Resumo: A rotina na execução civil revela muitas vezes que os denominados contratos de gaveta são artimanhas forjadas com o intuito de fraudar a execução dos credores do que negócios idôneos, dotados de boa-fé. O objetivo do artigo é discutir a correta valoração probatória que o referido instrumento particular deve merecer quando suscitado em disputa com o credor penhorante do mesmo bem.
Palavras-chave: Execução civil. Compromisso de compra e venda. Registro imobiliário. Prova documental e Fraude a execução.
Introdução
A recuperação do crédito via execução judicial é uma das tarefas mais árduas e incessantes praticadas nos certames judiciais.
O tempo desprendido nos atos processuais, os ardis empregados pelos devedores, enfim são vários os obstáculos as serem transpostos pelos credores.
É incontroverso que os negócios jurídicos são mais ágeis e eficazes aos seus pactuantes, divergindo das delongas das contendas judiciais.
De fato, pela variedade e facilidade dos negócios, como o tradicional compromisso de compra e venda, muitas vezes são utilizados para fraudar uma execução civil.
A rotina do contencioso executivo mostra que muitas vezes estes referidos pactos são clandestinos e forjados, destituídos de qualquer idoneidade e boa-fé.
O objetivo do artigo é discutir se o contrato de compromisso de compra e venda, desprovido de registro em cartório, sem testemunhas e reconhecimento de firma na assinatura, desacompanhado, portanto, de nota de publicidade, o denominado “contrato de gaveta” pode servir como prova em sede de embargos de terceiro.
O Registro em cartório do bem imóvel e demais atos cartorários
Em regra, todo bem imóvel deve estar registrado em cartório, por meio da abertura de matrícula.
A matrícula é um ato cartorial que individualiza o bem imóvel por meio de uma folha de papel, dividido em livros ou uma ficha, onde são lançados o registro e a averbação incidentes sobre o mesmo, de modo a demonstrar a sua situação jurídica.
O registro pode ser conceituado como o “instituto criado com o fim de tornar público os atos jurídicos, o estado e a capacidade das pessoas, estabelecendo a autenticidade, a segurança e a validade das obrigações e de certas relações de direito passíveis de tutela legal e sujeita à transferência, modificação ou extinção” [1]
Em outras palavras o registro é um ato cartorário na qual demonstra o proprietário do imóvel, bem como, as transações e gravames (usufruto, hipoteca e etc) e demais assentos jurídicos ali incidentes, como a convenção de condomínio, a teor do artigo 1.333, parágrafo único do Código Civil c.c o artigo 167, I alínea 17 da Lei n. 6.015/73.
No caso de incorporação imobiliária é obrigatório o seu registro no cartório imobiliário, antes de o incorporador poder efetuar as vendas das unidades autônomas, na forma do artigo 32 da Lei n. 4.591/64.
Já a averbação consiste também em um ato dessa natureza onde são anotadas todas as alterações ou acréscimos tanto com relação ao imóvel, como das pessoas que constam do registro, e, os eventos jurídicos e gravames ali ocorridos, como a penhora, cancelamento de hipoteca e etc.
Não só a propriedade é registrada no cartório de imóveis, mas qualquer os direitos reais (ex. servidão, hipoteca, usufruto e etc.) incidentes sobre o imóvel devem ser averbados na sua matrícula.
As informações constantes da matrícula
Primeiramente, cumpre consignar a divisão dos livros dos registros de imóveis em três grupos: Principais, internos e classificadores.
Contudo, para atermos ao objetivo do artigo iremos analisar apenas os principais, do subtipo “Livro n. 2 – Registro Geral” e “Livro n. 3 – Registro auxiliar” ora destinados às matrículas, registros e averbações incidentes sobre o bem dessa natureza.
Toda matrícula terá um número e começará com o memorial descritivo pormenorizado do imóvel.
Deve conter o nome de quem era o proprietário, as transações ali realizadas, os eventos jurídicos e gravames incidentes sobre o bem.
O artigo 828 c.c, o 799, inciso IX, do Código de Processo Civil traz a possibilidade de averbar na matrícula do imóvel as execuções judiciais em trâmite perante o proprietário (averbação premonitória).
