Introdução
O conceito tradicional de propriedade nos dá ideia de que ele seja o direito pelo qual alguém tem o poder sobre alguma coisa, tendo o direito de usar, fruir e dispor da mesma.
Os direitos de vizinhança são previsões legais que têm por objeto regulamentar a relação social e jurídica que existe entre os titulares de direito real sobre imóveis, tendo em vista a proximidade geográfica entre os prédios ou entre apartamentos num condomínio de edifícios.
Para efeitos legais, quem sofrer a repercussão nociva, será reputado vizinho, independentemente de confrontar com o prédio ou não.
Os direitos de vizinhança são criados por lei e, não visam aumentar a utilidade do prédio, mas sim reputados necessários para a coexistência pacífica entre os vizinhos.
O direito de preservação da pessoa contra a utilização da posse ou da propriedade alheia de modo a não causar dano à segurança ou sossego ou a saúde, é exercido ainda em caráter de reciprocidade.
Abusa do direito de propriedade de imóvel quem a utiliza nocivamente, pondo em risco ou afetando a segurança, o sossego e a saúde dos donos dos prédios vizinhos.
Portanto, define-se o uso da propriedade conforme prevê o art. 1.228 do C.C. privilegiando sua função social com efetivo interesse dói proprietário ou a sua comodidade e, nunca sendo utilizada como instrumento de vingança, capricho ou com o fito de perturbar ou causar dano a outrem.
É abuso de direito, por exemplo, construir muro altíssimo apenas para fazer sombra sobre o prédio vizinho ou para atrapalhar a navegação aérea; ou construir um poço profundo para suprimir as águas dos demais adquirentes do lote, ou não permitir a passagem forçada para o proprietário que necessite escoar sua produção agrícola, encontrando-se a estrada pública em péssimas condições, entre outros comportamentos igualmente reprováveis.
Já condomínio nada mais é do que a coexistência de dois ou mais titulares do direito de propriedade que são exercitados sobre um bem material ou corpóreo.
É denominado condomínio por planos horizontais a edificação ou conjunto de edificações sobre o qual exista mais de um proprietário, simplesmente chamado de condômino, se distinguindo do condomínio tradicional na medida em que existem conjuntamente a propriedade individual e a propriedade comum.
Quando a convenção e o regimento interno não solucionarem a lide, há a necessidade da interferência do judiciário.
1. Do Direito de Vizinhança e suas limitações legais:
Apesar do homem ter garantido o seu direito de propriedade, este possui limitações ao seu exercício, não só em relação ao interesse coletivo, como também ao interesse individual. Dentre estas destacam-se as determinadas pelas relações de vizinhança.
As regras que constituem o direito de vizinhança destinam-se a evitar conflitos de interesses entre os proprietários de prédios contíguos. Tem também a intenção de conciliar o exercício do direito de propriedade com as relações de vizinhança, uma vez que sempre é possível o advento de conflitos entre vizinhos.
A propriedade deve ser usada de tal maneira que se torne possível a coexistência social, caso contrário, as propriedades se aniquilariam no entrechoque dos seus vários direitos.
Os direitos de vizinhança são obrigações propter rem, porque vinculam os confinantes, acompanhando a coisa e se transmite ao sucessor a título particular. Por se transferir a eventuais novos ocupantes do imóvel, é também denominada obrigação ambulatória.
Há diversas limitações impostas aos vizinhos, no sentido de que as regras que geram a obrigação de permitir a prática de certos atos, sujeitando o proprietário a uma invasão de sua esfera dominial, das que criam o dever de se abster da prática de outros. Exemplo: a que recai sobre o dono do prédio inferior, obrigado a ceder as águas que fluem naturalmente do superior ( CC, art. 1288); o art. 1.285 do CC que "o dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, ode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário"; o proprietário deve tolerar a passagem de cabos e tubulações em proveito de seus vizinhos, mediante recebimento de indenização que atenda também a desvalorização da área remanescente, caso seja impossível que a passagem seja feita de outro modo, ou se muito oneroso (art. 1.286 do CC); preceitua o art. 1.297 do CC: "o proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas”; argui o art. 1.299 do CC que "o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos"; prescreve o art. 1.301 do CC "é defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho", com a finalidade de resguardar a intimidade a intimidade das famílias. No entanto, não estão proibidas pequenas aberturas para luz e ventilação; estabelece o art. 1.300 do Código Civil que "o proprietário construirá de maneira que o seu prédio não despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho", portanto, as águas pluviais devem ser despejadas no solo do proprietário e não no do vizinho, já que este só está obrigado a receber as águas que naturalmente correm para seu prédio e etc.
