sexta-feira, 16 de agosto de 2019

POSSO ALUGAR MEU IMÓVEL SEM APROVAÇÃO DO CO-PROPRIETÁRIO?


Dúvida de ordem prática que de forma recorrente surge no dia a dia é sobre a possibilidade de locação de imóvel, seja ele residencial ou não, por um dos co-proprietários sem que os demais participem ou concordem.

Desta forma, no presente artigo serão abordadas questões relativas ao exercício do direito de propriedade por um dos proprietários do imóvel, quando existe co-propriedade. Ou seja, quando mais de uma pessoa é proprietária de um imóvel.

Para efeitos didáticos, as questões serão a seguir abordadas em tópicos.

I - O PROPRIETÁRIO PODE ALUGAR O IMÓVEL A TERCEIROS SEM ANUÊNCIA DOS DEMAIS CO-PROPRIETÁRIOS?

Suponha que duas pessoas sejam proprietárias de um apartamento, cada qual com 50%. Suponha, ainda, que um dos proprietários pretenda alugar o imóvel a terceiros, visando obter renda. O outro proprietário, a seu turno, se recusa expressamente a colocar o imóvel a locação. Poderia este imóvel ser alugado a terceiros, ainda que um dos co-proprietários se recuse?

Quanto a este questionamento, é importante salientar o que dispõe o art. 1.314, parágrafo único do Código Civil, veja-se:

Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.

Veja que, conforme o dispositivo acima, o co-proprietário não pode, sem o consentimento dos demais:

a) alterar a destinação da coisa comum;

b) dar posse, uso ou gozo a estranhos.

Desta forma, a não ser que haja o consentimento de todos os proprietários, não pode um deles fazer qualquer tipo de obra no imóvel ou alterar a destinação do imóvel. Não pode também dar posse, uso ou gozo a estranhos. Aqui se encaixa a locação de imóvel a terceiros.

II - E SE O IMÓVEL FICAR DESOCUPADO?

Suponha-se, agora, que em virtude da discordância de um dos co-proprietários, o imóvel fique vazio. É natural que todas as despesas sobre o imóvel (iptu, condomínio, etc) deverão ser custeadas por todos os co-proprietários, na proporção da fração de cada um.

Na prática pode ser que um dos proprietários se recuse a pagar essas despesas. Como deve agir o outro proprietário?

Tendo em vista que os débitos de IPTU e de Condomínio são obrigações propter rem  [clique aqui e saiba o que é obrigação propter rem] , é imperativo que o co-proprietário que não quer se ver prejudicado pague a totalidade dessas despesas e cobre dos demais.

Isto porque o próprio imóvel pode responder pelas dívidas de condomínio e IPTU. O que quer dizer que o imóvel pode ir a leilão para quitar essas despesas. Portanto, é sensato que um dos co-proprietários quite essas prestações.

III - LOCAÇÃO CELEBRADA POR UM PROPRIETÁRIO SEM O CONSENTIMENTO DOS DEMAIS

Ultrapassada a questão acima, imagine-se que mesmo com a proibição da lei o imóvel foi alugado a terceiros sem que um dos co-proprietários concordasse. Neste caso, o que é possível fazer?

a) PRESTAÇÃO DE CONTAS

A primeira situação que pode ser pensada pelo proprietário preterido é a cobrança de sua parte na locação firmada. Ou seja, se o co-proprietário discordante com a locação possui 50% do imóvel, ele pode cobrar metade do valor do aluguel do co-proprietário que está administrando o bem.

Sugere-se que o co-proprietário que recebeu o montante a título de aluguel seja notificado extrajudicialmente pelo proprietário preterido, visando receber todo o montante relativo a sua fração.

Caso não seja possível a solução extrajudicial, pode-se pensar na propositura de uma ação de Prestação de Contas em face do co-proprietário.

b) O DESFAZIMENTO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO

Outra questão que tem chegado ao poder judiciário é acerca da possibilidade de o proprietário preterido desfazer o contrato de locação, tendo em vista que não houve sua concordância no negócio.

