A locação de espaços em shopping centers é considerada uma espécie de contrato atípico pelos tribunais brasileiros, em consideração às particularidades desta espécie de acordo e nos termos do artigo 54 da Lei do Inquilinato.
Ocorre que os locadores frequentemente inserem cláusulas abusivas nos contratos de locação, que não se justificam à luz das necessidades dos centros comerciais e contrariam a boa-fé contratual estabelecida no Código Civil. Entre tais cláusulas está aquela que equipara a alteração do controle societário da pessoa jurídica inquilina à cessão do contrato de locação (cessão esta que, nos termos do artigo 13 da Lei do Inquilinato, deve ser autorizada pelo locador).
Tal dispositivo contratual é utilizado, na prática, para impedir os sócios da pessoa jurídica locatária de vender sua empresa a terceiros, ou para exigir a cobrança de valores a título de “taxa de transferência”; a venda da empresa sem a autorização do locador sujeita o lojista até mesmo ao despejo por infração contratual.
Recentemente, entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou decisão de primeiro grau que reconheceu a abusividade destas cláusulas. Isto porque, quando há a locação de um imóvel a uma pessoa jurídica, a modificação de seu controle societário não resulta na modificação da inquilina, que permanece a mesma; a personalidade jurídica da empresa não se confunde com a figura de seus sócios, nos termos do artigo 52 do Código Civil.
Conforme a sentença de primeiro grau, confirmada pelo tribunal em julgamento realizado em 23 de novembro de 2017 (Apelação 1023300-33.2016.8.26.0577), a abusividade da norma contratual justifica-se com base nos seguintes argumentos: “Assim sendo, considerando que o contrato de locação foi celebrado com a pessoa jurídica e com ela se manteve, é irrelevante a mudança do quadro societário, pois, em última análise, não houve mudança do inquilino pessoa jurídica. Por isso, ao prever que a alteração do quadro societário necessita de prévia autorização da locadora houve intromissão indevida na relação societária, o que não é dado à locadora exigir, impondo-se o reconhecimento da nulidade dessa cláusula contratual por abusividade (art. 45 da Lei 8.245/91)”.
A decisão acima representa não apenas uma novidade no cenário jurídico nacional, mas também um importante avanço nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping centers, na medida em que os sócios da pessoa jurídica inquilina, com base neste entendimento, poderão vender sua empresa sem a necessidade de autorização do locador, e sem pagar a “taxa de transferência” estipulada em contrato, que é frequentemente fixada em quantias elevadas.
Francisco dos Santos Dias Bloch - Advogado, mestre e pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Atua no escritório Cerveira Advogados Associados nas áreas de Direito Imobiliário e Contencioso Cível.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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