A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em sessão no dia 12 de junho, decidiu, por maioria, no julgamento do Recurso Extraordinário 605.709, por afastar a penhora sobre bem imóvel do fiador em contrato de locação comercial, reconhecendo-o como bem de família, nos termos da Lei 8.009/90.
A lei do bem de família, criada no ano de 1990, possui o relevante e fundamental papel de assegurar o direito de moradia, bem como garantir que as dívidas contraídas pelo casal ou pela entidade familiar não atingirão o imóvel que serve de moradia ou que garanta tal direito ao seu proprietário.
Ocorre que, ao prever, no ano de 1990, que o único imóvel que serve de moradia não pode ser atingido pela dívida de qualquer natureza contraída pelo casal ou pela entidade familiar, a lei do bem de família criou relevante insegurança no mercado de locações, especialmente quanto à figura do fiador, na medida em que um único imóvel de sua propriedade não seria suficiente para garantir o pagamento de eventual dívida locatícia, eis que impenhorável.
Com isso, passou-se a exigir que o fiador apresentasse não apenas um, mas ao menos dois imóveis capazes de garantir o pagamento dos aluguéis contratados. Obviamente, se já é tortuosa a missão de conseguir um fiador que disponha de um imóvel, que dirá o que disponha de dois ou mais, fato esse que passou a inviabilizar, do ponto de vista prático, o mercado de locações.
De modo a ajustar esse descompasso do mercado imobiliário de locações foi que, em 1991, na entrada em vigor da Lei do Inquilinato (8.245/91), o artigo 82 inseriu o inciso VII no artigo 3º da lei do bem de família, para incluir como exceção à impenhorabilidade o imóvel do fiador em contrato de locação.
Ressalta-se que a possibilidade de responder por dívida restringe-se à fiança prestada especificamente em contrato de locação, e não em qualquer outro negócio. A lei também não distingue o tipo de locação, abrangendo todas as modalidades.
Com base nesse histórico foi que se garantiu — ao menos até a recente decisão do STF — considerável segurança jurídica ao mercado de locações, especialmente quanto à inafastabilidade da garantia ampla do patrimônio do fiador.
Por esse prisma é que se entende que a decisão do STF, em última análise, resgata uma insegurança há muito pacificada, recolocando em risco, ao menos em relação às locações comerciais, a necessária estabilidade do mercado.
Embora o até então consolidado entendimento (de ser possível alcançar o imóvel do fiador) dê azo a circunstâncias como a possibilidade de se penhorar o imóvel do fiador, mas não o do locatário (que é o devedor principal), certo é que a fiança de locação é um ato puramente volitivo, que não permeia qualquer outra necessidade (de moradia ou de subsistência como no caso da locação residencial ou comercial, respectivamente), e depende exclusivamente da deliberada intenção do fiador em se colocar em tal posição, e naturalmente assumir os seus riscos e ônus.
Por isso, por mais que o entendimento prevalente na decisão comentada se paute na impossibilidade de o direito à livre-iniciativa se sobrepor ao direito à moradia, deve se ter em conta que tal possibilidade foi criada única e exclusivamente pela pura opção do fiador, sem que qualquer outra necessidade (básica ou não) o tenha compelido, forçado ou orientado a assumir tal encargo.
Diante dessas considerações é que, em prestígio à necessária segurança jurídica do mercado locatício — especialmente em momento delicado por que passa atualmente —, alcançada pela inserção do inciso VIII do artigo 3º na lei do bem de família, bem como diante da certeza de que a posição de fiador em contrato de locação (residencial ou comercial) é assumida pela mais pura e simples manifestação de vontade, sem qualquer necessidade que a impulsione, é que se entende inadequada e temerária a decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, tanto do ponto de vista jurídico como pela ótica do impacto social e comercial que dela resultará.
É preciso mencionar, por fim, que apesar de se tratar de decisão da suprema corte brasileira, refere-se a uma única decisão, pautada em entendimento isolado, proferida apenas por uma das duas turmas do STF, que não tem qualquer caráter vinculante em relação aos demais juízos e tribunais e, portanto, não pode, nem deve, ser admitida como um novo entendimento predominante.
Pedro Serejo - Advogado no Vieira, Cruz Advogados, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes e graduado em Direito pela PUC-Rio. Atua nas áreas de Direito Imobiliário e Contratual, relações de consumo e recuperação de crédito.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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