Embora não seja óbice à sua venda, conforme discorreremos a seguir, trata-se de negócio arriscado, sem segurança jurídica, de modo a trazer prejuízos futuros ao adquirente do bem.
Trata-se de verdadeira “carteira de identidade” do imóvel apta a fornecer elementos de segurança jurídica para eventuais transações pelo adquirente.
Adquire-se a propriedade do bem imóvel mediante o registro do título translativo no registro de imóveis, a teor do artigo 1.245 do Código Civil.
Veremos adiante o que são esses “títulos” e suas espécies.
Títulos translativos
O título translativo “é o documento que a lei considera hábil para, ao ser registrado no cartório imobiliário, efetivar a transferência da propriedade do bem imóvel” [2]
Com efeito, no que tange a propriedade de bens imóveis, o artigo 1.245 do Código Civil prescreve:
“Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”
Em qualquer espécie de título, deve obrigatoriamente consignar a causa do negócio jurídico, como por exemplo, compra e venda, doação e etc.
Ademais, deve observar as disposições contidas no artigo 225 da Lei n. 6.01573 [3]:
“Art. 225 – Os tabeliães, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário. Renumerado do art. 228 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975).
§ 1º As mesmas minúcias, com relação à caracterização do imóvel, devem constar dos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro.
§ 2º Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.
§ 3o Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais” (Incluído pela Lei nº 10.267, de 2001).
Como regra geral, nas transações de compra e venda o título será uma escritura pública.
A escritura pública é um documento produzido por qualquer tabelionato, frisa-se, por um agente público.
É antes de tudo um instrumento jurídico de declaração de vontades celebrado na referida repartição para dar validade ao ato jurídico exigido por lei.
Difere-se do instrumento particular, porquanto neste documento, a sua elaboração pode ser feita por qualquer pessoa que não tenha função pública.
A legislação alberga hipóteses de aquisição de propriedade do imóvel por meio de registro de um instrumento particular.
De forma bastante didática, o especialista Bruno Mattos [4] destaca algumas dessas hipóteses:
• “compra de imóvel com valor igual ou inferior a 30 vezes o maior salário mínimo vigente no país, a teor do artigo 108 do novo Código Civil;
• “contrato celebrado no âmbito do sistema financeiro de habitação, a teor do artigo 61, § 5º, da Lei n. 4.380, de 21/08/64, incluído pela Lei n. 5.049, de 29/06/66;
• contrato de alienação fiduciária, a teor do artigo 38 da Lei n. 9.514, de 20/11/97;
• contrato de alienação de imóveis funcionais da União situados no Distrito Federal, nos termos do artigo 2º, V, da Lei n. 8.025, de 12/04/1990;
• contrato celebrado no âmbito de loteamentos populares, previstos na Lei n. 9.785, de 29/01/99”
Por sua vez, os populares compromissos ou promessas de compra e venda podem ser celebrados por instrumento particular adquirindo o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel, desde que não tenha sido pactuado cláusula de arrependimento a teor dos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil:
“Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel”
“Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel”
Denota-se, portanto, a importância o registro dos títulos translativos no cartório imobiliário, porquanto é ato constitutivo do direito de propriedade.
Do compromisso de compra e venda
É um contrato preliminar pela qual as partes se comprometem a efetuar um contrato de compra e venda definitivo.
Neste contexto, leciona o Professor Venosa [5]:
“O negócio tem todos os requisitos de contrato prefeito e acabado, não se confundindo com negociações preliminares. Como característica principal, traz em seu bojo a obrigação de contratar definitivamente, sob certo prazo ou condição. No compromisso de compra e venda imobiliário, o objetivo claro das partes não é precipuamente a conclusão de outro contrato, mas a compra definitiva de um imóvel”
É bastante difundida e surge muitas vezes como opção quando as partes não querem ou não podem celebrar desde logo, por escritura pública, o contrato definitivo.
A função social do direito de contratar – pacta sunt servanda e a boa-fé contratual
O contrato, aqui compreendido como título representando um negócio jurídico, enquanto direito subjetivo e individual, deve ser manejado de forma a não lesar os interesses superiores da sociedade, projetando o valor constitucional expresso como garantia fundamental dos indivíduos e da coletividade presente no artigo 5º, inciso XXIII da Constituição Federal.
