Introdução
O Direito imobiliário é um ramo muito específico do direito privado, no entanto, é extremamente extenso e complexo, exigindo do profissional que atua nesta área grande conhecimento da legislação em vigor e constante atualização.
Para se ter uma ideia, o direito imobiliário busca regular uma série de relações particulares, como a posse, as mais variadas formas de aquisição ou perda da propriedade, as relações de condomínio vertical e horizontal, compra e venda, trocas, doações, cessões de direitos imobiliários, financiamentos para aquisição da casa própria, as complexas incorporações imobiliárias, os contratos de locação e mais uma infinidade de outras relações privadas que estejam ligadas à bens imóveis.
Como se pode notar, é inviável analisar detalhadamente todos os aspectos do direito imobiliário em razão da extensão do tema.
Por isso, neste trabalho será feita apenas a análise de alguns pontos sobre os contratos de locação regidos pela Lei 8.245/91 que são frequentemente enfrentados pelo Superior Tribunal de Justiça.
A análise é bastante objetiva, e será feita com base na jurisprudência do STJ e na legislação aplicável ao tema. Não serão abordadas teses doutrinárias, pois deixaria o trabalho muito extenso e o objetivo de informar e esclarecer aqueles que se interessam pelo ramo não seria alcançado.
7 Pontos importantes que você precisa conhecer sobre Direito Imobiliário.
1 - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos de locação regidos pela Lei n. 8.245/91?
De fato, é pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que os contratos de locação de imóveis não se submetem às regras previstas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), principalmente pelo fato de que se trata de microssistemas jurídicos diferentes no âmbito do direito privado.
O STJ possui este entendimento há alguns anos, como podemos extrair do informativo jurisprudencial nº 146 editado em 2002, fundamentado em vários precedentes anteriores da Corte: “Nos contratos de locação não se aplicam as normas do Código de Defesa do Consumidor por faltar-lhes as características que delineiam as relações de consumo”.
Atualmente, o Tribunal mantém o entendimento no sentido de que a relação locatícia não possui traços da relação consumerista, pois, além de ser regida por lei própria, nenhuma das partes contratantes, locador e locatário, se enquadram no conceito de consumidor e fornecedor previsto nos artigos 2º e 3º do CDC (AgRg no AREsp 101.712/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 06/11/2015).
2 - Havendo mais de um locatário, é válida a fiança prestada por um deles em relação aos demais ou isso invalida o contrato de locação?
Como sabemos, a fiança é um contrato acessório muito utilizado no âmbito das negociações privadas e que possui muitas características importantes. Para que exista o contrato de fiança é necessária a existência de um credor, de um devedor (afiançado) e de um fiador, que será o responsável pela dívida em caso de inadimplemento.
Feita esta breve definição, podemos dizer que, sim, havendo mais de um locatário, é válida a fiança prestada por um deles em relação aos demais, nesta hipótese, trata-se da chamada fiança recíproca, que não invalida o contrato de locação e é aceita pela jurisprudência do STJ (REsp 911.993/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 13/12/2010) .
Além de diversas decisões neste sentido, o STJ editou o informativo jurisprudencial nº 445 em 2010, reiterando o entendimento de que é válida a fiança prestada pelo próprio locatário quando há mais de um previsto no contrato, hipótese em que se configura fiança recíproca, tendo em vista que um locatário é considerado fiador dos outros e vice-versa, situação que não compromete a validade do contrato.
3 - É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação?
Este ponto encontra divergência na doutrina, mas a jurisprudência é bastante sólida no sentido de que o bem de família do fiador de contrato de locação pode ser penhorado para quitar o débito em caso de inadimplemento do devedor principal.
Os julgados são fundamentados no artigo 3º, inciso VII da Lei 8.009/90, o qual dispõe expressamente que a impenhorabilidade do bem de família é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de qualquer outra natureza, mas pode ser penhorado se a obrigação se tratar de fiança concedida em contrato de locação.
Vale lembrar que o artigo referido linhas acima, teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal em 2006. Na ocasião, a maioria do plenário do STF rejeitou o Recurso Extraordinário nº 407688, no qual a questão era discutida, entendendo que o artigo não viola o artigo 6º da Constituição Federal de 1988.
