tradição, conforme preceitua o Artigo 1.267 do Código Civil/02. Já para coisa imóvel faz-se necessário o registro imobiliário para constituir-se o direito de adquirir a propriedade (arts. 1.227, 1.245 a 1.247 do Código Civil/02). Apenas a celebração do contrato, gera tão somente a obrigação entre as partes envolvidas o que enseja dizer que, em caso de recusa da Escritura Pública por parte do vendedor, resolve-se a questão por meio de ação pessoal de: obrigação de fazer; outorga de escritura, cominatória ou; adjudicação compulsória.
Deve-se observar, contudo, o que dispõe o Artigo 108 do Código Civil/02, senão vejamos:
“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País[13].”
Aplicando o dispositivo à matéria em tela, vê-se que, em casos de coisa imóvel, no tocante à transferência de direitos reais, a qual a coisa seja valorada acima de trinta vezes o salário mínimo vigente, torna-se necessária a Escritura Pública para tornar válido o negócio jurídico.
Assim, pode-se concluir que, tanto a Compra e Venda como a Promessa de Compra e Venda, geram, por si só, efeitos obrigacionais entre as partes. Entretanto, a Promessa de Compra e Venda, levada a registro, transforma-se automaticamente em Direito Real (Promitente Comprador), desde que não explicite cláusula de arrependimento, pois havendo tal disposição, gera apenas efeito erga omnes.
Já o Contrato de Compra e Venda, quando tratando de coisa imóvel com valor não superior a trinta salários mínimos, é o próprio título hábil para a transferência de propriedade ao comprador. Caso o imóvel supere o valor de trinta salários mínimos, o que será levado a registro, a fim de transferência da propriedade, será a Escritura Pública de Compra e Venda.
4 DOAÇÃO
Apesar de estar expresso na lei que a Doação “transfere” o patrimônio, não há que se confundir a obrigação gerada pelo ato com a aquisição da propriedade. A Doação inclui-se no direito obrigacional. Não é uma modalidade de aquisição da propriedade, pois neste caso é o Registro do Título o modo de aquisição da propriedade.
Dispõe o Artigo 538 do Código Civil:
“Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”
Da doutrina colhem-se os seguintes entendimentos a cerca da doação, a saber:
“Assim sendo, já podemos conceituar doação como um negócio jurídico firmado entre dois sujeitos (doador e donatário), por força do qual o primeiro transfere bens, móveis ou imóveis para o patrimônio do segundo, animado pelo simples propósito de beneficência ou liberalidade[14].”
“É contrato peculiarmente gratuito, pois traz benefício ou vantagem apenas para uma das partes, o donatário. Caracteriza-se pelo animus donandi, intenção de doar, a ser analisado no caso concreto[15].”
“É contrato em que uma pessoa, por leberalidade, transfere de seu patrimônio bens ou vantagesn para o de outra, que os aceita”[16].
Portanto, é cediça na doutrina brasileira a liberalidade que envolve o contrato de doação. E, apesar de alguns alegarem que a doação não tem natureza jurídica de contrato, a dontrina dominante no Brasil, que inclusive deu a orientação ao Código Civil/02, entende que a Doação tem sim natureza jurídica contratual.
Desse modo, Fiuza[17] classifica o contrato de doação, segundo seus caracteres jurídicos, da seguinte maneira:
“a) é contrato típico, posto que esteja tipificado nos artigos 538 a 564 do Código Civil;
b) é puro, posto que não deriva da mistura de dois ou mais contratos;
c) é consensual ou formal, no sentido de que depende do valor da doação, sendo consensual se o bem doado for de baixo valor, e formal no caso de o bem ter alto valor;
d) gratuito ou atributivo. Não há contraprestação pelo donatário;
e) unilateral, visto que gera obrigações somente ao doador;
f) pré-estimado, referindo-se à prestação do doador que é conhecida desde o momento da celebração; ou aleatório, quando o objeto da doação não é conhecido no momento da celebração;
g) de execução imediata ou futura, sendo que pode ocorrer a sua execução tão logo aconteça a celebração ou em outro momento, no futuro;
h) individual, no sentido que obriga somente os contratantes;
i) negociável. As cláusulas do contrato de doação são sempre passíveis de negociação;
j) intuito personae. O contrato é celebrado em razão da pessoa do donatário.”
As doutrinas, além da liberalidade, mencionam como característica da doação o animus donandi, ou seja, o doador pratica a doação sem esperar nada em troca. A liberalidade, portanto, é um elemento essencial da Doação. Outro elemento não menos importante é o consentimento. Como a Doação é irretratável, fundamental é a existência do consentimento, ou seja, do acordo de vontades. Não basta apenas o doador querer doar para que se concretize a Doação. É necessáirio também que o donatário aceite a Doação, sem que seja obrigado a tal.