Assim como ocorre com a propriedade, a liberdade de contratar é um direito fundamental do indivíduo inserto em princípios gerais. Daí afirmar-se que a livre iniciativa e a autonomia privada estão erigidas dentre as garantias constitucionais fundamentais e só podem ser limitadas nos termos da lei (princípio da legalidade).
A intervenção estatal, por meio do legislador (normas imperativas restritivas da autonomia), ou via Judiciário (modificando o conteúdo do contrato ou retirando-lhe a obrigatoriedade), em um sistema econômico e político que se sustenta na livre iniciativa e na propriedade privada, não pode ultrapassar os limites da excepcionalidade e razoabilidade, sob pena de se condenar a sociedade à instabilidade e estagnação econômica.
O contrato é um instrumento originário da livre vontade das pessoas, como forma de incrementar o desenvolvimento dos negócios, da acumulação e circulação de riquezas, e do progresso, devendo ser cumprido e respeitado, especialmente porque celebrado dentro dos padrões e princípios a ele impostos.
A boa-fé objetiva deixou de ser um princípio geral de direito para ser inserida textualmente no artigo 422 do Código Civil, e está visceralmente ligada à ideia de cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, não sendo lícita a procura pela tutela jurisdicional para, injustificadamente, buscar a fuga de um dever legal, faltando com a confiança desejada e esperada pelas partes, incidindo na culpa in contrahendo, conforme assevera Nelson Ney Júnior [6]:
“Aquele que faz crer ao outro que pretende contratar ou, já havendo contratado, que as bases do contrato são aquelas esperadas pelos contratantes tem o dever de manter essas expectativas antes, durante e depois da execução do contrato, fazendo com que sejam realizadas e efetivadas. Essa consequência é imposição da boa-fé objetiva e da confiança”
Em outras palavras, o principio da boa-fé objetiva, pode ser compreendido como um conceito ético de conduta, moldado nas ideias de proceder com correção, com dignidade, pautada a atitude nos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar.
Sendo assim, o juiz na aplicação do direito ao caso concreto deverá analisar sua aplicação na interpretação/contexto do negócio jurídico celebrado, no momento da constatação do abuso de direito ou na avaliação da responsabilidade pré ou pós-contratual.
Segurança jurídica e o registro de imóveis
A segurança jurídica é um importante aspecto do chamado “Custo Brasil” no que tange aos riscos e custos de se transacionar no país.
Como leciona o Dr. Armando Castelar Pinheiro [7]:
“Uma forma simples de definir Custo Brasil é como sendo o custo adicional de transacionar, de realizar negócios, no Brasil, em comparação ao custo em um país com instituições que funcionam adequadamente. Nesse sentido, Custo Brasil é um conceito associado, de um lado, às instituições do país e, de outro, ao custo de transacionar”
Sob este contexto, busca-se cada vez mais a segurança jurídica nas transações imobiliárias, como forma de proteger não só o investidor, como o próprio comprador dos riscos do negócio, como forma de garantir a paz social.
Este ambiente é favorável ao desenvolvimento e incremento de maiores investimentos no setor imobiliário, com o acréscimo de riquezas.
De fato, se levado em conta que o direito real de propriedade apenas é transmitido com o registro do título translativo no Registro de Imóveis (art. 1.245, Código Civil), nada justifica uma negociação imobiliária sem qualquer traço de publicidade.
Ausente o registro, não há eficácia erga omnes.
O Professor Moacir Amaral [8], leciona sobre o assunto:
“a eficácia desse documento, inclusive a probatória, se opera entre as partes, não em relação a terceiros. Em face de terceiros, terá o instrumento eficácia tão-somente depois de transcrito no registro público, conforme disposição expressa na parte final do art. 221 do Código Civil de 2002 (art. 135 do Cód. Civil de 1916): ‘mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público”
E, para isso, os serviços notariais e de registros são fundamentais porquanto conferem publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos praticados na esfera imobiliária.
Contrato de gaveta e a contextualização do tema
O objetivo do artigo é discutir se o contrato de compromisso de compra e venda, desprovido de registro em cartório, sem testemunhas e reconhecimento de firma na assinatura, desacompanhado, portanto, de nota de publicidade, o denominado “contrato de gaveta” pode servir como prova em sede de embargos de terceiro.
