segunda-feira, 6 de novembro de 2017

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - A SALVAÇÃO DA GARANTIA REAL DE IMÓVEIS, LEI Nº 9.515/1997


1 Da Crise nos Direitos de Garantia

Sabe-se que houve algumas modificações através da Lei 13.465/2017, na Lei de Alienação Fiduciária nº 9.515/1997 que dispõe sobre Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências, ocasião que haverá atenção somente no que diz respeito a negócios jurídicos ligados aos bens imóveis, dispostos nos artigos 22 ao 33 desta lei. Pois, garantia de bens móveis através de alienação fiduciária está a luz do Decreto nº 911 de 1969, trata-se de outro texto normativo.

Analisa-se os efeitos dos direitos de garantia, sobretudo a eficácia no decorrer do tempo dos institutos denominados no Código Civil Brasileiro de garantias reais. Observa-se que o direito real de hipoteca, é usado a muito tempo pelas instituições financeiras, nas relações de concessão de crédito para aquisição de bens imóveis. Salienta-se que nessa relação jurídica, o agente financeiro e a parte interessada no crédito, estabelecem uma relação de confiança e na expectativa. Ambas as partes dependem destes dois elementos. Via de regra, ao disponibilizar o crédito o agente financeiro vincula o imóvel, sendo este uma garantia de que irá receber o valor disponibilizado. Assim o banco torna-se credor, enquanto o interessado é o devedor.

A professora Maria Helena Diniz, conceitua a hipoteca como:

[...] direito real de garantia de natureza civil, que grava coisa imóvel ou bem que a lei entende por hipotecável, pertencente ao devedor ou a terceiro, sem transmissão de posse ao credor, conferindo a este o direito de promover a sua venda judicial, pagando-se, preferentemente, se inadimplente o devedor. É, portanto, um direito sobre o valor da coisa onerada e não sobre sua substância 1.

Deste modo, estudar a Alienação Fiduciária imobiliária sem entender o instituto da hipoteca e sua história recente no Brasil não faz sentido. Antes, permita-me falar um pouco, sobre a hipoteca no dia a dia dos nortes americanos. Nos Estados Unidos da América, tem-se notícia que, devido a baixa taxa de juros - o vinculo de confiança e expectativa nas operações de concessões de créditos são maiores - é comum que as pessoas hipotequem suas casas por toda a vida. Observa-se que não há um anseio em obter a propriedade plena do bem imóvel. Quando um cidadão aumenta seu capital monetário, logo busca outro bem, consequentemente uma "maior hipoteca". O interessante é que lá, quando falam de seu imóvel dizem: "esta é minha hipoteca", ou "moro nesta hipoteca".

Trata-se de uma realidade totalmente diversa com a do Brasil. Aqui, mesmo havendo uma proteção fundamental da propriedade, e sobretudo o direito a moradia, o Estado não consegue fazer valer tais direitos fundamentais dispostos em nossa Lei Constitucional. Precisa-se lutar para obter a propriedade de tudo, vendo que não há segurança na concessão destes direitos. Nesse sentido, nas relações de crédito imobiliário no Brasil os bancos disponibilizavam valores para aquisição dos imóveis, mas devido as instabilidades econômicas marcadas em nossa história, os devedores não cumpriam com as obrigações tornando-se inadimplentes.

Indaga-se, o banco possuí a garantia, qual o prejuízo disso? Livre de qualquer sentimento de proteção aos bancos - ocasião que sei o quanto são perversos e insaciáveis - mas reter a garantia através da hipoteca no Brasil foi e ainda é muito difícil. Há casos processuais que duram décadas, e a consequência é a perda de muito dinheiro. Isso quando não houver a dissolução dos bens antes da execução, como é de praxe dos devedores que têm ciência da provável derrota. Portanto, podemos dizer que na prática a hipoteca é uma garantia que não garante, sobretudo por ser um direito real que não é absoluto, pois em caráter de exceção nos casos de débitos trabalhistas ou fiscais estes possuem preferencia frente aos credores hipotecários. Assim em 1997 entrou em vigor a Lei de Alienação Fiduciária sob nº 9.515/1997, a meu ver uma lei encomendada pelas instituições financeiras.

2 Da Natureza Jurídica

O instrumento particular com força de escritura pública, seja ele de compra e venda ou de confissão de dívida, baseado na Lei de Alienação Fiduciária possuí a natureza jurídica de um contrato típico, bilateral, oneroso, acessório, indivisível e formal. Nesta linha, observa-se que tal instrumento não possuí por si só um efeito perante terceiro de garantia real.

Diferente da hipoteca, a garantia fiduciária torna-se real somente após o devido registro na matrícula do imóvel. Portanto, pode-se afirmar que o contrato de alienação fiduciária não é uma garantia real, ele torna-se garantia real após o devido registro na matrícula. Alguns especialistas dizem que neste contrato é atribuído um negócio jurídico fiduciário em um primeiro momento, e no segundo momento torna-se título de garantia real após o devido registro.