É interesse do dono de um prédio que se estabeleça os limites extremos de sua propriedade".
Prevê o art. 1.277 do Código Civil que "o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha".
A expressão “interferências prejudiciais” substitui a expressão “mau uso” empregada no CC de 1916. As interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde capazes de causar conflitos de vizinhança podem ser classificados em três espécies: ilegais, abusivas e lesivas.
Os atos prejudiciais à propriedade podem ser ilegais, quando configurar ato ilícito; abusivos, aqueles que causam incômodo ao vizinho, mas estão nos limites da propriedade (barulho excessivo, por exemplo); lesivos, que causam dano ao vizinho, porém não decorre de uso anormal da propriedade (indústria cuja fuligem polui o ambiente, por exemplo).
Os atos ilegais e abusivos decorrem do uso anormal de propriedade, posto que ultrapassam os limites toleráveis da propriedade. Outro ponto a ser analisado para verificar a normalidade de uso é a zona de conflito, somados aos costumes locais, já que são diferentes num bairro residencial e industrial, por exemplo. Além disso, deve-se considerar a anterioridade da posse, pois a pessoa que comprou o imóvel próximo de estabelecimentos barulhentos não tem razão de reclamar.
Entende-se que os primeiros a se instalarem num certo local determinam a sua destinação, no entanto, esta teoria não é absoluta, ou seja, os proprietários não podem se valer da anterioridade para justificar a moléstia ao vizinho.
A relações de vizinhança, muitas vezes, são problemáticas devido ao uso anormal da propriedade e diversas vezes, a pessoa que sobre uma interferência danosa, tem que recorrer ao judiciário, para solucionar a lide.
Para danos forem intoleráveis, deve o juiz primeiro determinar a sua redução, de modo a torná-lo suportável pelo homem normal.
De acordo com o art. 1.279 do CC "ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o vizinho exigir a sua redução, ou eliminação, quando estas, se tornarem possíveis".
Porém, se não for possível que o dano seja reduzido a um nível normal de tolerância, determinará o juiz a cessação da atividade causadora do incômodo (fechamento da indústria, p.ex.). Deve-se observar, no entanto, que se a atividade for de interesse social, determina-se que o causador do dano pague indenização ao vizinho (art. 1.278 do CC).
A ação que deve ser interposta nestes casos é a cominatória, que pode ser ajuizada pelo proprietário, pelo possuidor ou pelo compromissário comprador. Porém, se o dano for consumado, caberá ação de ressarcimento de danos.
Estabelece ainda o art. 1.280 do CC que "o proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente".
2. Do Condomínio:
Em regra, a propriedade de qualquer coisa pertence a uma só pessoa. Mas há casos em que uma coisa pertence a duas ou mais pessoas simultaneamente. Essa situação é denominada por copropriedade, comunhão ou condomínio.
Quando os direitos elementares do proprietário, preceituados no art. 1228 CC, pertencerem a mais de um titular, existirá o condomínio ou domínio comum de um bem. Configura-se quando um determinado bem pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas direito, idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes.
A cada condômino é assegurada uma quota ou fração ideal da coisa, e não uma parcela ideal desta.
No tocante aos direitos e obrigações dos condôminos, o CC/02, disciplina a matéria e permite que sejam elaborados Convenções e Regimentos Internos, a fim de regrar a convivência.
Como exemplo, vejamos: “Dispõe o art. 1.314: Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la. Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.”
Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá o administrador, que poderá ser estranho ou não ao condomínio. O condômino que administrar sem oposição dos outros presume-se representante comum.
2.1. Do Condomínio Edilício:
O condomínio edilício (artigos 1.331 a 1.358 do Código Civil) se diferencia do condomínio comum (artigos 1.314 a 1.330 do Código Civil), pois naqueles há partes comuns e partes exclusivas, ao passo que o condomínio comum existem multiproprietários onde todos detêm a propriedade em comum, sem individualizações.
Desta forma, no condomínio edilício pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
Caracteriza-se pela apresentação de uma propriedade comum ao lado de uma propriedade privativa. Cada condômino é titular, com exclusividade, da unidade autônoma (apartamento, escritório, loja e etc) e titular das partes ideais das áreas comuns ( terreno, telhado, piscina e etc).
As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio.
Todo condomínio em edificações deve ter, obrigatoriamente, o ato de instituição, a Convenção de Condomínio e o Regulamento ( Regimento Interno).
A Convenção, trazida no art. 1333 do CC, é o documento onde são estipulados os direitos e os deveres de cada condômino.
Nessa linha decidiu o STJ 31/251: “ Convenções e regimentos internos de edifício em condomínio, surgindo embora da manifestação coletiva da vontade, tem natureza distinta do contrato, por obrigarem ainda os dissidentes e aqueles que , não participavam da propriedade comum. Os princípios regentes são basicamente os mesmos.”
A convenção, portanto, regra o comportamento dos condôminos, como também de todas as pessoas que ocupem o edifício.
A convenção não pode se sobrepor à lei, sendo nulas as cláusulas que contrariem disposições legais.
O CC/02, traz direitos e deveres de condôminos. O art. 1336, traz os deveres e o art. 1335, traz os direitos. Já os arts. 1347 a 1356, trata da administração.
O art. 1357 trata da extinção do condomínio.
2.2. Conflitos Internos:
Em um condomínio, existem vários proprietários, então, naturalmente, surgem os conflitos internos. Para isto, há a importância das Convenções, Regimentos e do Síndico. Grande parte deles acontecem por simples situações, mas quando se tornam contínuas e sem previsão de ter um fim, o jeito é acionar a justiça.
Os problemas mais comuns, de acordo com o Site Síndico. Net, são: “ utilização indevida das vagas de garagem, barulhos, excesso de festas, animais de estimação, má administração do síndico e utilização indevida das unidades autônomas”.
O STJ que revela dados do Sindicato dos Condôminos Residenciais e Comerciais do Distrito Federal: "95% dos casos vão parar nos juizados especiais, pois geralmente são pequenos conflitos que envolvem baixos valores".
Conclusão
Quem violar as proibições advindas do direito de vizinhança, poderá ser constrangido a reparar os danos.
È óbvio que os direitos sobre a propriedade vigoram sob a ótica da função social e sobretudo pelas condutas norteadas pela boa fé-objetiva. Não sendo o direito de propriedade infinito e ilimitado. Constituindo uma importante projeção da personalidade jurídica que por sua vez deve respeitar as demais personalidades jurídicas e os respectivos direitos que dela emanam.
Pelo presente estudo foi possível perceber que as relações de vizinhança importam em direitos e deveres; de um lado há o direito de uso, gozo e usufruto da propriedade, e de outro o dever de utilizá-la de forma lícita, regular e normal.
Os direitos de vizinhança, portanto, são instituídos para definir os critérios de licitude do uso da propriedade, além de dirimir os conflitos que porventura surjam das relações de proximidade e do exercício deste direito.
Referências
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas. Vol.5. 12ª edição. Editora Saraiva, 2017.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 2ª edição. Editora Método, 2012.
www.sindiconet.com.br/direitodevizinhança. Acessado em: 24.07.2017.
www.stj.jus.br. Acessado em: 24.07.2017.
Raissa Nacer Oliveira de Andrade - Advogada OAB-SE, Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho e Pós Graduanda em Direito Material e Processual Civil.
Fonte: Revista Âmbito Jurídico
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