Sob este contexto, penhorado um imóvel o exequente, muitas vezes, depara-se com um terceiro reivindicando precedência sobre o bem imóvel neste cenário.
O fundamento para oposição dos embargos de terceiros com lastro em instrumento contratual sem registro, encontra-se guarida na Súmula número 84 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“Súmula 84 – É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro” (Súmula 84, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/06/1993, DJ 02/07/1993).
Contudo, a referida súmula apenas foi zelosa em não tolher o direito de ação em razão da ausência de registro do mencionado contrato. Trata-se, portanto, de defesa apenas ao direito de ação, por meio dos embargos de terceiro. Tem caráter exclusivamente processual.
Não garante, portanto, por si só, a proteção possessória deduzida naquela ação.
Conforme é cediço, para o êxito dos embargos de terceiro é necessário prova robusta de que a noticiada compra e venda é pré-existente a execução movida pelo credor e, ainda, capaz de reduzir o devedor alienante à insolvência (artigo 792, IV, do CPC).
O direito de ação, de provocar a atividade jurisdicional é diverso e prescinde da efetiva existência do direito material invocado.
Deste modo, compete ao juiz sopesar as provas quanto à data do negócio compra e venda, com provas e contraprovas a fim de averiguar quem de fato detêm a primazia sobre o bem em disputa.
Falta de segurança jurídica e a clandestinidade da negociação imobiliária
A falta de confiança de que as instituições garantirão a aplicação do direito vigente gera dúvidas sobre a estabilidade das relações jurídicas.
O mercado imobiliário é movido por uma indústria que trabalha em longo prazo.
Há uma enorme delonga entre a aquisição de um terreno, a aprovação de um projeto, a incorporação, a construção e consequente entrega de um empreendimento, com a participação de diversos profissionais envolvidos, agentes financeiros e etc.
Por esta razão, este é um dos setores que mais necessitam de segurança jurídica, até porque envolve o sacrifício de economias domésticas pelo negócio, com reflexos na economia.
Nos dias atuais, mostra-se temerável negociar um imóvel mediante um contrato particular de compromisso de compra e venda sem o menor resquício de publicidade.
A publicidade é o ato que dá, além do conhecimento “erga omnes”, segurança, oponibilidade e eficácia às situações jurídicas que dizem respeito à propriedade imobiliária, por meio do registro em cartório.
De fato, se levado em conta que o direito real de propriedade apenas é transmitido com o registro do título translativo no Registro de Imóveis (art. 1.245, Código Civil), nada justifica uma negociação imobiliária sem qualquer traço de publicidade.
Denota-se, muitas vezes, não apenas uma temeridade quanto ao negócio, e, também explicita o propósito de se fraudar a execução do credor.
Quando se averigua a prova da compra e venda celebrada por instrumento particular, em especial a sua repercussão na esfera jurídica do terceiro credor, o artigo 221 do código civil estabelece:
“Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor; mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a respeito de terceiros, antes de registrado no registro público”
Portanto, somente atinge terceiros aquele contrato a qual se conferiu a necessária publicidade.
Neste sentido, leciona Roberto Senise Lisboa [9]:
“O registro público é meio de se dar publicidade aos atos a ele submetidos, cuja efetividade passa a atingir não só as partes, mas também a terceiros. Assim, para que o instrumento particular tenha efeitos erga omnes, e não meramente inter partes, mister sua inscrição no registro público”
Desta forma, sem embargos do entendimento por meio da Súmula n. 84 do STJ da possibilidade de oposição de embargos de terceiro, ainda que o compromisso de compra e venda esteja desprovida de registro, o mesmo não pode ter validade perante o terceiro.
O registro do contrato em cartório, o reconhecimento das firmas do vendedor e do comprador, bem assim das testemunhas, são fatos essenciais para a comprovação da posse na data sustentada, em sede de embargos de terceiro.
Assim sendo, havendo dúvida quanto à data do documento particular, deverá ser aplicado o disposto no inciso IV do artigo 409 do CPC, ou seja, que em relação a terceiros a data do contrato será aquela de sua apresentação em juízo.
“Art. 409 – A data do documento particular, quando a seu respeito surgir dúvida ou impugnação entre os litigantes, provar-se-á por todos os meios de direito.