Este ponto merece uma análise mais cautelosa, tendo em vista que existem decisões em ambos os sentidos. Como exemplo, veja-se que em dois momentos distintos, em casos semelhantes, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu de maneira controversa.

Na decisão seguinte o tribunal autorizou o desfazimento do contrato de locação, tendo em vista que um dos co-proprietários não anuiu com o negócio, veja:

Apelação – Ação anulatória cumulada com pedido de reintegração de posse – Co-proprietário da parte ideal de 25% do imóvel, que o aluga a terceiro sem anuência dos demais – Procedência da ação – Recurso dos réus - Correta aplicação do art. 1.314, parágrafo único do CC - Não provimento, sendo que a morte do autor não modifica a essência do julgado, sendo que eventual confusão deverá ser resolvida em fase de cumprimento de sentença. Não provimento.

(TJ-SP - APL: 10073927620158260477 SP 1007392-76.2015.8.26.0477, Relator: Enio Zuliani, Data de Julgamento: 09/10/2018, 30ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Data de Publicação: 10/10/2018)

Lado outro, por vezes o mesmo tribunal entendeu que, em que pese a existência do art. 1.314, parágrafo único do Código Civil, se o terceiro-locatário celebrou a locação de boa-fé com os demais co-proprietários, a locação deve prevalecer. A seguir:

Ação de reintegração de posse – Alegação de esbulho possessório praticado pela ré – Inocorrência – Requerida ingressou no imóvel na qualidade de locatária das demais condôminas do imóvel (irmãs do autor) – Em que pese a norma proibitiva contida no art. 1.314, parágrafo único do Código Civil (pela qual é vedado ao condômino dar a posse, uso ou gozo da coisa a estranhos, sem o consentimento do outro), sua inobservância, na hipótese, não invalida o contrato de locação firmado pelas demais condôminas com a requerida, mormente diante da boa fé desta– Posse injusta e esbulho praticado pela requerida não comprovados na hipótese – Adoção dos fundamentos da sentença pelo Tribunal – Incidência do art. 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Recurso negado.*

(TJ-SP - APL: 10105225720148260009 SP 1010522-57.2014.8.26.0009, Relator: Francisco Giaquinto, Data de Julgamento: 03/03/2017, 13ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/03/2017)

Portanto, tendo em vista decisões tão dissonantes, não se pode concluir pela certeza na possibilidade de desfazimento do contrato de locação pelo co-proprietário inconformado.

Mas certamente este proprietário deverá receber sua parte na locação, conforme seu percentual como proprietário do imóvel.

IV - COMO FICAR LIVRE DO IMÓVEL RECEBENDO SUA PARTE?

Se a situação entre os co-proprietários ficar crítica, sem que todos entrem em consenso sobre a administração do imóvel e o repasse da renda com ele obtida, existe uma forma judicial de extinguir o condomínio e vender o imóvel. Trata-se da ação de dissolução de condomínio com a venda do bem em hasta pública. Observe o art. 1.322 do Código Civil:

Art. 1.322. Quando a coisa for indivisível, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, preferindo-se, na venda, em condições iguais de oferta, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver na coisa benfeitorias mais valiosas, e, não as havendo, o de quinhão maior.

Observe que para que seja vendido o bem em hasta pública é preciso que:
- o imóvel seja indivisível;
- exista vontade de extinguir o condomínio;
- inexista interesse de compra por um dos co-proprietários.

Assim, se o imóvel não puder ser dividido (como um apartamento, por exemplo), se ambos dos co-proprietários não tiverem interesse em manter o condomínio e partilhar as despesas e a renda com o imóvel obtidos e se a situação ficar crítica entre eles, é cabível esta ação judicial.

Mas note que esta ação também pode ser consensual, ou seja, pode ser que ambos os co-proprietários, ou todos eles, tenham interesse na extinção de condomínio e na venda do imóvel.

Fellipe Duarte - Especialista em Direito Imobiliário.
Fonte: Blog do Autor

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