Esta situação gera discussões doutrinárias, questionando-se se o contrato de Doação é unilateral ou bilateral. Coelho[18] questiona a unilateralidade do contrato de doação:
“O contrato gera obrigações para os contratantes, mas não necessariamente para todos. Há algumas espécies de contrato em que somente uma das partes se obriga. É, por exemplo, o caso da doação pura (sem encargos para os beneficiários). Para se constituir, depende da manifestação concorde do donatário. Se a pessoa que desejo presentear com alguma coisa não está disposta a recebê-la gratuitamente – sejam lá quais forem suas razões, não surge o contrato de doação. Pois bem, uma vez contratada a doação pura, dela decorrem obrigações unicamente ao doador. [...] O contrato, assim, é unilateral quando apenas uma das partes está obrigada e bilateral quando todas se obrigam.”
Para o citado autor, a doação pura, ou seja, aquela que não gera obrigações, em qualquer espécie, ao donatário, é o único contrato de doação que se enquadra no campo da unilateralidade. Os demais, segudo ele, são bilaterais.
Por outro lado, Gagliano e Filho[19] entendem que a unilateralidade é a principal característica do contrato de Doação. Vejamos:
“E mesmo que se trate de doação onerosa – aquela gravada com um encargo, ainda assim, em nosso pensamento, a característica da unilateralidade persistiria, uma vez que o ônus que se impõe ao donatário não tem o peso de contraprestação, a ponde de desvirtuar a natureza do contrato. [...]”
“E tanto é assim que – a despeito de o doador poder revogar o negócio se o encargo for descumprido – desde o dia da celebração do ato, o donatário já adquire a propriedade da coisa, ainda que não tenha efetivado o pagamento devido (art. 136 do CC).”
Neste ponto, deve ser observado com prudência o que afirmam estes manualistas. Todavia, voltando ao tema objeto deste trabalho, qual seja a aquisição da propriedade, observe-se que no Contrato de Doação transfere o patrimônio (bens ou vantagens) tal logo se celebre o negócio, completando-se o binômio doação-aceitação.
Deixemos de lado aqui a Doação de objeto de pequeno valor e tomemos os bens de valor mais elevado, pois senão teríamos que considerar o que dispõe o Artigo 108 do Código Civil/02.
Entretanto, há que se ressaltar o que dispõe o citado diploma legal quando aduz a respeito da formalidade do contrato de Doação, no seu Artigo 541, verbis:
“Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular.”
A lei é clara quando dispõe que a formalidade da Doação depende de escritura pública ou instrumento particular. E como já demonstrado, o Artigo 108 do mesmo Código Civil não dispensa a escritura pública nos casos de bens imóveis com valor superior a trinta salários mínimos quando o negócio jurídico visar à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis.
Não há dúvidas de que um contrato de Doação acarretará a transferência da propriedade de determinado imóvel para o donatário. Observando sob tal égide, esta transferência fica dependente diretamente de um registro público do contrato de Doação.
Ora, a intenção de doar do doador deve ser um ato de liberalidade para que se caracterize o contrato como de Doação. Não sendo assim, não há que se falar em Doação. E, partindo-se deste pressuposto, havendo a vontade do doador e a aceitação do donatário, bastaria a formalização do contrato mediante instrumento particular. O contrato de doação não obriga ninguém mais do que a parte doadora.
A lavratura de registro via escritura pública é mais um obstáculo burocrático que a lei coloca no sentido de estorvar a concretização da vontade das partes.
Pode ser que, mais uma vez, o legislador tenha pensado em proteger alguma das partes, ou terceiros eventualmente atingidos pelo contrato de Doação. No entanto, tal hipótese demonstra-se inútil no sentido de que, como já explicitado, o contrato de Doação atinge apenas as partes contratantes. Ninguém pode doar aquilo que não é seu, tendo em vista que a própria lei impõe limites protetivos, por exemplo, aos herdeiros do doador.
Assim, a transferência de propriedade por meio de doação poderia seguir, sem maiores problemas o disposto no Artigo 541 do Código Civil/02, acima citado, facultando que a Doação possa se dar tanto por escritura pública como por instrumento particular.
Não há explicações contundentes ou que motivem a real necessidade de lavrar-se o registro de um contrato de Doação em escritura pública, sendo a Doação perfeita e legal. Tal ato é mera formalidade imposta pela lei.
Tanto é que o próprio Código Civil/02 prevê a partir do Artigo 555 até o Artigo 564 os casos em que a Doação pode ser revogada. Desse modo, fica facultado a qualquer eventual ofendido pelo contrato de Doação, o amparo legal a seus direitos. Se a exigência de se registrar um contrato de Doação em escritura pública serviria para proteger os direitos de um terceiro (eventual ofendido), estes direitos já se encontram protegidos por estes artigos, o que demonstra, mais uma vez, que a lavratura deste contrato em escitura pública é ato desnecessário.
Prescreve a legislação que a Doação deve ser levada a registro para que não seja passível de nulidades. No entanto, já se colhe da jurisprudência o entendimento que, neste tipo de contrato, o importante é a comprovação da liberalidade do doador[20].
Assim, percebe-se que na Doação, não havendo vícios que ensejem na sua revogação[21] (casos enumerados nos artigos 555 a 564), o registro do contrato em escritura pública é mera formalidade para a transferência da propriedade do bem ao donatário, embora ainda seja uma prerrogativa para tal, pois pelo Contrato de Doação transfere-se o Domínio e conseqüentemente o direito de seqüela.