Parágrafo único – Em relação a terceiros, considerar-se-á datado o documento particular:
I – no dia em que foi registrado;
II – desde a morte de algum dos signatários;
III – a partir da impossibilidade física que sobreveio a qualquer dos signatários;
IV – da sua apresentação em repartição pública ou em juízo;
V – do ato ou do fato que estabeleça, de modo certo, a anterioridade da formação do documento”
Neste sentido:
“Embargos de terceiro – Penhora de bem imóvel – Alegação de aquisição antes da propositura do processo executivo – Assinaturas constantes do contrato de compra e venda sem reconhecimento de firma – Posse anterior não comprovada – Litigância de má-fé Ocorrência – Embargos julgados improcedentes – Apelação desprovida”. (Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AP n. 000415-03.2010.8.26.0076. 17ª Câmara de Direito Privado. Des Rel Luiz Sabbato. Julgado em 02/02/11).
“EMBARGOS DE TERCEIRO – Penhora – Imóvel objeto de compromisso de compra e venda sem reconhecimento da firma dos participantes da relação obrigacional – Registro posterior –
Irrelevante a falta de registro, produzindo, em relação a terceiros, todos os efeitos de direito, a partir da data em que apresentado à repartição pública ou em juízo (CPC, art. 370, IV)
EMBARGOS DE TERCEIRO – Fraude à execução – Caracterização Transferido a terceiro o imóvel após a penhora, considera-se feita em fraude à execução (CPC, art. 593, II), sendo ineficaz a alienação em face do exeqüente, jungindo o bem imóvel à execução como ainda no patrimônio do devedor – Recurso improvido” (TJSP, APELAÇÃO N° 991.09.074544-3, rel. Des. Pedro Ablas, 14.ª Câmara de Direito Privado, Comarca de Serrana, Data do Julgamento: 26/05/2010, Data do Registro: 22/06/2010)
“PROCESSO CIVIL – EMBARGOS DE TERCEIRO – INSTRUMENTO PARTICULAR SEM REGISTRO NEM MÍNIMA PUBLICIDADE – AUSENTE POSSE DA EMBARGANTE AO TEMPO DA CONSTRIÇÃO – IMPROCEDÊNCIA AOS EMBARGOS
(…)
4. Consoante as provas conduzidas ao feito, em tese centralmente a decorrerem do vivo interesse que cada litigante deva ostentar em prol de sua postura na relação material subjacente, do exame dos contratos apresentados, não se extrai qualquer publicidade, por mínimo, a validar a pretensão dos pactuantes. 5. Embora a Súmula 84 do E. STJ admita a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro, a mesma não dispensa a elementar publicidade a este ponto, que se supriria, por exemplo, quando menos, com o reconhecimento de firma em Cartório dos pactuantes, à época da avença realizada, não sendo demonstrado que efetivamente a argüida posse/propriedade se deu consoante os contornos do contrato supra citado. 6. Do contrário, margem imensa se consagraria para a edição de documentos de duvidosa licitude, criados post factum e com propósito agressivo ao próprio ordenamento, ao próprio sistema. (…) 11. Provimento à apelação. Improcedência aos embargos” (TRF 3ª Região, Apelação Cível – 200360000114753 (1227469), Rel. Juiz Silva Neto, Segunda Turma, DJF3 CJ2: 28/05/2009, p. 431).
Na discussão em foco, o documento denominado “instrumento particular de compromisso de compra e venda” desprovido de qualquer nota de publicidade e, por ter eficácia apenas em relação às partes que o assinaram, não pode ser utilizado pelo embargante comprador contra terceiros, como o credor penhorante, para comprovar a posse anterior à execução.
Conclusão
A falta de confiança de que as instituições garantirão o direito vigente gera dúvidas sobre a estabilidade das relações jurídicas e incertezas sobre as consequências dos atos baseados nas normas jurídicas vigentes, ocasionando no âmbito da sociedade à sensação de insegurança jurídica.
Conforme exposto, esse ambiente é pouco favorável ao desenvolvimento da atividade econômica, o que limita a competitividade das empresas, encarece o crédito, provoca a retração de investimentos, enfim, produz efeitos nefastos na economia.