Além do dispositivo legal citado acima, recentemente o STJ editou a Súmula 549 e o informativo jurisprudencial nº 552, os quais também são claros ao estabelecer que é válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.
4 - O fiador que não integrou a relação processual na ação de despejo pode responder pela execução do julgado?
Ponto importantíssimo que também se encontra consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Sobre o tema, o STJ editou a súmula 268 e o informativo jurisprudencial nº 30 em 1999, oportunidade em que reiterou a necessidade do fiador integrar o processo de conhecimento para que a execução também possa ser movida contra ele.
Em outras palavras, isso quer dizer que se o fiador não for inserido no polo passivo de eventual ação de despejo, ele não irá responder pela execução da sentença, vez que tal hipótese acarretaria grave violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, e violaria ainda o artigo 506 do Código de Processo Civil, o qual dispõe expressamente que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não podendo prejudicar terceiros.
5 - Na vigência da Lei n. 8.245/91, havendo mais de um locador ou locatário, presume-se a existência de solidariedade entre eles? Pode ser inserida cláusula no contrato afastando a solidariedade?
A Lei nº 8.245, de 18 de Outubro de 1991, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes, é clara neste sentido e não deixa dúvidas quanto à solidariedade existente nos contratos de locação em que exista mais de um locador ou mais de um locatário.
Vejamos o artigo 2º do referido diploma legal: “Artigo 2º: Havendo mais de um locador ou mais de um locatário, entende - se que são solidários se o contrário não se estipulou”.
A jurisprudência do STJ é firme e de acordo com o texto legal, como podemos extrair da análise de vários julgados proferidos nos últimos anos, AgRg no AREsp 051655/RJ, REsp 785133/SP, REsp 488075/RJ e REsp 261359/SP.
O Tribunal já decidiu em diversas oportunidades que, a menos que seja estipulado de maneira diferente no contrato, se existir mais de um locador ou mais locatário a solidariedade pelas obrigações decorrentes da relação contratual é presumida entre eles, nos termos do artigo 2º da Lei 8.245/91.
6 - Nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção ou esta cláusula é nula?
Antes de responder à pergunta é importante destacar que de acordo com o artigo 96 da Lei 10.406/02 (Código Civil Brasileiro), as benfeitorias podem ser classificadas em voluptuárias, úteis e necessárias.
O próprio artigo traz o conceito de cada uma delas: Benfeitorias voluptuárias são aquelas que tornam o imóvel mais confortável ou luxuoso, que não aumentam o uso habitual do bem ainda que o torne mais agradável ou sejam de elevado valor.
As benfeitorias úteis são todas aquelas que aumentam ou facilitam o uso do bem e, por fim, as benfeitorias necessárias são aquelas que têm por finalidade conservar o bem ou evitar que ele se deteriore.
Feita esta breve conceituação, destacamos que nos termos dos artigos 35 da Lei de Locações (Lei 8.245/91), se não houver previsão contratual em sentido diverso, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção.
Já o artigo 36 da mesma lei dispõe que as benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, ao final da locação, desde que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel.
Como podemos ver, a legislação é clara e não deixa dúvidas ao prever o direito à indenização e de retenção pelas benfeitorias realizadas no imóvel, todavia, o mesmo artigo estabelece que as partes podem negociar livremente e estabelecer cláusula contratual de renúncia à tais direitos.
O STJ possui vários julgados nesse sentido e editou Súmula 335, a qual dispõe expressamente que nos contratos de locação, é válida a cláusula de renúncia à indenização das benfeitorias e ao direito de retenção.
Portando a cláusula de renúncia à indenização e ao direito de retenção das benfeitorias é válida, não havendo que se falar nulidade caso esteja prevista no contrato celebrado, tendo em vista que tanto a lei como a jurisprudência tenta preservar o princípio da autonomia da vontade das partes, tão importante no direito privado.
7 - O contrato de locação com cláusula de vigência que não foi averbado junto ao registro de imóveis pode ser denunciado pelo adquirente do bem mesmo ele tendo ciência inequívoca da locação antes da aquisição?
De acordo com o entendimento do STJ a resposta é não, o adquirente não poderá denunciar o contrato neste caso, e deverá respeitá-lo.
