O desenvolvimento de novas tecnologias está gerando uma revolução na locação para temporada e tem impacto direto na vida dos condomínios residenciais. Hoje, locatários entram e saem dos imóveis com a rapidez da internet. Contratos são fechados em um clique, para preocupação de síndicos e condôminos que apontam uma vulnerabilidade muito grande na segurança dos edifícios. Há, pois, um conflito entre o direito de propriedade de quem explora a locação de seu imóvel e o direito à segurança dos demais condôminos.
O desenvolvimento das tecnologias criou uma nova forma de locação híbrida que possui componentes da locação para temporada, prevista no artigo 48, da Lei 8.245/91, e da locação para apart-hotéis e flats, regulada pelo Código Civil, com o agravante de que essa nova modalidade de locação se desenvolve normalmente em condomínios estritamente residenciais.
A “locação instantânea”, como denominamos essa nova modalidade de locação, se aperfeiçoa pela intermediação de uma plataforma digital que disponibiliza imóveis para locação, conforme as características procuradas pelo usuário, e promove a intermediação, aproximando locador e locatário e viabilizando na própria plataforma a conclusão do contrato. Não há, na locação instantânea, a pessoalidade entre locador e locatário, uma pesquisa sobre os antecedentes do potencial locatário, um contrato escrito ou garantidores. É um modelo de negócios totalmente diferente da locação convencional.
Esse tipo de locação extremamente simples e prático, que permite grande rotatividade de locatários, é utilizado em diversos países, como Estados Unidos, França e Inglaterra. As regras variam de um país para outro, mas o traço comum é a ausência de uma regulação específica para essa nova modalidade de locação.
Em Nova York, por exemplo, a lei veda a locação de imóveis para períodos inferiores a 30 dias, impondo uma multa, que varia de US$ 1.000 a US$ 7.500, a quem não respeitar essa norma.
Na França e na Inglaterra não há uma regulamentação específica ou geral para locações instantâneas e que, por via transversa, acabe por atingir e regular essa nova modalidade.
No Brasil, a locação instantânea é regida pela Lei 8.245/91 e pode ser caracterizada como uma locação para temporada, ainda que tenha, a depender da rotatividade e do tempo de cada locação, alguns componentes da locação de apart-hotéis e flats. E é justamente essa alta rotatividade das locações instantâneas que tem provocado um desvirtuamento do direito de propriedade nos condomínios residenciais.
De fato, é cada vez mais comum que proprietários passem a explorar seus imóveis por meio dessas plataformas que viabilizam a locação instantânea, tal como uma atividade comercial. Os imóveis são alugados por períodos de um ou dois dias, e os locatários são substituídos com a agilidade do mundo digital.
Esse cenário é muito interessante para o proprietário, que consegue incrementar as receitas advindas da locação de seu imóvel, mas causa um desgaste nas relações entre os condôminos do mesmo edifício. As relações de vizinhança — a alma de um condomínio — passam a ser comprometidas, pois há sempre um novo vizinho.
A segurança, um dos valores mais preservados nos grandes centros urbanos, passa a ser afetada pela alta rotatividade dos imóveis comercializados por meio da locação instantânea. O controle das portarias e das garagens fica vulnerável, e a utilização de áreas comuns por pessoas estranhas aos demais condôminos causa desconforto e preocupação a todos os que habitam o condomínio.
Há, nessa hipótese, um evidente conflito entre o direito de propriedade daqueles que alugam seu imóvel e o direito à segurança daqueles que habitam os condomínios residenciais.
Com efeito, muito embora o proprietário tenha o direito de usar, gozar, fruir e dispor de seu imóvel como bem entender, “o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização da propriedade vizinha”, tal como estabelece o artigo 1.277 do Código Civil.
A esse respeito, pudemos expor em Direito ao Sossego[1] que: “Os artigos 1.277 e seguintes do Código Civil, muito embora estejam elencados como restrições ao uso da propriedade, no campo dos direitos reais, tutelam direitos de personalidade, como a saúde, o sossego e a segurança. Ademais, verificamos que os conflitos entre o direito ao sossego, enquanto direito de personalidade, e direitos de outras espécies, como o direito de propriedade, devem ser resolvidos sobrepondo o direito de personalidade nos casos de uso nocivo da propriedade”.
É exatamente o que ocorre no conflito entre o direito à segurança e o direito de propriedade. Temos, de um lado, o uso nocivo da propriedade por aquele condômino que passa a promover a locação instantânea de alta rotatividade e, de outro lado, a fragilização da segurança dos condomínios residenciais pelo ingresso de pessoas estranhas no condomínio.
O ponto nodal da questão é estabelecer com precisão e razoabilidade a hipótese em que o uso da propriedade se torna nocivo ou abusivo. A rigor, todos os proprietários podem alugar seus imóveis diretamente ou por intermédio de plataformas digitais. Não há nada de errado nisso. O excesso se verifica, a nosso ver, quando a rotatividade dos inquilinos se torna diária ou a troca intermitente de inquilinos ocorre em intervalos de poucos dias. Nesse cenário de alta rotatividade, a locação residencial do imóvel é desvirtuada e passa a se assemelhar à hospedagem de apart-hotéis e flats.
É essa alta rotatividade que caracteriza o abuso do proprietário do imóvel residencial e que interfere no direito à segurança dos demais condôminos.
Para compor esse conflito entre o direito de propriedade e o direito à segurança dos condôminos, uma alternativa que parece bastante razoável é levar a questão à coletividade de condôminos, para que, em assembleia, definam regras e critérios que possam acomodar essa delicada situação.
Na ausência de regulamentação, caberá à própria coletividade dos condomínios encontrar uma forma que permita a convivência entre o direito de locar imóveis e o direito à segurança. Nessas situações, devem ter os condôminos em mente que a virtude da solução está na menor interferência possível. O menos é mais quando se trata de composição de direitos. É necessário encontrar o mínimo denominador comum para permitir o desenvolvimento da atividade de locação, com a manutenção da segurança do condomínio.
Nesse contexto, seria perfeitamente adequado que o regulamento interno ou a convenção do condomínio estabelecesse condições para que o novo locatário pudesse ingressar no condomínio, dentre as quais, destacamos: (i) arquivamento do contrato de locação na administração do condomínio, ainda que pela impressão das telas que comprovam a transação na plataforma digital; (ii) o cadastramento do novo inquilino na administração do condomínio, com o arquivamento de cópias de seus documentos pessoais; (iii) a apresentação ao inquilino da convenção e regulamento do condomínio e obtenção de compromisso escrito de que o novo inquilino está ciente e cumprirá tais regras etc.
Essas exigências podem dificultar um pouco o exercício da locação de alta rotatividade, mas, certamente, devolverão ao condomínio as condições mínimas de segurança que se espera em um ambiente residencial, sem impor um ônus excessivo aos proprietários dos imóveis.
[1] Revista Brasileira da Advocacia, AASP, Ed. Revista dos Tribunais, Ano 2, vol. 5, pág. 87.
Flávio Pereira Lima - Sócio do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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