A segurança jurídica, uma quimera, ideal, um norte, um parâmetro, ou na visão de um realista esperançoso, pode ser concebido como um objetivo a ser alcançado, na qual nos perfilamos.
A ideia inerente a sua concepção pode ser entendida como uma estabilidade duradoura/permanente de normas jurídicas certas, estáveis, previsíveis calculáveis e, ao mesmo tempo coercitivas, de modo a incutir na sociedade os deveres de convivência que devem ser observados.
O exercício continuado e eficiente da jurisdição proporcionará um clima generalizado de confiança no Poder judiciário, qual seja de segurança social e insatisfações eliminadas.
Há uma crescente busca pela segurança jurídica. A assinatura eletrônica por meio de infraestrutura de chaves públicas e criptografia, a tecnologia do blockchain, ainda incipiente, evidenciam uma demanda e uma necessidade maior de praticidade, rapidez, segurança, eficácia, publicidade, autenticidade e transparência nas transações imobiliárias, bancárias, e etc.
A confiança é pressuposto de todo e qualquer negócio. É a força motriz da economia porquanto permite a troca de serviços e/ou produtos e benefícios mútuos entre as pessoas. É, de certo modo, um meio indispensável para o surgimento e conclusão de negócios.
Não há mais guarida, portanto, transacionar por meio de contratos de gavetas, ora clandestinos, a margem de registro e de segurança jurídica, pois apenas contribuem para o aumento das demandas judiciais, congestionando o judiciário, acompanhado de efeitos nocivos a economia, como a retração de investimentos, dentre outros.
Compromissos de compra e venda, desta natureza, ou seja, clandestinos, ainda que enraizados nos usos e costumes, são, muitas vezes prejudiciais, até aos seus próprios pactuantes, que não raramente, precisam ingressar na Justiça para fazer valer a posse por meio de adjudicação compulsória, e, também, aos diversos credores de certames judiciais.
Segurança jurídica significa também crescimento sustentável da economia. Os investimentos somente serão duradouros e capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico se houver mecanismo legal de garantia da relação contratual.
A rotina na execução civil revela muitas vezes que esses denominados contratos de gaveta são artimanhas forjadas com o intuito de fraudar a execução dos credores do que negócios idôneos, dotados de boa-fé.
Portanto, não se pode atribuir um valor probatório a um contrato desta natureza sem a menor nota de publicidade, dissociado de outro elemento probatório, de que a compra e venda do bem penhorado precedeu a execução.
Do contrário, margem imensa se consagraria para a edição de documentos de duvidosa licitude, criados post factum e com propósito agressivo ao próprio ordenamento e sistema.
Prestigiar contratos reprisa-se, clandestinos desta espécie, em sede de valoração das provas no processo, esquivo de qualquer publicidade e autenticidade, denota temeridade, má-fé e propósito fraudulento, agressivo e prejudicial ao crédito de terceiro, a economia, e a paz social, ora finalidade de toda tutela jurisdicional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] SILVA, Américo Luís Martins da. Registro público da atividade empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.1.
[2] [4] SILVA, Bruno Mattos e. Compra de Imóveis: Aspectos jurídicos, cautelas devidas e análise de riscos. Ed. Atlas. 5ª edição. Pg.04.
[3] BRASIL. Lei n, 6.015 de 31 de Dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos e dá outras providências, Brasília, DF, dez 1973.
[5] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Contratos em espécie. 3ª edição. Atlas. Pg.527-528.
[6] JUNIOR, Nelson Nery. Código Civil comentado. 2 edição. Editora RT. Página 339
[7] PINHEIRO, Armando Castelar. REVISTA USP. A Justiça e o Custo Brasil. São Paulo, n. 101, P. 141-158, março/abril/maio de 2014.
[8] SANTOS, Moacir Amaral dos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, Saraiva, 23a edição, revista e atualizada por Aricê Moacyr Amaral Santos, 2º vol./409
[9] LISBOA, Roberto Senise. Comentários ao Código Civil – Artigo por Artigo. 2.ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009. P. 463.
Alexandre Assaf Filho - Advogado e Consultor. Pós-Graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP (Lato Sensu). Atua nas áreas de Direito Empresarial, Societário, Direito Bancário e Recuperação Judicial. Autor de diversos trabalhos científicos publicados na área.
Fonte: MEGAJURÍDICO
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