Quando um valor de crédito é disponibilizado, ocasião em que um bem é dado em garantia real, no caso alienação fiduciária, há naturalmente o desmembramento da posse. No sentido de que, o devedor permanece com os elementos de uso e fruição do bem - posse direita, enquanto o credor fica com os outros dois elementos de dispor e reaver - posse indireta.

Estes dois elementos disponíveis ao credor chamamos de nua-propriedade ou propriedade resolúvel. Propriedade resolúvel pelo fato de haver uma condição resolutiva no contrato, seja ela o não cumprimento das condições estabelecidas o bem será tomado e vendido em leilão judicial ou extrajudicial para sanar o saldo devedor da possível dívida não paga. 

Segue decisão referente a vinculação da Alienação Fiduciária ao bem e objeto:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE GARANTIA FIDUCIÁRIA SOBRE BEM IMÓVEL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. DESVIO DE FINALIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. COISA IMÓVEL. OBRIGAÇÕES EM GERAL. 1. Cinge-se a controvérsia a saber se é possível a constituição de alienação fiduciária de bem imóvel para garantia de operação de crédito não relacionadas com o Sistema Financeiro Imobiliário, ou seja, desprovida da finalidade de aquisição, construção ou reforma do imóvel oferecido em garantia. 2. A lei não exige que o contrato de alienação fiduciária de imóvel se vincule ao financiamento do próprio bem, de modo que é legítima a sua formalização como garantia de toda e qualquer obrigação pecuniária. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1630139/MT, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2017, DJe 18/05/2017).

3 Do Patrimônio de Afetação

Na relação jurídica em que há garantia real através da Alienação Fiduciária, é fundamental identificar os sujeitos da relação. O credor denomina-se fiduciário, todavia o tomador do crédito, conhecido como devedor, é denominado de fiduciante. A importância de explicar este item "patrimônio de afetação" advém da necessidade de conceituar os efeitos elementares da propriedade (usar, gozar ou usufruir, dispor e reaver) no que diz respeito a posse direta (usar e gozar ou usufruir) e a posse indireta (dispor e reaver) do bem imóvel - nua-propriedade.

No artigo "A Segura e Complexa Transmissão de Bens Imóveis", descrevi de forma objetiva os efeitos e característica da posse e propriedade a saber:

[...] Existe uma distinção entre a posse, conhecida como o exercício de fato do bem, com a propriedade o domínio, interpretado como o poder de fato sobre a coisa. Esta é composta por quatro elementos, são os direitos de: a) usar; b) usufruir ou gozar; c) dispor e; e) reaver, denominada de posse plena. Enquanto aquela tem como composição dois direitos sendo: a) usar; b) usufruir ou gozar, chamada de posse direta.
O possuidor que obtém do exercício de fato do bem imóvel, exercita o ato de usar e usufruir da coisa. Por exemplo, o locatário pode tirar proveito da casa locada, ou seja, morar, agir como se dono fosse, nesse contexto ele tem a chamada posse direita da coisa, enquanto o locador é detentor da posse indireta, tendo assim o direito de reaver e dispor do bem.
Todavia, o proprietário tem todos os elementos já citados, observando-se o direito de dispor que significa: alienar/vender, emprestar, doar, dar em garantia real etc. Em uma relação jurídica de venda e compra obviamente que somente o detentor do domínio – proprietário - pode alienar/vender a coisa, mas ocorre que a propriedade de bens imóveis somente existe quando houver registro no assentamento público, sendo o Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição do bem[...] 2.

Diante disto, a Alienação Fiduciária como instrumento de garantia real, consiste em uma relação jurídica entre o devedor que disponibiliza seu bem após a tomada de um crédito, para um credor que terá a condição de propriedade resolúvel (ou posse indireta) como a garantia de pagamento da dívida vinculada a negociação. O devedor, portanto, terá o direito de usar e usufruir do bem obtendo a posse direita do mesmo, enquanto, o credor tem a propriedade resolúvel ou nua-propriedade, sendo assim os elementos da propriedade de dispor ou reaver o bem caso aquele torne inadimplente.

A ilustre professora Doutora Maria Helena Diniz dispõe de um exemplo ao qual gosto muito conforme a seguir:

A pretende comprar X, mas, como não possui dinheiro disponível, B (financeira) fornece-lhe o quantum necessário, mas recebe a propriedade fiduciária de X, como garantia de que é, portanto, proprietário e possuidor indireto. [...] Trata-se, portanto, de uma negociação jurídica uno, embora composto de duas relações jurídicas: uma obrigacional, que se expressa no débito contraído, e outra real, representada pela garantia que é um ato de alienação temporária[...] 3.