5 PERMUTA
O Código Civil/02 trata da permuta apenas no seu Artigo 533, dispondo que as regras são as mesmas aplicadas à compra e venda ressalvadas as modificações apresentadas nos incisos I e II. Vejamos:
“Art. 533. Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:
I - salvo disposição em contrário, cada um dos contratantes pagará por metade as despesas com o instrumento da troca;
II - é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.”
Gonçalves[22] conceitua:
“A troca é, portanto, o contrato pelo qual as partes se obrigam a dar uma coisa por outra, que não seja dinheiro. Difere da compra e venda apenas porque, nesta, a prestação de uma das partes consiste em dinheiro.”
Sendo assim, a permuta comporta-se, no que diz respeito à alienação, da mesma forma que a compra e venda, isto é, tratando-se de coisa imóvel com valor não superior a trinta salários mínimos o próprio Contrato de Permuta será o suficiente para a transferência junto ao registro de imóveis. Todavia se o Contrato de Permuta versar sobre imóveis acima de trinta salários mínimos será obrigatória a Escritura Pública para se transferir a propriedade junto ao registro de imóveis. Finalmente, com o Contrato de Permuta, ambos adquirem o Domínio da coisa trocada, dando-lhes o direito de seqüela.
6 CESSÃO DE DIREITOS
A legislação civil pátria trata da cessão de direitos a partir do Artigo 286 do Código Civil/02, incluída no título da parte especial do referido diploma legal, sendo intitulado: Da Transmissão das Obrigações.
Conceitua DINIZ[23]:
“O ato determinante dessa transmissibilidade das obrigações designa-se cessão, que vem a ser a transferência negocial, a título gratuito ou oneroso, de um direito, de um dever, de uma ação ou de um complexo de direitos, deveres e bens, com conteúdo predominantemente obrigatório, de modo que o adquirente (cessionário) exerça posição jurídica idêntica à do antecessor (cedente).”
A transmissão das obrigações pode se dar de três maneiras ou modalidades, segundo GAGLIANO[24], quais sejam: a Cessão de Crédito, a Cessão de Débito e a Cessão de Contrato.
Partindo-se deste raciocínio, a Cessão de Direitos pode incluir créditos, débitos e direitos e deveres, na qual o cessionário passa a exercer a posição jurídica idêntica a do antecessor, parafraseando DINIZ.
Desta forma se há um Contrato de Compra e Venda, ou Compromisso de Compra e Venda ou Promitente Comprador, e este for transmitido a outrem por cessão, tem-se que o cessionário se sub-rogará aos direitos do cedente, donde se pode concluir que, se a cessão não for superior a trinta salários mínimos, o próprio instrumento de Cessão será suficiente para a transferência junto ao registro de imóveis. Todavia se Cessão versar sobre imóveis acima de trinta salários mínimos será obrigatória a Escritura Pública para se transferir a propriedade junto ao registro de imóveis. Ainda que se o contrato anterior dava o Domínio ao Cedente é certo que o Cessionário o terá também, tendo este o direito de seqüela.
8 UMA BREVE CONCLUSÃO
Apesar de tratarmos, neste estudo, sobre determinados tipos de contratos e suas características, o foco foi ilustrar a questão da transferência da propriedade imóvel relacionada com a necessidade, imposta pela lei, de registro do instrumento contratual em escritura pública, ora como prossuposto para ajuizar determinada ação que dê ao adquirente Direito de Seqüela, ora como formalidade legal, imposta pela legislação, para a transferência da propriedade do bem ao adquirente.
Entendemos que, ao outorgar tal exigência, o legislador procurou de certa forma, proteger principalmente o adquirente do imóvel. Entretanto, como vimos no início deste texto, o registro de instrumento contratual particular em escritura pública tem custos, muitas vezes elevado e, por inúmeras vezes, tal registro não é feito pelas partes por falta de recrusos financeiros, posto que o valor cobrado pela escritura depende do valor do imóvel.
Por este motivo, em casos exemplificativos em que o adquirente cumpriu com suas obrigações contratuais (boa-fé objetiva), a exigência de registro via escritura pública torna-se mera burocracia legal, muitas vezes impedindo ou dificultando o direito do adquirente de exercer o registro definitivo de aquisição da propriedade, agora refletindo sobre o registro que, definitivamente, transfere a propriedade do imóvel.
Vimos que, nos tipos de contratos explicitados acima, a presença da exigência do registro via escritura pública é marcante. Todavia, também vimos que esta questão vem sendo discutida e revista pelos Tribunais pátrios em seus entendimentos jurisprudenciais mais recentes, trazendo a situação concreta para um ambiente mais próximo à realidade brasileira.
Não seria o caso de se revogar totalmente o dispositivo que exige o registro do instrumento contratual em escritura pública e sim abrandar a sua interpretação, obrigando a sua aplicação em determinados casos e facultando-a em outros. Por outro lado poderiam ser criadas cartilhas educativas, de fácil entendimento, para educar e elucidar a sociedade leiga no sentido de tornar seu direito mais visível.
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