A pandemia do coronavírus demoliu o projeto imobiliário da professora Juliana Felipe, 45 anos. Em dezembro de 2019, Juliana vendeu seu apartamento em Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador, com a intenção de comprar um outro, maior, no bairro da Barra.
Escolhida a morada de seus sonhos, ela fez uma proposta à proprietária e negociou a compra com ela. Esbarrou em um problema típico da pandemia: a proprietária é uma idosa que mora no interior da Itália --um dos países mais afetados pela Covid-19. O filho da proprietária não pode viajar ao Brasil para concluir a venda.
Nesse imbróglio, Juliana perdeu o prazo de seis meses fixado por lei para que vendedor de imóvel fique isento de pagamento de imposto sobre a diferença entre o valor que pagou ao comprá-lo e o recebido na venda.
Pela lei, o contribuinte que vende um imóvel tem seis meses para comprar outro sem ter que pagar pelo chamado ganho de capital. O imposto aplicado é de 15% sobre a diferença de preço.
Essa isenção serve para incentivar a construção civil e impedir que o vendedor de imóvel opte, por exemplo, por especular no mercado financeiro.
Juliana ainda pretende comprar outro apartamento com o produto da venda de seu imóvel antigo. Mas terá que pagar imposto sobre a venda do antigo após o fim do prazo de declaração do IR, na última terça-feira (30).
Vice-presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis do Mato Grosso e dono de uma imobiliária, Claudecir Contreira testemunha várias situações como essa.
Em um dos caso, o cliente vendeu o apartamento em dezembro. Ao encontrar o imóvel de seu interesse, no centro de Cuiabá, esse comerciante que prefere não se identificar tentou levar a mulher até o prédio para uma segunda visita antes de tomar a decisão final. Por causa da pandemia, o condomínio impediu a entrada do casal no edifício. Com a cidade em quarentena, ele tampouco pode visitar outros apartamentos. Mesmo com a disposição de comprar outro imóvel, terá que pagar R$ 71 mil imposto sobre o ganho de capital.
Contreira explica que as limitações à mobilidade durante a pandemia têm afetado o mercado imobiliário também pelas filas em cartórios e a dificuldade de acesso às agências da Caixa Econômica Federal, hoje lotadas de beneficiários quem tentam sacar o auxílio emergencial de R$ 600.
“Uma agência da Caixa [da região] teve de ser fechada porque todos os funcionários pegaram Covid-19. As dificuldades são imensas", afirma o corretor.
Presidente do Creci do Ceará, Tibério Benevides relata o caso de um cliente que, em fevereiro, vendeu um apartamento a R$ 780 mil, R$ 300 mil a mais do que pagou pelo imóvel.
A pessoa escolheu o apartamento que pretendia comprar, no bairro de Luciano Cavalcante, em Fortaleza. Mas, no meio da negociação, o proprietário, que é idoso, desistiu da venda. Agora, seu cliente terá que comprar um apartamento até agosto. Do contrário, terá de pagar R$ 45 mil em imposto.
Supervisor Nacional do Imposto de Renda, Joaquim Adir explica que o contribuinte terá que pagar imposto sobre o ganho de capital caso não tenha conseguido comprar outro imóvel seis meses depois da venda de um. “Infelizmente, terá que pagar. É a lei”, afirma.
Esse prazo, diferentemente da declaração anual de ajuste do IR, não foi prorrogado por causa da pandemia.
O deputado federal João Medeiros (Podemos-MT) é o autor do projeto para que a contagem do prazo de 180 dias seja suspensa a partir do dia 19 de setembro do ano passado, seis meses antes de a OMS decretar que o novo coronavírus havia se tornado uma pandemia. Essa isenção, pelo projeto, vigora até o fim do estado de calamidade.
Segundo a justificativa do projeto, “aqueles que conseguiram vender seus imóveis antes ou durante a pandemia terão muitas dificuldades em realizar nova aquisição dentro do prazo de 180 dias".
"Estou tentando sensibilizar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para colocar o projeto na pauta. A construção civil gera muito emprego e hoje há muita insegurança”. Rodrigo Maia não comentou a proposta.
Enquanto isso, o advogado tributarista Tiago de Lima recomenda ao contribuinte que entre com um mandado de segurança para impedir a cobrança do imposto até aprovação de uma lei que suspenda esse prazo.
"Suponho que o caminho seja o mandado de segurança para resguardar o contribuinte, para que o prazo de 180 fique suspenso em função da calamidade pública”, explica.
Fonte: Folha de São Paulo
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