Nesse sentido, é uma negociação pautada em uma condição resolutiva, de modo que o devedor disponibiliza seu bem temporariamente até que a dívida seja sanada. Observa-se que o objetivo do credor não é ter a propriedade plena do bem, mas sim apenas a garantia de que irá receber o valor concedido ao devedor. Portanto, aplicam-se as normas relativas à propriedade resolúvel dispostas nos artigos 1.359 e 1.360 do Código Civil Brasileiro. Nesse sentido, o bem dado em garantia fiduciária a favor de um credor não faz parte de seu ativo permanente.

4 Do Adimplemento e Inadimplemento

O devedor que efetivar todos os pagamentos sempre na data indicada e acordada entre as partes, é sem dúvidas um bom pagador, aderindo a nomenclatura de adimplente. Este quitando a dívida, a credora possui um prazo de até 30 dias para liberação do bem dado em garantia, havendo portanto, um cancelamento da alienação fiduciária.

Todavia, o devedor que está em atraso é o inadimplente. Este não cumprindo com suas obrigações, acarreta alguns efeitos negativos. Havendo a constituição do devedor em mora, haverá um procedimento para tomada da garantia real para que seja levado para leilão conforme define a Lei de Alienação Fiduciária nº 9.515/1997. Haverá em sequencia os procedimentos para tomada do bem.

O uso da Alienação Fiduciária como garantia real é justamente evitar o prejuízo oriundo daquele devedor inadimplente. Como já dito, não é intenção do credor tomar o bem para si, resta apenas a tomada do bem para sanar a dívida ou parte dela. Frente a isto há alguns procedimentos definidos.

Havendo inadimplemento do devedor, a credora intimará para que faça o pagamento em um prazo hábil descrito no instrumento particular que originou a obrigação. O devedor será intimado pessoalmente, por carta AR ou por meio eletrônico quando tiver, este último é uma novidade.

Na hipótese do devedor que deixar de purgar a mora no prazo assinado da intimação, o Oficial do Registro Imóveis certificará este fato e promoverá o registro, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome da credora, no prazo de 30 (trinta) dias após a expiração do prazo para purgação da mora de que trata o § 1º, do art. 26, da Lei nº 9.514/97.

Uma questão importante, fica assegurado ao devedor pagar as parcelas da dívida vencidas e as despesas previstas no inciso II, do art. 27, da Lei nº 9.514/97 até a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária em nome da credora.

5 Dos Leilões

Uma vez consolidada a propriedade em nome da credora, em virtude da mora não purgada e transformada em inadimplemento absoluto, deverá o imóvel ser alienado pela credora a um terceiro, com observância dos procedimentos previstos na Lei nº 9.514/97 e legislação posterior. Observa-se que haverá dois leilões obrigatoriamente conforme dispõe a lei.

O primeiro leilão público será realizado dentro de 30 (trinta) dias, contados da data do registro da consolidação da plena propriedade em nome da credora, devendo ser ofertado pelo valor para esse fim estabelecido no instrumento particular com força de escritura assinado na época da negociação, atualizando-se o valor do mesmo pelo INCC, ou mediante nova avaliação a ser feita pelo próprio credor quando necessário.

Mas, se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, será realizado o segundo leilão nos 15 (quinze) dias seguintes. No segundo leilão público será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos e das contribuições condominiais.

Cabe ressaltar que, o devedor tem o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2º, do art. 27 da Lei nº 9.514/97, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio da credora. Além das despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata o § 2º-B, do art. 27, da Lei nº 9.514/97, inclusive custas e emolumentos.

Nos 5 (cinco) dias que se seguirem à venda do imóvel em leilão, a credora entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, se estas forem expressamente autorizadas pela credora, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do artigo 516 do Código Civil.

Entretanto, se, no segundo leilão, o maior lance não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, do art. 27, da Lei nº 9.514/97, ficará a credora exonerada da obrigação prevista no § 4º, do mesmo artigo da Lei nº 9.514/97. O credor, já como titular do domínio do imóvel transmitirá o domínio e a posse, indireta ou direta do imóvel ao licitante vencedor. Este, portanto, é o fluxograma geral do instituto da Alienação Fiduciária que veio para ficar em nosso sistema financeiro devido sua eficaz aplicabilidade.

REFERÊNCIAS

1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 4 direito das coisas. ed. 24. São Paulo. Ano 2009. p. 554.

2 CASTRO, Dione Silva de. "A segura e complexa transmissão de bens imóveis". Disponível em: 
<https://dionecastro.jusbrasil.com.br/artigos/321446000/a-seguraecomplexa-transmissao-de-bens-imove.... acesso em 14/10/2017.

3 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 4 direito das coisas. ed. 24. São Paulo. Ano 2009. p. 602 e 603.

Dione Silva de Castro - Analista de crédito imobiliário
Fonte: Blog O Direito e a Sociedade

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