Para facilitar o entendimento, inicialmente é importante ressaltar alguns pontos referentes à alienação do imóvel locado na vigência de contrato de locação, em especial, o direito de preferência do locatário, que é o detentor da posse direta do bem locado.
É bastante comum, principalmente nas relações que envolvem contratos de locação de imóveis residenciais, que o proprietário (locador) manifeste seu desejo de alienar (vender) o imóvel locado na vigência do contrato de locação, ocasião em que nasce para o locatário o chamado direito de preferência para adquirir o bem em igualdade de condições com eventuais terceiros interessados, como dispõe o artigo 27 da Lei 8.245/91:
Artigo 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar - lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.
Parágrafo único. A comunicação deverá conter todas as condições do negócio e, em especial, o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente.
É importante destacar ainda, que de acordo com os artigos 28 e 29 da lei de Locações, cabe ao locatário exercer seu direito de preferência de forma clara, integral e inequívoca no prazo de 30 (trinta dias) contados do recebimento notificação. Nesta hipótese, se o locador desistir da venda após a manifestação do locatário em exercer seu direito de compra nos termos da oferta, o locador poderá responder por eventuais danos morais, materiais e lucros cessantes eventualmente causados ao locatário.
E importante destacar o artigo 8º da Lei 8.245/91:
Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.
Como visto, o artigo 8º da Lei 8.245 determina expressamente as hipóteses em que o adquirente do imóvel que esteja alugado a uma terceira pessoa poderá denunciar o contrato (colocar fim unilateralmente à locação e entrar no imóvel).
Segundo o comando legal, o adquirente deverá respeitar o contrato quando a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.
No entanto, o STJ interpreta o dispositivo legal de forma mais ampla, uma vez que possui entendimento consolidado no sentido de que o adquirente também não poderá denunciar o contrato de locação se tiver ciência inequívoca, antes da aquisição, que o imóvel estava locado, independentemente de estar o contrato averbado junto ao cartório de imóveis.
Em termos mais simples, isso quer dizer que o adquirente de imóvel locado deverá respeitar o contrato de locação existente até o seu prazo final nas seguintes hipóteses: A locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel nos termos do artigo 8º da Lei 8.245/91; ou nos casos em que, antes da aquisição do imóvel, o adquirente tenha tomado ciência inequívoca da existência da locação, conforme entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça.
Esse posicionamento do STJ se mostra o mais adequado e funda-se principalmente no princípio da boa fé, o qual possui grande importância nas relações entre particulares.
Considerações finais
Em sendo assim, destacamos que atual jurisprudência do STJ traz resposta a muitas questões relacionadas aos contratos de locação de imóveis, firmando posicionamentos que facilitam a aplicação da Lei 8.245/91 no dia a dia, evitando injustiças e desproporções.
É importante ressaltar ainda, que nos contratos de locação, assim como em qualquer espécie de contrato, devem ser evitadas cláusulas com conteúdo abusivo, ilegal, contraditório, ambíguo ou obscuro, ou que estejam em desacordo com o atual entendimento da jurisprudência pátria.
Havendo qualquer abusividade ou contrariedade aos dispositivos da Lei 8.245/91 (Lei de Locações) ou da jurisprudência, ou ainda, descumprimento contratual por qualquer das partes que não possa ser resolvido de forma extrajudicial, a via judicial será o caminho para dirimir eventuais controvérsias decorrentes do contrato de locação.
Por fim, lembramos que em se tratando de matéria contratual, o reconhecimento da abusividade de uma determinada cláusula deve ser feito caso a caso, ou seja, somente uma análise detalhada e profunda do contrato firmado entre as partes, nos permite identificar a presença de cláusulas abusivas ou eventuais ilegalidades, daí a importância do locador e do locatário, de se valerem do auxílio de um advogado ao celebrar um contrato desta natureza, e assim, se prevenirem contra aborrecimentos e problemas futuros.
Referências
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituicaocompilado.htm
Gillielson Sá - Advogado. Egresso do Centro Universitário Estácio de Sá, com atuação no Direito Civil, Consumidor e Imobiliário.
Fonte: Artigos JusBrasil
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